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Radar Sonoro: entre o imobilismo e a reinvenção - orquestras e instituições de música no Brasil de 2020
Colaboração de Andrei Reina*
Como tudo na história, o ano de 2020 será melhor compreendido se levadas em consideração as suas contradições. No que diz respeito à cultura e, mais especificamente, à música, isso não é diferente. Antes de ir a elas, peço licença para iniciar este texto com um relato pessoal e anedótico.
Os últimos meses foram de longe aqueles nos quais mais me senti próximo das tradições musicais que escolhi acompanhar de perto. Falo aqui sobretudo de música de concerto, ópera, jazz e a inesgotável corrente da música instrumental brasileira, sem prejuízo da canção e novas formas artísticas que extrapolam seus limites.
Desconheço outro contexto no qual teria sido possível acompanhar concertos ao vivo da Orquestra Real do Concertgebouw da Holanda, assistir a récitas gravadas do Metropolitan Opera de Nova York ou explorar o acervo da Filarmônica de Berlim sem pagar nada por isso além de uma conta de internet.
Tampouco sei se o futuro reserva outros anos nos quais seja necessário passar tanto tempo dentro de casa, o que possibilitou – e em parte exigiu, para a manutenção da saúde mental – que eu me impusesse uma série de tarefas prazerosas, como maratonar os songbooks de Ella Fitzgerald, recuperar as gravações pioneiras de Louis Armstrong e Pixinguinha no início do século 20 ou tentar compreender a trajetória de Hermeto Pascoal por meio de seus discos.
Nada disso, no entanto, aconteceu no vazio. Como todos com algum juízo, mantive-me a par do que o mundo, o país e o bairro onde vivo atravessaram, uma experiência histórica marcada por um sofrimento social incontornável, quer pensemos na saúde pública ou na economia, esferas administradas de forma errática (para usar um eufemismo) pelas autoridades competentes. Excluída esta parte da história, tudo o mais seria coberto por uma nuvem de cinismo e ignorância dos próprios privilégios.
Também seria preciso pesar na equação as condições específicas enfrentadas por artistas, orquestras, instituições e festivais brasileiros que trabalham com o tipo de música a que me refiro. Dependentes de recursos públicos, virtualmente inviáveis do ponto de vista comercial e nem sempre felizes em suas tentativas de alcançar o público, eles se viram, em 2020, espremidos contra a parede.
As reações variaram, indo da imobilidade à reinvenção, passando ainda por situações que, em função de decisões arbitrárias por parte do poder público, tornaram a mera possibilidade de formular uma resposta mais difícil. A Orquestra Filarmônica de Goiás, conjunto em ascensão na música de concerto do país hoje em um limbo institucional, é um exemplo do último caso.
A imobilidade cabe às instituições que parecem aguardar o retorno à vida como a conhecíamos ou ainda ao chamado novo normal, sem que esteja claro o que isso queira dizer. Justiça seja feita, esse sentimento não nasceu no meio da música clássica e tampouco é defendido somente no seu espaço. Salvo engano, o grande problema dessa espera – ao mesmo tempo angustiada e ingênua – está no seu pressuposto: passada a pandemia, tudo seguirá mais ou menos como antes. Falo mais disso daqui a pouco.
A boa notícia é que as tentativas de reinvenção foram tantas e em contextos tão diferentes que ao menos um punhado delas merece ser mencionado. Pensemos, por exemplo, no Instituto Baccarelli. Situado no bairro do Heliópolis, na zona sudeste de São Paulo, o instituto oferece aulas de música a mais de mil crianças e adolescentes, além de administrar a Sinfônica Heliópolis. Diante da pandemia, a sede do Baccarelli foi convertida em um centro de coleta e distribuição de doações às famílias da comunidade, que receberam cerca de 200 toneladas de alimento. Assim como fez o Teatro Colón na Argentina, ao mobilizar seu setor de figurinos de ópera para a produção de máscaras, a instituição do Ipiranga mostra que as orquestras não devem virar as costas para o seu quintal.
