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O que Goddard, Villa-Lobos e Schumann têm em comum?
Por Ana Guariglia*
Qual caminho tomar ao organizar um programa? Essa é a pergunta que todos os intérpretes se fazem diante da escolha de poucas dentre as inúmeras peças do repertório musical. Costurar um conjunto de obras num espaço de tempo ínfimo (levando em consideração a vida de preparo) é um desafio, e também é posicionar-se historicamente.
Ross Snyder, violinista do Tesla Quartet, explicou a abordagem do grupo a esse respeito durante um bate papo mediado pelo compositor Leonardo Martinelli antes da performance no Sesc Consolação: “tentamos nos basear num programa que reúna todos os compositores [escolhidos] em torno de um mesmo contexto”. Talvez o contexto da noite tenha sido a robustez, comum a todas as peças tocadas.
O quarteto começou a noite com a contemporânea Allaqi, composta em 2009 pelo trompetista canadense Marcus Goddard, já estabelecida no repertório recente. A peça, feroz, contém uma verdadeira discussão sonora entre violinos em estrutura egípcia, apaziguada por momentos que remetem aos procedimentos tonais ocidentais. A predileção do Tesla pela música contemporânea não para por aí: o quarteto anualmente faz a seleção de uma peça dentre várias enviadas, apresentando-a no ano seguinte; é um projeto que ajuda a difundir a música ainda desconhecida de novos compositores. Mais novo do que isso, impossível.
Depois da obra de Goddard, foi a vez do último quarteto de Villa-Lobos, escrito em 1957. Como todas as últimas obras, a peça encapsula a experiência e o estilo do compositor. Nela, diverte ouvir o efeito acústico provocado pela viagem de motivos entre os instrumentos; os solos de violoncelo, bastante presentes principalmente no segundo movimento, nos fazem lembrar que era esse o instrumento do compositor, além do violão.
A terceira peça contou com o pianista Ricardo Castro, que interpretou junto ao Tesla o quinteto de Schumann, obra composta em 1842. A peça faz a junção definitiva entre o piano que conhecemos hoje e o quarteto, dois protagonistas do período romântico. A violinista Michelle Lie comentou que o maior desafio ao juntar o piano às cordas é o equilíbrio entre as cinco sonoridades, coisa que entre o quarteto e Castro não foi grande problema: “gosto mais de dialogar do que monologar”, disse o pianista, antes da apresentação.
Como bis, Ricardo Castro e Tesla Quartet tocaram juntos o famoso Prelúdio da Bachiana n.4, de Villa-Lobos, fechando a costura desse programa que abarcou nacionalidades, períodos e discursos diferentes, porém com energias similares: em plena forma.
*Ana Cursino Guariglia é jornalista e estudante de música (com habilitação em piano) no Instituto de Artes da Unesp.
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