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Relações solidárias entre o campo e a cidade: os Grupos de Consumo Responsável

LEGENDA: Bianca (à esquerda) e Flávia Altenfelder (à direita), integrantes do Projeto Pertim, realizam a montagem de cestas de produtos orgânicos, na Fazenda Malabar. A partir da venda de duas cestas, o projeto entrega uma cesta igual para alguma instituição ou comunidade em situação de vulnerabilidade social. Foto: Beatriz Ataidio



Por Carlos Seizem Iramina e Daniela da Costa Matsuda*

Alimentar-se bem e consumir de forma responsável são premissas cada vez mais presentes na vida de muitos brasileiros. Conhecer e comprar produtos orgânicos ou de transição agroecológica tem sido uma prática para melhorar a qualidade de vida, baseando-se na sustentabilidade ambiental. Por sua vez, experiências solidárias entre produtores agrícolas e consumidores têm conseguido combinar a justa remuneração para trabalhadoras e trabalhadores do campo com preços mais acessíveis para quem se interessa pelos produtos.

O modo como produzimos, distribuímos e consumimos alimentos é relativamente recente na história brasileira. Houve um contínuo processo de concentração de renda na cadeia produtiva de alimentos, bem como o uso mais intensivo de agrotóxicos e a subordinação dos agricultores familiares nesta cadeia. Pelo lado do consumo, as transformações significaram uma padronização dos alimentos e uma elevação no consumo de alimentos processados.

Diante dos efeitos nocivos à saúde, bem como dos efeitos concentradores de renda, essa distribuição por intermediadores tem sido questionada. Por meio dos “circuitos curtos”, os Grupos de Consumo Responsável (GCR) têm aproximado os produtores dos consumidores, eliminando etapas de distribuição.

LEGENDA: Cesta de produtos orgânicos embalados pela equipe do projeto Pertim. Os alimentos mudam a cada semana, pois seguem a sazonalidade da produção dos pequenos agricultores parceiros. Foto: Beatriz Ataidio


Ao contrário da produção em larga escala, que aponta a imagem do produto como índice de qualidade, a aproximação dos consumidores com os produtores envolve uma relação mais aprofundada: o consumidor passa a ter um maior conhecimento das condições de produção e da qualidade dos alimentos, aprendendo a respeitar as sazonalidades e as necessidades de sustentabilidade ambiental da produção. Dessa forma, tem-se em troca um alimento livre de agrotóxicos, um índice de qualidade invisível, que vai além da forma ou coloração.

A aproximação dos produtores e consumidores impacta na redução dos custos de distribuição, permitindo a remuneração justa do produtor e um preço acessível aos consumidores. Além disso, também promove uma distribuição de renda mais equitativa na cadeia produtiva de alimentos, favorecendo uma sociedade globalmente mais igualitária.

Com o isolamento social, a sociedade tem debatido o tema da alimentação com maior atenção. Para alguns isso pode significar novos comportamentos, por meio da preocupação com sua própria saúde e com o meio ambiente, o que significa a adoção de uma alimentação baseada em alimentos frescos e orgânicos. Para outros, o assunto vem na forma do medo e da insegurança alimentar, pois a crise econômica acompanhada da pandemia mostra seus efeitos na falta de renda para a aquisição de alimentos que podem ter seus preços afetados por problemas logísticos.

Embora seja considerada essencial e, por isso, sua operação não sofra intervenção na quarentena, a cadeia de produção de alimentos acabou sendo impactada. A desarticulação logística afetou especialmente pequenos agricultores que estão tendo dificuldades em escoar a sua produção. Sem a venda destes alimentos, os pequenos agricultores têm a sua renda afetada e a sua produção é desperdiçada, diminuindo os alimentos disponíveis para o consumo, o que, por sua vez, aumenta os preços dos gêneros alimentícios, prejudicando as famílias mais pobres, com menor renda.

A desigualdade do modelo hegemônico de produção e distribuição de alimentos é, portanto, aprofundado pelos efeitos da quarentena. As famílias das periferias urbanas que já tinham dificuldade em ter acesso a frutas, verduras e legumes de cultivos ditos convencionais estão sendo novamente afetadas, tendo a sua segurança alimentar básica comprometida.

Por meio de relações mais próximas entre produtores e consumidores, surgem propostas para o enfrentamento dessa complexa realidade. Iniciativas já existentes ou emergenciais de solidariedade buscam garantir o escoamento dos alimentos dos pequenos produtores agrícolas e/ou a segurança alimentar das pessoas nas periferias urbanas no Estado de São Paulo.

A proposta aqui é se abrir para novas possibilidades e iniciativas. Para você que tem interesse em realizar a compra de cestas orgânicas, aproveite para conhecer grupos de pessoas próximas a você que já realizam a venda de produtos ou que tem interesse em começar um grupo de consumo responsável. Muitos projetos vendem cestas de orgânicos e ainda auxiliam na distribuição desses mesmos produtos a comunidades em situação de vulnerabilidade social.

Existem instituições e pessoas que conhecem agricultores que precisam escoar a sua produção: nessas horas, o diálogo é a principal ferramenta. Entender como cada um pode colaborar com essa dinâmica, onde um disponibiliza o carro para retirar os alimentos na propriedade rural, outro faz a divulgação nas redes sociais para receber novos participantes, até o que auxilia nos trâmites administrativos para contabilizar número de compradores e produtos. Alinhar os desafios, com responsáveis por cada parte do processo e fechar o ciclo é a grande autonomia e aprendizado de um GCR.


* Carlos Seizem Iramina é graduado em Ciências Sociais e Economia e mestre em Desenvolvimento Econômico, atualmente é Animador Cultural no Sesc São Caetano.
Daniela da Costa Matsuda é graduada em Ecologia pela UNESP de Rio Claro e atua como Animadora Cultural no Sesc Campo Limpo.