Entre as instituições, a pandemia também ensejou instâncias coletivas de organização, uma vez que momentos de crise costumam acender o sinal de alerta para a cultura, um dos alvos preferenciais de cortes de verba. A integração de orquestras, casas de ópera e companhias de dança, necessária para a articulação de respostas às pressões que vêm do alto, deu um passo importante neste ano. Em maio, cerca de 700 artistas e instituições assinaram o manifesto de criação do Fórum Brasileiro de Ópera, Balé e Música de Concerto. Desde então, a iniciativa criou espaços para discussão de problemas e formulação de propostas para o meio.
Com o público em casa, orquestras e grupos se viram obrigadas a buscar ou aprimorar alternativas virtuais para permanecer no radar. Em Belo Horizonte, uma combinação de preparo e sorte deu à Filarmônica de Minas Gerais as armas necessárias para atravessar o ano. Em 2019, a Sala Minas Gerais, sede da orquestra na capital mineira, foi equipada com um estúdio e câmeras de gravação. Conduzido com destreza pelo diretor Leandro Oliveira, o recurso técnico garantiu às transmissões digitais do grupo uma qualidade comparável a de orquestras internacionais e firmou o lugar da Filarmônica na paisagem musical brasileira para além de suas fronteiras.
Na área da educação, o Festival Internacional de Música em Casa, o Fimuca, contou com a visão do trompetista Flávio Gabriel e a estrutura da Universidade Federal do Rio Grande do Norte para mobilizar centenas de professores – entre os quais alguns dos maiores solistas do país – para uma bateria de aulas gratuitas. Nada menos que 16 mil alunos se inscreveram para as atividades, que preencheram o vazio deixado pelo cancelamento dos festivais formativos de inverno e demonstraram, pelo volume de matrículas, a falácia a respeito do desinteresse pelo ensino de música no Brasil entre os jovens.
Quando atenta às exigências da sociedade contemporânea, a curadoria de festivais também abriu caminhos para uma inserção crítica e inteligente da música na vida das pessoas. Em alguns casos, como o da edição online do Festival de Música Erudita do Espírito Santo, o arrojo curatorial foi capaz de trazer ao primeiro plano um evento que em anos anteriores tinha posição marginal no calendário. “Fronteira”, “interdição” e “permeabilidade” foram as palavras escolhidas pela curadora Livia Sabag para definir a programação do evento, que teve entre seus méritos um raro equilíbrio de gênero entre os compositores interpretados. A baixa representatividade de mulheres nas salas de concerto recebeu resposta à altura, além da inclusão de nomes como Lina Pires de Campos (1918-2003) e Eunice Katunda (1915-1990) ao repertório, em uma mesa de debate dedicada ao tema.
Criado pela representação de cantores negros do Fórum Brasileiro de Ópera, Balé e Música de Concerto, o Festival Internacional Ubuntu Vocalis promoveu em outubro uma série de masterclasses e rodas de conversa direcionadas a alunos negros. Segundo os organizadores, o objetivo foi o de debater a diversidade racial na música, destacar a atuação de profissionais negros da área e proporcionar aos estudantes uma formação amparada nos conceitos de reconhecimento e representatividade. A iniciativa apoiada pela Universidade de Campinas reuniu cantores de diferentes gerações, como a soprano Edna D'Oliveira e o barítono Michel de Souza, ambos referências do canto lírico.
No entanto, o debate em torno do racismo estrutural, que apenas começou a ser tratado como merece na sociedade brasileira, ainda comparece de forma tímida na música clássica. Embora o tema tenha sido objeto de conversas realizadas de forma remota pela Orquestra Sinfônica da Universidade de São Paulo e pelo Theatro da Paz de Belém, é preciso admitir que as principais instituições do país ainda negligenciam seus principais aspectos: a ausência de compositores negros nos programas de concertos; os obstáculos materiais e simbólicos que mantêm a maioria negra do país longe das salas de espetáculo; a minoria de músicos negros nas fileiras das orquestras e as oportunidades insuficientes conferidas a solistas negros. Enfrentar este cenário, não custa lembrar, figura hoje como condição para aqueles que desejam pertencer a seu tempo e lugar.
