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Escritoras falam sobre os desafios e oportunidades para as produções independentes

O mercado editorial independente é o tema desta entrevista com Cidinha Silva e Lubi Prates, escritoras, editoras e participantes do "Mulher de Palavra", projeto do Sesc Bom Retiro que surgiu com o desejo de estimular que mais obras femininas sejam lidas, discutidas e publicadas, além de dar protagonismo e um espaço de debate e trocas de experiências entre autoras mulheres.

O primeiro bate-papo é com Cidinha da Silva, escritora e representante da Kuanza Produções, editora na qual ela publica seus próprios livro. Ela foi a primeira editora do quadro “Botando a banca”.

 

Como você percebe o cenário de publicações de mulheres escritoras atualmente? E como percebe isso, mais especificamente, para escritoras negras?
Há algum tempo ministro um curso chamado “Autoria negra na literatura brasileira contemporânea”, no qual apresento apenas o trabalho de autoras negras (cis e trans). Trata-se do recorte que escolhi fazer, porque, ao longo dos anos, venho recolhendo muito material que exemplifica a complexidade das autoras negras negligenciada pelo mercado editorial. Nas décadas de 1980 e 1990, tivemos as autoras negras reunidas em torno de Cadernos Negros (publicação anual do grupo Quilombhoje que alterna contos e poemas) e pontos fora da curva como Leda Maria Martins (MG), Elisa Lucinda (ES), Inaldete Pinheiro (PB) e Heloísa Pires Lima (RS). Na década de 2000, por exemplo, tivemos publicações autorais de escritoras muito definidoras desse tempo que vivemos, tais como Conceição Evaristo (MG, 2003/2006) e Ana Maria Gonçalves (MG, 2006), e as poetas menos conhecidas, mas não menos importantes, Dinha (CE) e Maria Tereza Moreira de Jesus (SP, 2007). Eu também comecei a publicar nesse período, em 2006. De 2010 para cá, assistimos ao surgimento de publicações de nomes diversos quanto à abordagem estética em diferentes gêneros, tais como: Luh Maza (RJ) e Grace Passô (MG) - (dramaturgia); Ana Paula Maia (RJ) e Eliana Alves Cruz (RJ) - (romance); Paloma Franca Amorim (PA) e Jarid Arraes (CE) - (crônicas e contos); Bianca Santana (SP) e Djamila Ribeiro (SP) - (ensaios na grande mídia); Tatiana Nascimento (DF), Lívia Natália (BA), Roberta Estrela D’Alva (SP), Fernanda Bastos (RS), Stephanie Borges (RJ) e Ryane Leão (MT), entre tantas excelentes poetisas, somadas às performers dos Slams.

As mulheres negras já mostraram de diferentes maneiras que não formam um bloco monolítico de escritoras, urge considerá-las em sua singularidade e complexidade. Esse me parece ser o maior desafio do cenário editorial no que tange à análise da produção das mulheres negras.

Como você vê a autopublicação? Seria a autopublicação uma necessidade ou uma opção?
Enxergo a autopublicação como alternativa viável para projetos autônomos, que pode ter a ver com uma proposta estética que não interessaria a editoras convencionais, por exemplo, livros para adultos que tenham ilustrações não profissionais, feitas pela autora do texto, por crianças próximas, desenhos que tenham valor afetivo, acima de tudo; opções que aos olhos do mercado podem tornar o livro menos vendável. Contudo, pode haver por parte da autoria em questão uma necessidade afetiva e estética de produzir o livro daquela forma considerada não vendável. Adicionalmente, podem-se ter projetos arrojados que gerem insegurança de investimento por parte de editoras bem estabelecidas e para as pequenas pode configurar uma aposta muito alta, mas, se você acredita no projeto e reúne condições de execução, você se autopublica.

Fiz isso com os dois volumes iniciais da série que reúne minhas melhores crônicas. Acho muito difícil que outra editora além da minha se interessasse pelo projeto. Fiz 2.000 exemplares do primeiro volume (Exuzilhar) e 1.000 do segundo (Pra começar), do primeiro vendi 1.300 e no segundo 800 cópias em um ano. Considero que a aposta vingou.

Quais são os seus desafios como uma editora independente?
• Aprender a selecionar serviços de qualidade com prazos confiáveis e preços justos e acessíveis;
• Definir pontos orientadores centrais e convergentes da montagem de um catálogo;
• Além de um bom plano de negócio, construir uma racionalidade de publicações que ultrapasse o sonho de publicar o que gosto e quero a qualquer momento (sem planejamento);
• Encontrar caminhos eficazes de circulação e comercialização do livro;
• Capilarizar pontos de venda;
• Definir uma estratégia de sustentabilidade capaz de auferir recursos de diferentes fontes e espaços de vendas;
• Usar de maneira inteligente o poder de escolher o que as pessoas vão ler, o que será oferecido a elas para ler.

