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Dona Ivone Lara é um samba que mexe no corpo da gente
Tem projeto novo sendo inaugurado no Sesc Pompeia! Trata-se do Samba Imenso, que tem a proposta de fazer homenagens à cantores, compositores e músicos que fizeram do samba essa grande linguagem brasileira, conhecida e admirada aqui e lá fora. Um(a) artista é convidado a escolher um sambista para fazer uma releitura de sua obra, dispondo-se do menor número possível de músicos no palco. Daí vem o trocadilho com o nome do projeto.
Para a primeira edição do projeto, que acontece nos dias 31 de março (sábado, às 21h) e 1º de abril (domingo, às 18h), a paulistana Fabiana Cozza presta homenagem à Dona Ivone Lara, acompanhada do violonista e compositor Alessandro Penezzi. “A 'dama dourada' é uma pintura que se desenhou diante dos meus olhos quando a vi pela primeira vez”, diz Fabiana sobre sua admiração à Dona Ivone, ao se recordar de simples momentos das duas que a marcaram: o primeiro abraço; o primeiro beijo dado nas mãos da “jovem senhora”; a espera no camarim antes de subirem ao palco juntas; a visita de Cozza à casa de Ivone – que aconteceu em seu aniversário, comemorado na rua, em torno de uma roda de samba.
Fabiana Cozza foi quem preparou o repertório e convidou Penezzi
para acompanhá-la no palco (Foto: Divulgação)
A paulistana conta que teve a oportunidade de conversar e participar de shows da carioca algumas vezes. “É um respeito imenso estar diante de alguém que bravamente conquistou sua coroa, que nunca desistiu, que sempre compôs mesmo não podendo dizer que a assinatura da música era de uma mulher”, explica.
O Samba Imenso ganha continuidade em abril. Nos dias 28 e 29 de abril, é a vez do artista BNegão homenagear a outro símbolo do samba, Dorival Caymmi. Ele será acompanhado do violonista Bernardo Bosisio.
Quem é Dona Ivone Lara?
Nascida em 1921, ela aprimorou suas habilidades como cantora ainda menina, aos 12 anos. Estudava música no colégio e era lecionada por Zaíra Oliveira, primeira esposa do violonista Donga, e Lucília Villa-Lobos, esposa do maestro Heitor Villa-Lobos. As ilustres professoras a indicaram a participar do Orfeão dos Apinacás, da Rádio Tupi, programa em que o próprio Villa-Lobos era regente.
Quando se mudou para Madureira, bairro do Rio de Janeiro, em 1945, começou a frequentar a Escola de Samba Prazer da Serrinha, lugar em que conheceu os amigos e parceiros de trabalho Mestre Ancieto, Mano Décio da Viola e Silas de Oliveira; foi também quando se tornou compositora de sambas e partidos-altos. Em meio a alegria do samba, enfrentou muito preconceito por ser mulher. Quando começou a trabalhar em composições, via suas canções serem “roubadas” pelo sambista (e primo da cantora) Fuleiro, que apresentava as obras como se fossem de sua autoria.
Mesmo com a discriminação de seu gênero, Dona Ivone lutou por suas composições e consagrou sucessos como ‘Sorriso Negro’, ‘Acreditar’ e ‘Sonho Meu’, assinadas por ela. Ganhou o título de Dama do Samba e é reconhecida como uma das grandes referências femininas do gênero.
Apesar de ter ilustrado diversos carnavais e já ter se tornado uma referência no samba, foi só em 1974 que lançou seu primeiro disco, batizado de ‘Samba Minha Verdade, Samba Minha Raíz’. Ao longo dos anos, marcou presença em festivais de samba ao redor do mundo, sendo sempre reconhecida por suas composições. “Tem muita magia assistir a um teatro inteiro ovacionando um ídolo eleito pelo povo, a catarse das gentes por se enxergar naquele que, por alguns instantes, transforma-se num coro”, diz Cozza, sobre o sentimento de ver a carioca no palco; até hoje, devidamente reconhecida por sua contribuição ao samba e à cultura brasileira.
Dupla jornada
Por 30 anos, Dona Ivone dividiu sua carreira entre a música e a área da saúde – em 1947, tornou-se enfermeira e assistente social. Especialista em Terapia Ocupacional, trabalhou no Serviço Nacional de Doenças Mentais ao lado da doutora Nise da Silveira. Alguns dos artistas assistidos por Nise e Dona Ivone terão suas obras expostas no Sesc Pompeia, com a inauguração da exposição Lugares do Delírio, que abre ao público no dia 10 de abril, terça-feira, às 20h. Foi só em 1977, quando suas músicas começaram a ser reconhecidas e regravadas por outros artistas, que sua dedicação se voltou totalmente ao samba.
Obras de artistas auxiliados por Dona Ivone e doutora Nise estarão
expostas em Lugares do Delírio (Foto: Evandro Vilela)
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