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Sou minha, só minha e não de quem quiser

Quando você nasce mulher, você já nasce resistindo. Desde muito pequena e até muito “grande”, o seu papel principal é resistir individualmente. Quando você se reconhece mulher é outra luta, agora coletivamente. Mas vamos pela luta individual primeiro, a que ninguém te conta mas e todas sabem, e todas opinam.

Dizem que é bobagem mas você sente. Sente quando tem que provar que apesar de ser mulher, você também é capaz de ser a melhor da sala da mesma forma que seu melhor amigo é, só que você tem que se empenhar mais pra provar que apesar de gostar de boneca, batom e roupa rosa, você também pode ser ótima em filosofia e ciências.

Que apesar de não ser um menino, você pode ser tão forte quanto, quanto? Que te condicionam a odiar futebol e quando você descobre que gosta insinuam que é pra chamar atenção. Ou te fazem usar roupas “femininas” e quando você não usa tanto rosa está sendo desleixada, e quando você usa uma saia muito curta está sendo depravada. Te forçam a ter um “paquera”, mas se você beija aos 13 é muito nova pra isso.

Te ensinam a cruzar as pernas, mas se você colocar um salto é muito fútil. Te ensinam a falar baixo, a ser submissa não só ao marido, mas ao sistema, este que te julga, te ofende, te criminaliza mesmo sendo vítima, vítima? Quando se é mulher o termo vítima tem muitas objeções, por exemplo, se você levar um soco na cara por dizer “não”, isso não te torna vítima, te torna uma mulher no lugar errado na hora errada e com certeza com a roupa errada.

Não são só os milhares de acessórios que a indústria da moda cria pra você ficar mais “interessante” que compõem uma mulher, adjetivos como triste se você não sorrir todo dia, louca se você se negar a seguir uma receita cultural ou se você simplesmente se cansar, chorar, gritar. A gente já nasce com a estatística contra a gente: Mulheres morrem mais, mulheres têm mais chance de ter depressão, e aí você surta, e aí você adquire outro acessório do sistema, o medo. Mas medo pra quê?

É só não usar roupa curta, não andar sozinha, não viajar sozinha, não ir à igreja sozinha, enfim, é só você ser dependente do sexo oposto e ainda correr o risco de acordar um certo dia e não tolerar mais tantos acessórios e estatísticas, levar de brinde um tapa no rosto, um chute no estômago, mas tudo bem, foi sem querer, aqui você está protegida.

Eles nunca vão saber, mas eles sempre vão opinar: não aborte, mas não engravide de qualquer um; tem que ter filhos sim, mulher nasceu pra isso, camisinha? Já existe anticoncepcional; se depile, lisinha é mais bonita, pelo é nojento mas minha barba é de boa; passe creme, tenha um cabelo liso e sedoso; sorria você nasceu mulher, essa cara emburrada é falta de sexo; Mas, olha só, candidíase? Você não se cuida, não?; Aquela lá gosta de “dar pra todo mundo” (dar o que mesmo?) “aquela lá é fria não se apega” (se apegar a quê?); Sapatão, gosta de se vestir de homem...

Fútil, só sabe passar maquiagem na cara. Submissa, só pensa em agradar o marido. Merece! Não fez? O marido achou quem fazia. Feminismo? Não salva mulher de nada! Nós homens que salvamos, quando virmos alguém apanhando na rua a gente ajuda... Pedofilia? Mas ela quis!

Atravesso a rua, disfarço o constrangimento do “elogio”, abaixo a saia pois penso que a culpa é minha, choro no banheiro pois não me dou o valor, então ele também não me deu, respiro fundo e crio meus filhos sozinha, sozinha? Tanta gente pra dizer o que eu deveria ter feito, tanta gente em silêncio sobre o atraso da pensão, pensão? Interesseira! 300 reais para gastar com bobeira.

Canso, dou um tempo de homens, descontruo o machismo dos meus amigos, me coloco em primeiro lugar, não dou risada da piada machista, agora eu sou a chata e nunca nenhum homem vai saber lidar com esse meu jeito autoritário. Ninguém é feliz sozinha. Me afasto, me nego, mas não me anulo, sozinha mas aonde queria estar, com todos os adjetivos e acessórios, mas dona de tudo que sempre foi meu por direito e ninguém nunca vai tirar, pois sou minha só minha e não de quem quiser. Dona de Mim.

 

Gabriela Jacob é pedagoga, representante de um grupo de mulheres de Birigui e região na busca de espaços de escuta e expressão em prol da liberdade feminina.

 

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