Ainda estou compreendendo melhor a ideia de “nicho de mercado”, não sei se ela me interessa totalmente, não sei se quero ser uma “editora de nicho”, mas reconheço que ainda preciso entender mais o que significa apoiar-se em um nicho para editar.

Qual é a sua percepção sobre a questão da distribuição e circulação das publicações de editoras independentes?
A primeira coisa importante me parece ser o entendimento de que existem vários perfis de editoras independentes, vejamos exemplos: a Jandaíra noticiou outro dia que está em mais de 150 pontos de vendas de livros espalhados pelo país. A Kuanza Produções deve estar em 12 pontos no máximo sendo que cinco deles estão em São Paulo, número que ainda consigo controlar por meio de anotações à mão num caderno. Devem existir editoras independentes com 30, 50, 80 pontos de venda e outras que têm 200, 300, 400 pontos de venda ou mais, o que exige níveis mais complexos de reposição de estoque, monitoramento de vendas e cobrança. Existem editoras como a Patuá que vendem exclusivamente em seu site, ponto físico próprio e eventos, não consignam, e pouco vendem livros para revenda. Há editoras independentes que participam sistematicamente de feiras de livros, organizam um calendário anual para atingir esse objetivo, outras mal sabem que as feiras existem e quando sabem e/ou participam, não têm um planejamento de vendas que possa cobrir os custos de transporte de livros (aéreo e terrestre), hospedagem, alimentação, pessoa eventual no local da feira que possa trabalhar no stand da editora. A minha percepção passa pelo pragmatismo das necessidades operacionais. Não tenho uma perspectiva conceitual e filosófica para destilar aqui, me interessa compreender um panorama que comporta editoras independentes que vendem pela Amazon e outras que fazem lives de fundo de quintal achando que vão vender dezenas de livros. E o grande desafio é construir o lugar mais confortável e reverberador da presença da Kuanza Produções nesse cenário.

Qual sua opinião sobre ações literárias como o Mulher de Palavra, com foco exclusivo em mulheres que escrevem?
São iniciativas importantes e necessárias, pois o mundo público, como sabemos, é dominado pelos homens e por uma mentalidade que os privilegia. As ações afirmativas são fundamentais para promover a equidade.

Qual mensagem você deixaria para uma jovem escritora com o desejo de publicar sua obra?
Olha, temo dizer que não sou muito motivacional... eu faria perguntas como as que seguem: "Para que você escreve e para quem?" "O que você pretende com a escrita?" "Por que quer publicar livros?" "O que você escreve?" "É literatura?" "Você deseja ser uma escritora profissional?" "Como você lida com a crítica a seus escritos?" "Você tem autocrítica?" "O que é o livro para você? A realização de um sonho? O registro e divulgação da 'sua verdade'? Um “filho”? Um mecanismo de satisfação do ego? Um produto cultural e artístico? O cumprimento do vaticínio “toda pessoa adulta de sucesso deve plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro”? O livro é uma ferramenta de marketing pessoal? Uma válvula para superação da timidez, encontro de novos amigos, amores (quem sabe)?"

Conte-nos um pouco sobre suas ações na Kuanza Produções e sobre a origem da editora.
A Kuanza se originou de um desejo de escoar minha produção literária que eu julgava importante e que não interessava a editoras. A partir de 2021, depois de conseguir estruturar um plano de negócio e definir de maneira mais precisa os universos que quero publicar, devo iniciar a formação de um catálogo composto por outras vozes. Por ora, a gente tem publicado uma série com minhas melhores crônicas; temos investido também na área de formação por meio de cursos, palestras e oficinas realizados pelo Zoom e também negociamos as propostas com centros culturais, instituições públicas e eventos (festas literárias). Para 2021, estamos preparando a gravação desse material para comercializar como produto fechado (sem interação com o público) em plataformas digitais.

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Acompanhe agora a entrevista com Lubi Prates, escritora e editora da nosotros e poeta participante do quadro “Com a palavra”.

