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Algumas reflexões sobre a partida da cineasta Suzana Amaral

Por Erasmo Penteado Neto*

 

Com mais de 50 filmes feitos em toda sua carreira, ainda fica a questão: como ter acesso ao cinema de Suzana Amaral? Sentimos profundamente a perda desta grande cineasta brasileira. E quando dizemos que vão os artistas, mas ficam suas obras, precisamos perguntar: quem é responsável pela conservação e preservação de seus filmes?

A reflexão que o falecimento de Suzana proporciona é em relação à memória: para onde estamos indo ao tratar o cinema deste jeito? Ela mesma tinha essa preocupação. O debate sobre as instituições de conservação e preservação de filmes é de maior relevância para o CineSesc hoje. Nossas exibições, com raros filmes em películas, são advindas de entidades como a Cinemateca Brasileira, Cinemateca do MAM-RJ, entre outras tantas mundo afora.

Relembramos aqui a necessidade de conhecer os filmes de Suzana, não apenas para apreciar a sua desenvoltura estética — o que por si só já nos valeria e muito — mas como resistência de uma onda anticinematográfica que hoje é ainda maior e mais evidente; mas que sempre existiu estruturalmente, principalmente para cineastas mulheres. A diretora e roteirista encontrou mais condições de produzir seus filmes na TV Cultura, onde trabalhou por 18 anos e teve mais de 50 curtas-metragens realizados para o extinto programa "Câmera Aberta".

O impacto do cinema de Suzana é muito profundo e pouco conhecido. É preciso lembrar que ela como cineasta não acreditava que o cinema tinha como princípio fazer qualquer revolução e que apenas com ele poderíamos mover montanhas. Entretanto, ela concordava que as obras cinematográficas poderiam contribuir e ajudar para que algumas coisas na sociedade pudessem ser de fato transformadas. Ela não fazia cinema-panfleto, ela fazia apenas cinema.

 

 

Suzana conta em entrevista dada ao jornalista Miguel de Almeida no programa Sala de Cinema, produção do SescTV, que Iracema levava e projetava "Minha Vida Nossa Luta" (1979) nos grupos que reunia para mostrar às mulheres. Numa perspectiva pedagógica, acreditava e depositava toda confiança de que aquele filme poderia tocar e evocar alguma mudança diante daquele cenário triste e desolador que viveram muitas famílias à época.

Em 1980, a convite do Sesc São Paulo, o cineasta brasileiro ainda vivo Sérgio Bianchi organizou a mostra de filmes 'Geração 68 – Uma Década de Cinema Paulista' e comenta no catálogo 'Geração 68... cinema paulista de 68 a 79' a seguinte explicação sobre o curta:

Este filme faz parte de uma programação especial para o Ano Internacional da Criança onde a preocupação não é só mostrar a criança e seus problemas, mas também o contexto onde está inserida. E falar em criança, é falar na família, falar na família e falar na comunidade. E foi adentrando a comunidade da periferia que pude sentir a grande solidariedade humana, a preocupação com os problemas comuns e como um Grupo Resoluto de Mulheres se uniu para tentar resolver suas necessidades 'que são muitas, são muitas...' Fala-se muito de participação comunitária, mas ninguém sabe como se faz, nas elites intelectuais, políticas e sociais. Neste filme, o exemplo de como se pode fazer participação comunitária e como em união e luta as coisas poderão ser conseguidas, sem paternalismos

Agradecemos eternamente pelo cinema feito por Suzana Amaral e ensejamos ter sempre a possibilidade de acessar e assistir aos seus filmes. A vida foi de Suzana, mas a luta pela resistência do cinema é nossa.

 

Referência:

¹ SESC. Geração 68... cinema paulista de 68 a 79. Redação de Sérgio Bianchi e Denise Banho. São Paulo, 1979. 47p. Acessado em 26/06/2020 no site da Cinemateca Brasileira.

 

*Erasmo Penteado Neto é bacharel em Filosofia pela Universidade Federal Fluminense e trabalha como Editor Web no CineSesc São Paulo