Sesc SP

Matérias do mês

Postado em

Mel Duarte se torna primeira poeta negra brasileira a lançar álbum de spoken word

Toda letra de música tem poesia. Assim como poesias podem ganhar arranjos e se tornarem canções. A fim de investigar as possibilidades de fusão dessas duas linguagens artísticas, o Sesc 24 de Maio realiza a primeira edição do projeto Sonoras Entrelinhas no mês de setembro. São apresentações líteromusicais que consistem em abordar os limites entre música e performance com relação aos versos poéticos.

É em meio ao projeto que a escritora, poeta e slammer Mel Duarte lança seu primeiro álbum de poesias musicadas, intitulado MORMAÇO – entre outras formas de calor. Sonoras Entrelinhas conta, ainda, com apresentações de Mautício Pereira, Rodrigo Campos e Rafa Carvalho, em 25/09, e Débora Garcia, em 28/09.

Com as 10 faixas, Mel se tornou a primeira poeta negra brasileira a lançar um álbum que parte inteiramente da premissa de explorar o spoken word. O gênero é mais conhecido e cultuado por artistas norte-americanos, já que foi nos Estados Unidos que suas raízes se fortificaram. O estilo foi adotado por artistas de soul-jazz na década de 1970. Um de seus precursores é o músico e poeta Gil Scott-Heron (1949 – 2011), reconhecido como um dos maiores musicistas de sua geração.

Bons sentimentos capazes de fortalecer

O álbum é produzido por Dia e Peter Mesquita – sendo ele produtor da faixa “Ressaca” – e conta com participações de Bia Ferreira, Nina Oliveira e Rapper Amiri. As sonoridades se revezam entre os beats de hip-hop, a sensualidade do R&B e todo gingado do samba, tudo para “apresentar outras formas de calor, só que através da minha poesia”, diz. O álbum está disponível nas plataformas de streaming desde 2 de agosto de 2019.

Desde 2006 trabalhando com literatura, Mel é reconhecida por seus versos de resistência (principalmente os que lançam luz sobre vivências de mulheres negras), amor, paixão, afeto e erotismo.

Em MORMAÇO, a necessidade de falar sobre amor vem como resposta ao desapego das coisas simples, tão capazes de fazer diferença no cotidiano. Os versos da poeta, diretos, intensos e sem rodeios, são inteiramente baseados no amor e nas sensações capazes de dar borboletas no estômago. São momentos de respiro. “Minha intenção é propor uma pausa no meio desse caos para que as pessoas se deixem levar, se lembrem que o afeto é importante e que precisamos muito levantar essa bandeira para enfrentar a realidade dos dias que estamos vivendo”, explica.

A abordagem do sexo nas letras, falas de sua própria perspectiva, desconstrói o local de sexualização e a estigmatização do corpo negro feminino. Por seu trabalho ser muito conhecido por conta da militância (principalmente em sua atuação no Slam das Minas, em São Paulo), Mel entendeu como necessário mostrar que não é só de luta que vive um corpo.

A nova ascensão da poesia

Tanto MORMAÇO como Sonoras Entrelinhas chegam em um momento em que o interesse pela poesia, seja brasileira ou de lugares mundo afora, volta a crescer. Segundo apuração da agência O GLOBO em maio de 2018, a venda de exemplares do gênero cresceu 130% nos dois primeiros bimestres daquele ano (em comparação ao mesmo período em 2017). Parte disso se deve pela escolha da democratização de adaptação de linguagem e de assuntos que pautam experiências universais dessa geração. Seja em perfis nas redes sociais, impressas nos livros ou recitadas em sarais, os versos e estrofes encurtaram, enquanto que as palavras se tornaram mais certeiras e diretas.


(Foto: Helen Salomão)

“Percebo que o slam foi um grande disparador disso”, diz Mel. Hoje, só na cidade de São Paulo, estima-se que existem mais de 50 coletivos que se reúnem para fazer poesia na rua. Para ela, é a chance de levar o gênero para mais perto de uma geração que não se via pertencente a esse lugar, ou que automaticamente associava toda poesia àquelas de linguagem canônica (ou seja, que seguem estritamente a norma culta de linguagem, fortemente ligada à que é adotada por textos da Igreja Católica, por exemplo).

Essa organização em diversos espaços físicos pela cidade e em espaço virtuais (como nas redes sociais) amplia o alcance e é capaz de alçar voos maiores. Para Mel, os heróis da poesia estão mais próximos do que imaginamos. Para encontrá-los, "é só olhar para o lado."