Como você percebe o cenário de publicações de mulheres escritoras atualmente? E como percebe isso, mais especificamente, para escritoras negras?
Eu tenho percebido de uma maneira bastante esperançosa. Muitas mulheres brasileiras escreveram ao longo da nossa história e ainda escrevem, mas, na minha opinião, o que muda em comparação aos homens é como essa produção é vista - e tudo que é feito a partir daí (ações sistemáticas para o silenciamento e apagamento dessas mulheres). Atualmente, eu percebo (ou os meus olhos me fazem enxergar assim por causa do meu aprofundamento nos estudos feministas e na sua aplicação na Literatura) que as mulheres têm, não só escrito mais, mas se proposto a mostrar o que escrevem pro mundo e, talvez, essa exposição venha da percepção de que a Literatura é um lugar para as mulheres, assim como todos os outros. Para mulheres negras, eu tenho a mesma impressão, embora não exista equidade, se pensarmos em proporção da população; seja em comparação a mulheres brancas ou a homens negros. Eu tenho insistido que apenas escrever não é “suficiente”, precisamos publicar para nos marcarmos na história, para aumentarmos os limites.

Considerando sua experiência em atividades formativas e levando em conta também sua trajetória pessoal, como você enxerga esse processo de saída do “casulo” da escrita iniciante e passagem para a exposição do que se escreve através de publicações?
Me parece que essa é a primeira grande barreira que qualquer mulher enfrenta. Vivemos séculos de silenciamento sistemático, em que, de alguma maneira, “aprendemos” que não sabemos escrever ou não escrevemos tão bem, assim, ou que ninguém vai querer ler… Então, para que publicar? Só que isso é o que o machismo/racismo quer que acreditemos para manter a ordem atual da nossa sociedade. Essa é uma virada de chave importante, porque é desobediência ao sistema que nos aprisiona. Sair desse casulo pode não ser confortável, no primeiro momento, mas pode se tornar, conforme formos contando nossas próprias histórias.

Como você vê a autopublicação? Seria a autopublicação uma necessidade ou uma opção?
Talvez seja as duas coisas e até mais. No meu processo como poeta, essa possibilidade surgiu da minha busca por independência das editoras e por mais autonomia em todo o processo de publicação. É libertador perceber que podemos cuidar do nosso próprio trabalho, mesmo sendo muitas vezes cansativo. Pra mim, funcionou muito bem em projetos menores, de poucos poemas, como um teste. Quando digo que pode ser uma necessidade, entendo que muitas editoras ainda não se interessam pela produção de escritores/as que estão nas margens da sociedade.

Qual é a sua percepção sobre a questão da distribuição e circulação das publicações de editoras independentes?
Acho que esse é um assunto muito importante e pouco discutido, para pensarmos possibilidades de mudanças nas estruturas. As regras das livrarias para distribuição dos livros faz parecer que não querem que editoras independentes existam. Isso porque me parece injusto que uma editora independente pague o mesmo que uma editora grande para que vender os livros. Geralmente, trabalhamos com uma equipe enxuta (às vezes, uma só pessoa para todas as atividades da editora) e isso faz com que poucos livros sejam publicados por ano e com tiragens pequenas. Quando uma livraria cobra 50% do preço de capa para vender os livros de editoras pequenas, isso gera um prejuízo. Porque, ou aumentamos o preço (e corremos o risco de não vendermos os livros) ou não recebemos pelo trabalho que executamos. Hoje, temos muitas feiras e festivais independentes e eles são essenciais para fazermos os livros circulares, mas eu acredito que o apelo maior e mais fácil é, ainda, por meio das livrarias.

Conte-nos um pouco sobre suas ações como editora da “Nosotros” e sobre a origem da editora.
A “nosotros, editorial” nasceu em 2017 pelo desejo meu e das/os outras/os fundadoras/es (Carla Kinzo, Júlia Bicalho Mendes e Stefanni Marion - hoje, somos eu, Carla e Priscilla Campos) de publicar as obras poéticas ou dramaturgas de pessoas latino-americanas vivas, em livros/plaquetes bilíngues. Algumas vezes, consideramos publicar livros que fujam desse eixo, como foi o caso do “um corpo negro”, escrito por mim, e do "Medo Medo Medo", da Maria Clara Escobar, que não são livros bilíngues. Também publicamos assim a “Golpe: antologia-manifesto”, que foi nossa primeira publicação.

Qual sua opinião sobre ações literárias como o Mulher de Palavra, com foco exclusivo em mulheres que escrevem?
Essas ações são fundamentais e fantásticas! Por promover, de forma integral, o trabalho das mulheres que atuam no meio literário, escritoras e editoras.

Qual mensagem você deixaria para uma jovem escritora com o desejo de publicar sua obra?
Tem algumas histórias que só poderão ser contadas por você e isso, além de ser incrível, também pode contribuir para a mudança que tanto esperamos no mundo (com mais equidade de raça e gênero).

Fique por dentro das ações do "Mulher de Palavra" e leia mais sobre o projeto aqui.

 

MULHER DE PALAVRA 2020
Botando a banca - Terças e quintas, até 29/12
Com a palavra - Sextas, até 30/12

 

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