Educação para a sustentablidade
Sabe qual a diferença entre alimentos orgânicos e agroecológicos?


No contexto da relação campo - cidade, a agricultura orgânica e agroecológica propõe uma mudança significativa da relação do consumidor com o alimento, em que o conhecimento sobre o seu ciclo produtivo e seus impactos, bem como o respeito e diálogo com o agricultor familiar, tornam-se aspectos imprescindíveis.

Neste sentido, o ato de consumir produtos agrícolas ganha uma dimensão educadora. A partir de uma mudança de hábito comprometida com as questões sociais e ambientais, é possível compreender as conexões existentes entre os cuidados e insumos usados no plantio e a sociobiodiversidade, a conservação da natureza, a saúde pública e a economia local.

Assim, a educação para sustentabilidade e a agroecologia articulam-se no sentido de que ambas apostam no processo de transformação humana e em um mundo mais biodiverso, mais saudável e mais humano. Preconizam a construção de uma sociedade mais justa, autônoma, que busca a superação das desigualdades sociais, o enfrentamento das mudanças climáticas, e da escassez e poluição das águas, solo e ar.

Para reforçar o caráter educativo das nossas escolhas e ações, propomos que você conheça mais sobre os conceitos de alimentos orgânicos e agroecológicos e outras iniciativas que trabalham com  consumo responsável:
 

Orgânicos

São os alimentos produzidos sem o uso de agrotóxicos e outros produtos químicos sintéticos. O cultivo é realizado de forma a preservar a qualidade da água e do solo e de maneira a promover a biodiversidade local. Para ser reconhecido como orgânico, é preciso obter selos e certificações que garantam ao consumidor a origem daquele alimento e a forma como foi produzido.

Agroecológicos

Este método de cultivo amplia a visão sobre a ecologia dos sistemas agrícolas, e também possui certificações. Tem como premissa uma produção em equilíbrio com o meio ambiente,  a diversidade da produção, as questões que envolvem a segurança alimentar e o acesso à terra, os saberes locais e o modo de vida camponês. Envolve o uso responsável dos recursos naturais, e presença de espécies animais e vegetais que se protegem mutuamente, eliminando assim, a necessidade do uso de agrotóxicos e o aporte de recursos externos, como adubos e fertilizantes, já que os nutrientes são reciclados dentro do próprio sistema agrícola.


Conheça outras ações de consumo responsável

LEGENDA: As cestas destinadas para doação são chamadas de “Robin Hood.” A comprada e a doada são iguais, sempre contendo duas raízes, dois legumes, duas frutas, três folhas, 1 tempero e um extra (como uma Planta Alimentícia Não Convencional - PANC). Foto: Beatriz Ataidio

 

No Grande ABC, durante a pandemia, estão acontecendo ações de mobilização coletiva locais, que têm como base a organização de empreendimentos de economia solidária na área da alimentação orgânica. Saiba mais lendo o artigo Economia e Sustentabilidade Solidária no ABC.

Nesta mesma linha, a Zona Sul de São Paulo se articula com redes de apoio mútuo, encontrando produtores da região que desejam vender os seus produtos e os consumidores locais interessados. Leia mais no artigo Grupos de consumo responsável e mobilizações locais. 

LEGENDA: Colheita do Coletivo Ideia Natural, que participa do Fórum de Economia Solidária de Mauá e atua dentro da rede. Doam alimentos para a Coopercata - Cooperativa de Catadores de Papel, Papelão e Material Reciclável de Mauá eparticipam da rede de agricultores do ABC quando tem arrecadação através vaquinhas parao bairro Montanhão. Foto: Ideia Natural

 

LEGENDA: Mosaico de Saberes, antes da pandemia, no Sesc Registro. A atividade, que reunia alguns produtores locais para falarem sobre sua produção e cultura, hoje está funcionando com a proposta Mosaico à distância. Foto: Laura Moreira

 

Já na região do Vale do Ribeira, no estado de São Paulo, pequenos produtores de alimentos agroecológicos e artesanato também estão se mobilizando para movimentar a economia local através do Mosaico à distância. Saiba no artigo Pequenos produtores de alimentos agroecológicos e artesanato do Vale do Ribeira realizam entregas durante isolamento social. Acompanhe a entrevista que fizemos com Olívia, que participa desse projeto no Sesc Registro.

 

 

Ideias e Ações para um Novo Tempo

Desde 2016, por meio do projeto Ideias e Ações para um Novo Tempo, as Unidades do Sesc São Paulo mapeiam  em seus territórios iniciativas socioambientais voltadas ao desenvolvimento local e que tenham, entre outros atributos, potencial educativo e práticas de respeito ao ambiente e à diversidade cultural. Estas iniciativas são protagonistas junto com o Sesc SP na realização de ações educativas e em espaços de encontro para a troca de práticas e saberes.

No intuito de dar visibilidade a esses exemplos e, principalmente, trazer referências para o debate e a mobilização das pessoas, o Sesc SP desenvolveu o  webdocumentário “Ideias e Ações para um Novo Tempo”, inspirado no projeto de mesmo nome e com participação de  iniciativas socioambientais que também atuam com produção de alimentos agroecológicos e com cadeias de consumo responsável, como  a Cooperacra - Cooperativa da Agricultura Familiar e Agroecológica da cidade de Americana (SP) e o Instituto Auá, que fortalece pequenos produtores rurais para produzirem espécies nativas da Mata Atlântica para geração de renda.

Assista ao webdocumentário e conheça mais sobre estas iniciativas que propõem modos de viver mais sustentáveis:

Webdocumentário com Audiodescrição

Webdocumentário com Legenda Closed Caption

Webdocumentário com LIBRAS E LSE