Como lembrete diário da necessidade de se reinventar e de se inscrever nas contradições da sociedade em que estão, talvez fosse o caso de pendurar certa frase de Walter Benjamin em salas de concerto, teatros de ópera e mesas de direção artística país afora: "Em cada época é preciso tentar arrancar a transmissão da tradição ao conformismo que está na iminência de subjugá-la."
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Além do debate institucional (e da falta dele), o ano também foi marcado por uma vibrante produção musical. Projetos gestados antes da pandemia, realizados no calor da hora ou ainda em desenvolvimento pipocaram de diferentes lugares e em diferentes formatos. Segue abaixo uma lista – como sempre incompleta – de alguns deles, do registro de obras históricas da música brasileira à busca por novas formas de expressão.
Paisagens ao piano
O primeiro disco de piano solo de Léa Freire marca o reencontro da compositora e arranjadora – mais conhecida pelos amantes da música instrumental brasileira como flautista – com o primeiro instrumento que aprendeu, ainda na infância. Além de estar nas plataformas de streaming, "Cinepoesia" também foi lançado como um álbum visual, onde assistimos ao recital de Freire e viajamos, de trem ou de avião, para os diferentes cenários incluídos no filme pelo diretor Lucas Weglinski.
Decana da vanguarda
Pioneira da música eletroacústica no Brasil, Jocy de Oliveira teve um 2020 agitado. Além de verter a ópera Liquid Voices – A História de Mathilda Segalescu, estreada nos palcos em 2017, em um livro e em um filme, a compositora foi a homenageada da edição virtual do Festival Novas Frequências, para o qual concebeu, ao lado da artista visual Lilian Zaremba, o espetáculo Naked Diva, com participações dos músicos Gabriela Geluda (soprano) e Marcelo Carneiro (difusão).
Janela eletroacústica
Por falar em vanguarda, a Bienal Internacional de Música Eletroacústica de São Paulo, principal janela do gênero no país, também realizou a sua 13ª edição no meio digital. Sete painéis de obras compostas ao longo da história do Studio PANaroma, criado na Universidade Estadual Paulista pelo compositor Flo Menezes em 1994, foram selecionadas, com destaque para a estreia do Ciclo das Errâncias. Inicialmente concebida para 16 canais, a redução para o som estéreo da peça de Menezes pede um bom par de fones de ouvido.
O improviso da abadia
Artista residente do IRCAM, prestigioso instituto francês fundado por Pierre Boulez para a pesquisa em música e acústica, Michelle Agnes Magalhães é um dos principais nomes da música contemporânea brasileira. Familiarizada com a escrita em partitura e com encomendas para formações clássicas, Magalhães mantém um interesse pela improvisação, explorado por ela, entre outras ocasiões, com o grupo Abaetetuba. Em novembro, este traço veio à tona ao tocar um órgão do século 16 localizado na Abadia de Saint-Chaffre, no sul da França, de onde transmitiu uma live para o Improfest, festival brasileiro de música e improvisação. Três músicos e uma cinegrafista acompanharam a brasileira.
Soltando o violino
Predisposição similar para as formas livres teve a violinista Ana de Oliveira ao entrar no Estúdio Monteverdi em fevereiro. Ali, criou no instante as “improvisações autobiográficas” que constituem a maior parte do disco "Dragão dos Olhos Amarelos", lançado de forma independente. No registro, a integrante do Trio Puelli e spalla da Orquestra Sinfônica Nacional da Universidade Federal Fluminense exercita uma liberdade raramente concedida a músicos de formação clássica, em uma sessão livre de violino solo que se encerra com "Posso Chorar", de Hermeto Pascoal, interpretada com o pianista André Mehmari.
