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Puzzle: A palavra como amplificação do feminino
A psicoterapeuta, crítica cultural Suely Rolnik, a cineasta Laís Bodanzky, a escritora Carol Bensimon e a atriz Roberta Estrela D'Alva discutiram o papel da palavra na definição do ‘existir feminino’, para além do feminismo; dia 19 de novembro no Sesc Pinheiros. O encontro faz parte da programação paralela do projeto Puzzle.
O Portal SescSP transmitiu ao vivo a conversa que durou cerca de 2h, a seguir, você pode assistir na íntegra o debate.
Poesia
Reproduzimos aqui o poema que Roberta Estrela D’Alva interpretou durante o debate. Com estes versos autorais, a atriz e rapper arrematou a sua fala inicial sobre o tema, arrebatando o público:
DURA AÇÃO
Não adianta esmurrar a ponta da faca
Não adianta lutar como um guerreiro de Esparta
E exibir a cicatriz como prêmio da guerra
Ser a pedra que estilhaça o vidro da janela.
O grito, o rosnar, a absoluta beleza
A absoluta razão, a absoluta regra, a absoluta pureza
O mais perfeito entendimento, a precisão, a destreza
O ouvido absoluto, a nota certa, a pureza.
A perfeição vinda de um ser imperfeito é imperfeita
Uma mentira, um arremedo, uma imitação mal feita
E a rigidez, a dureza, toda dedicação para consegui-la
É o mais precioso tempo perdido em tentar contemplá-la.
Mas sou forte, sou viga, sou aço
Assim sei viver, é como me acho
Seguro, controlo, retenho, não vou
É o que reconheço, é o que tenho, o que sou.
Subindo a escada que desce
Desfiando o tecido que tece
Vendo um bebê na criança que cresce
Indo dormir quando o sol aparece.
Ai, que assim me quebro
Ai, que assim me arrebento
Ai, que assim continuo fingindo e pretendendo
Ai, me ensina a ser flor.
Quero ser rio, ser fonte, correr
Fazer sustentável em minha presença a leveza do ser
Quero brincar, florescer, coração
Quero meus pés em contato com o chão.
E se machucar, com um assopro sarar
Sem ver que dá certo, confiar confiar
E rir muito mais e pouquinho chorar
E do lago, pro rio, do rio, pro mar.
Dissolver as duras paredes que construí com músculos, areia e cal
E suavemente tornar maleável a dureza do metal
Retirar das flechas-palavras o veneno letal
Abrir mão do sempre certo, do sempre perfeito, do ideal.
Correr o risco de sentir
Receber em meus braços, acolher, abrir
E quem sabe assim com as armas no chão
Poderei a mim finalmente entregar o perdão.
Poderei a quem devo pedir o perdão
Poderei calmamente aceitar quem eu sou
Quem eu fui, quem virá, e saber pra onde vou.
Pela rede social, a equipe do Sesc Pinheiros e do Portal SescSP fez uma cobertura reproduzindo frases. Acompanhe a seguir as principais frases. (para acompanhar as coberturas da programação paralela de Puzzle, use a #Puzzle)
¿"O feminino não coincide com mulher, biologicamente falando". "habita potencialmente tanto homens quanto mulheres... somos bissexuais neste sentido". - Suely Rolnik
"Proponho chamar de feminino nossa capacidade estético-clínico". E o masculino como nossa capacidade de leitura sensível cultural do mundo" - Rolnik
"... espaço de escuta, o feminino da receptividade, que é um dos grandes desafios da sociedade contemporânea" Roberta Estrela D'Alva
"A palavra tem poder porque num rap o Mano Brown consegue vencer o complexo de inferioridade de um moleque, por exemplo" - Roberta
"Na minha literatura, sempre neguei essas questões de gênero. Detesto categorizações" - @carolbensimon
"Poucas mulheres são protagonistas de narrativas de estrada... A mulher na estrada é considerada puta". @carolbensimon
"Mesmo assim, decidi escrever 'Todos nós adorávamos cowboys' ao notar que mulheres não tinham lugar em narrativas de viagem" - Carol
"A mulher na sociedade é esquecida, é colocada como "o oposto de" há milhares e milhares de anos..." @LaisBodanzky
"... a mulher nunca teve a palavra da reflexão, inclusive para dizer quem ela é afinal" @LaisBodanzky
"é fundamental toda e qualquer luta por igualdade de direitos civis, mas existe outro plano desta luta na cultura moderna ocidental." Rolnik¿
"na cultura moderna ocidental, em que o pensamento é fálico-científico, se criou a categoria de gênero" Rolnik
"Existe uma caricatura do que é a mulher. Enquanto não dissermos 'ei, eu sou assim', a sociedade não nos conhecerá" - Laís Bodanzky
"o problema é a redução da subjetividade da produção da cultura ao masculino, à leitura sensível cultural do mundo" Rolnik
"a mulher precisa entrar e se colocar uma outra forma de se relacionar, para chegar neste outro lugar" @LaisBodanzky
"somos tomados por esta tensão insuperável entre o familiar (masculino) e o estranho (feminino), que nos faz estar aqui" Rolnik
"não acho que tem lá nenhum para chegar, a tensão não deixará de existir, é uma luta constante e o sabor da vida está nisso" Rolnik¿
"a sociedade contemporânea nos livrou da ilusão de chegar lá" Rolnik
@carolbensimon deixou uma sugestão de documentário hoje no bate-papo do #Puzzle "La domination masculine"