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A fluência do diálogo musical do Quatuor Zaïde
Por Ana Cursino Guariglia*
Fazer música de câmara é um exercício de solidariedade, de diálogo. É conhecer o outro, e a partir dessa intimidade aprender a conversar em música. Ao assistir a um grupo, vemos formações musicais distintas se complementarem, e esse choque entre experiências produz arte. Isso nos foi mostrado claramente pelo Quatuor Zaïde, que abriu a terceira edição do Festival Sesc de Música de Câmara, no Sesc Consolação.
Em sua primeira vez no Brasil, o quarteto - que, aliás, é formado apenas por mulheres dentro de um meio majoritariamente masculino - trouxe uma seleção de peças que começa no século XX e termina no XVIII. Nessa narrativa invertida e interessante, o público, que lotou o Teatro Anchieta, ouviu peças de Stravinsky, Debussy e Mozart.
O programa sugere três momentos dentro da tradição musical. O contraste entre ferocidade e absoluta sutileza presente nas Três peças para quarteto de cordas e no Concertino de Stravinsky emergiu em alto e bom som. Já no quarteto de Debussy percebemos passagens românticas de um compositor que já quebrava os paradigmas da tonalidade.
Zaïde terminou a noite recebendo o clarinete solista da Osesp, Ovanir Buosi, para o Quinteto para clarinete e quarteto de cordas de Mozart. Nele esteve presente a jovialidade mozartiana e liberdade para o rubato. O tempo rubato (tempo roubado) é um recurso interpretativo que foi marca registrada do período romântico. Consiste em aumentar ou diminuir o andamento em momentos de uma peça, moldando a frase musical de acordo com a concepção do intérprete - de fato, é a ideia de “roubar” o tempo, afim de destacar uma frase ou ideia musical.
O uso do rubato em peças do período Clássico – como é o caso desse quinteto de Mozart – tem sido cada vez mais explorado por intérpretes contemporâneos, ressiginificando a tradição antiga, que preferia um Mozart mais “quadrado”, mais cartesiano. O Quatuor Zaïde, junto com Ovanir Buosi, soube equilibrar-se nessa linha tênue que divide a postura Clássica da Romântica – “rubateou”, porém sem perder a essência e os pontos de equilíbrio mozartianos.
As três obras, apesar de diferentes, revelaram uma unidade e fluência impressionantes neste quarteto com uma década de vida. O grupo mostrou-se firme diante de um repertório exigente e, ao mesmo tempo, soube encontrar um diálogo flexível e íntimo, quebrando a rigidez da tradição erudita: está aí um objetivo que todos os músicos de câmara devem almejar.
*Ana Cursino Guariglia é jornalista e estudante de música (com habilitação em piano) no Instituto de Artes da Unesp.
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