Cartas do isolamento
Quando, em 2018, João Guilherme Ripper recebeu uma encomenda do projeto SP-LX Nova Música – iniciativa da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo com a Fundação Gulbenkian, de Portugal –, ele não poderia imaginar a atualidade que o resultado dela, o monodrama "Cartas Portuguesas", ganharia dois anos depois. Escrita para soprano e orquestra, a obra se baseia na correspondência da (enclausurada) freira Mariana Alcoforado para um oficial francês com quem viveu um romance no século 17. As suas palavras de amor e isolamento ganharam voz através de Camila Titinger, que subiu ao palco de uma Sala São vazia sob a direção de Jorge Takla e a regência de Roberto Tibiriçá.
Navalha lírica
Um dos momentos mais aguardados da temporada do Theatro Municipal de São Paulo em 2020, cancelada antes de poder começar, era o programa duplo com as estreias de "Navalha na Carne", de Leonardo Martinelli, e "Homens de Papel", de Elodie Bouny. Ambas as óperas são adaptações de peças de Plínio Marcos e encaram o desafio de transpor o universo criativo do dramaturgo, interessado em personagens à margem da sociedade, como prostitutas e catadores, ao gênero lírico. Na impossibilidade de levar as obras ao palco, a instituição lançou na internet um documentário que detalha o processo criativo dos compositores e dos encenadores convidados (Fernanda Maia e Zé Henrique de Paula).
Violão concertante
Se você segue a cantora Teresa Cristina no Instagram, é provável que João Camarero já tenha dividido a tela de seu celular com a grande dama das lives. Além de acompanhar cantores e integrar o grupo Época de Ouro, o jovem violonista é um concertista refinado, que se fez ouvir no ano passado com o disco "Vento Brando", lançado pelo selo de violão erudito GuitarCoop, e em dois singles recém-divulgados pela Biscoito Fino. Entre eles, uma gravação de "Concertante nº 3", do compositor baiano Nicanor Teixeira.
Futuro das cordas
O violão de concerto brasileiro, aliás, não cessa de reunir nomes promissores às suas fileiras. Com apenas 22 anos, Gabriele Leite se prepara para fazer o mestrado nos Estados Unidos, onde foi admitida na Manhattan School of Music. Natural de Cerquilho, no interior de São Paulo, Leite começou cedo os estudos em um polo do Projeto Guri, aprimorando-se em seguida no Conservatório de Tatuí e na graduação na Unesp. Em vídeos publicados no YouTube, além de lives realizadas pelo Movimento Violão e pela Cultura Artística, instituição da qual é bolsista, a violonista exibiu a consolidação de um repertório exigente.
Daria um filme
Para quem acompanhou a edição virtual do In-Edit Brasil, festival de documentários musicais, também pôde se sentir otimista com o futuro ao assistir "Neojiba – Música Que Transforma", dirigido por Sérgio Machado e George Walker Torres. O filme registra a turnê europeia do grupo formado nos Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia realizada em 2018 com a participação, entre outros solistas, da pianista Martha Argerich. Com entrevistas e depoimentos, o documentário é uma boa oportunidade para conhecer o projeto de inclusão social por meio da música idealizado em 2007 pelo regente e pianista Ricardo Castro.
Piano de casa
Em janeiro, dias antes do fim do mundo como o conhecemos, Hercules Gomes causou uma formidável aglomeração no entorno do Sesc Consolação para o show de lançamento do disco "Tia Amélia para Sempre", que reúne peças da pianista e compositora pernambucana Amélia Brandão Nery (1897-1983). Aqueles que, como eu, não tiveram sorte na fila do concerto, puderam testemunhar o piano brasileiro de Gomes, que dribla as noções de popular e erudito, na live realizada em maio no projeto #EmCasaComSesc.
Ninjas do groove
Isolados em casa, alguns músicos passaram a compartilhar com o público o cotidiano de ensaios, exercícios e experimentos inerentes ao ofício. É o caso, por exemplo, de Anna Karina Sebastião e Lenna Bahule, cujos perfis no YouTube registram notáveis invenções. Conhecida por seu trabalho com Arrigo Barnabé, o grupo Quartabê e, mais recentemente, a banda do programa Conversa com Bial, Sebastião é baixista e dona de um dos melhores grooves de sua geração. Bahule, por sua vez, é uma cantora moçambicana radicada no Brasil desde 2012, interessada em formas de expressão vocal em diálogo com a percussão. Em setembro, elas divulgaram um vídeo em conjunto de Nega Ninja, composição de Anna Karina que explora as possibilidades do encontro entre o baixo e a voz.
Música para flutuar
Outra artista que viu o seu público multiplicar nos últimos meses é a cantora Vanessa Moreno, que atraiu novos ouvintes no Instagram ao expor sua voz cristalina em vídeos caseiros, de canções de ninar gravadas de pijama a colaborações remotas com colegas. Dona de uma voz segura, à vontade o bastante na tradição da canção brasileira para improvisar sobre ela, Moreno estava com o disco Chão de Flutuar, gravado com o pianista Salomão Soares, pronto para subir aos palcos em 2020. Na impossibilidade de fazê-lo, a dupla realizou uma generosa live de duas horas com o repertório.
Aurora brasileira
Gestado entre 2016 e 2017 por Gustavo de Sá, que integra o Departamento de Difusão Cultural do Itaramaty, o projeto "Brasil em Concerto" tem preenchido uma lacuna importante de gravações de obras de compositores brasileiros, muitas delas inéditas em disco. Em maio, a Filarmônica de Minas Gerais lançou um volume com peças de Almeida Prado (1943-2010) para piano e orquestra, interpretadas com rigor por Sonia Rubinsky sob a regência de Fabio Mechetti. Lançado pelo Naxos, o disco apresenta a experimentação e a intensidade que atravessam a música de Prado, cujo registro mereceu uma indicação ao Grammy Latino na categoria de melhor álbum clássico do ano.
Seresta sinfônica
Outro importante lançamento do Brasil em Concerto em 2020 é a gravação realizada pela Osesp de obras de Camargo Guarnieri (1907-1993). O primeiro volume de seus Choros para instrumento solo e orquestra destacam o fagote, a flauta e o violino de Alexandre Silvério, Claudia Nascimento e Davi Graton, respectivamente. Todos são integrantes da Osesp e demonstram que nem sempre é preciso convocar estrelas internacionais para realizar gravações de referência. Prova maior disso é a abertura do disco, com a interpretação segura da pianista Olga Kopylova (titular da orquestra) para a exigente Seresta sinfônica de Guarnieri.
A voz de Santoro
O centenário do compositor Claudio Santoro (1919-1989) foi celebrado no ano passado, mas as homenagens não cessaram em 2020. E por um bom motivo: muitas de suas obras, embora assinadas por um dos principais nomes da música brasileira do século 20, seguem inéditas em disco. Hugo Pilger e Ney Fialkow gravaram a integral de peças para violoncelo e piano, enquanto Emmanuele Baldini e Alessandro Santoro, filho do músico, registraram a obra completa para violino e piano. O esforço foi coroado ainda pela primorosa gravação das canções de Santoro por Paulo Szot, barítono aplaudido em algumas das principais casas de ópera do mundo e vencedor do Tony Award da Broadway, e Nahim Marun, pianista e professor da Unesp. Intitulado "Jardim Noturno", o disco foi lançado em agosto pelo Selo Sesc.
Compondo em quarentena
Uma das instituições musicais que mais rápido reagiu aos novos tempos foi a Orquestra Sinfônica de Santo André. Já em maio, o diretor artístico e regente Abel Rocha concebeu o projeto das Microestreias da Quarentena e convidou oito compositores a escrever peças breves. As criações de João Guilherme Ripper, Leonardo Martinelli e Neymar Dias, entre outros, foram então gravadas de forma remota e em seguida editadas em vídeo. A OSSA ainda demonstraria jogo de cintura em 2020 com a encenação digital em escala reduzida de "O Guarani" e com a realização de uma Trilogia Trancafiada, também em vídeo.
Memórias negras
Mais de dois mil itens do acervo de Itamar Assumpção, ícone da Vanguarda Paulista dos anos 80, foram disponibilizados em novembro através do Museu Virtual Itamar Assumpção – MU.ITA. Da forma como foi organizada, a coleção de imagens, adereços de palco, textos e discos inscreve o legado do autor de "Nego Dito" na tradição da arte afro-brasileira. O lançamento da plataforma, a primeira do tipo com tradução para o iorubá, foi realizado no Dia da Consciência Negra com um show dirigido por Ava Rocha e conduzido por Anelis Assumpção, filha do músico e diretora geral do museu.
Sopro político
Em meados de junho, os clarinetistas Daniel Oliveira, Diogo Maia e Batista Jr. realizaram uma chamada online para obras inéditas de até um minuto para clarinete e clarone, concebidas para performances solo ou em conjunto. Em pouco tempo, mais de 70 novas partituras chegaram. Os músicos, então, se dividiram no esforço de estudar e registrar as peças, disponibilizadas na internet através do projeto PandeMúsica. De novatos a nomes estabelecidos da música contemporânea, compositores como Jorge Antunes, Sergio Kafejian e Harry Crowl colaboraram. Algumas das composições refletem o calor político do ano, como o Pandedrama antifascista de Antunes e o Lamento por George Floyd, de Marcos Lucas.
Noturna
O projeto #NãoRepareABagunça, do Selo Sesc, promoveu ao longo do ano um espaço para novas criações musicais e encontros inesperados, quase sempre realizados de forma remota. Um desses presentes foi entregue por Maria Beraldo, clarinetista da Quartabê e autora do disco solo Cavala, em que também canta. Soturna, a inédita "Aniversário" foi composta “numa madrugada em que não existia nenhuma palavra”. A peça é interpretada pelo pianista clássico Cristian Budu e por Beraldo, cuja programação atrasa e lança ruídos sobre as notas esparsas.
* Andrei Reina é jornalista de arte e cultura. Desde 2016, é repórter da revista Bravo!, onde se especializou na cobertura de música de concerto, ópera e artes plásticas. Estuda a tradição crítica brasileira no mestrado em sociologia na Universidade de São Paulo, onde se formou em ciências sociais. Já colaborou com publicações como o jornal Folha de S. Paulo e a revista Latina (Japão).
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Radar Sonoro: Léa Freire e Andrei Reina
Para apresentar novas produções musicais, tanto inéditas, quanto em gestação, em tempos atuais, surgiu o projeto Radar Sonoro, uma série de vídeos e textos que traçam um panorama da produção musical brasileira no contexto de pandemia e distanciamento social.
O sexto e último encontro da série digital, disponível a partir de sexta-feira, 11 de dezembro, às 11h, no YouTube do Sesc Pinheiros, tem como convidados a compositora e instrumentista Léa Freire e o jornalista Andrei Reina, da Revista Bravo.
Léa Freire cresceu cercada pela música e ouvia, desde cedo, eruditos brasileiros como Camargo Guarnieri e Villa-Lobos em seus estudos de piano, ao lado de Bach, Debussy e outros compositores estrangeiros. Cantou 15 anos em coral, ao mesmo tempo em que se interessava pelo jazz, que a levou para a bossa nova, que a chamou para o choro e que lhe mostrou o caminho para os inúmeros ritmos brasileiros. Essa e outras histórias musicais sobre a artista serão reveladas na entrevista com Andrei Reina.
O Radar Sonoro traz, em cada edição, um nome do jornalismo musical e um artista da cena da música brasileira. Já participaram do projeto o vocalista da banda Mombojó, Felipe S, o trombonista Joabe Reis, a compositora e ativista Dani Nega, o arranjador Thiago França e os jornalistas e críticos musicais Alexandre Matias e Carlos Calado e as jornalistas Debora Pill e Patricia Palumbo.
Enquanto isso, aproveite para assistir aos episódios anteriores: