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Viagem através das ruas de Piracicaba
Antigamente, era hábito próprio a população atribuir nomes às vias públicas, associando o caminho à sua serventia. O nome da rua era, portanto, simples, de fácil assimilação e auto explicativo: rua do comércio, rua da matriz, rua do porto, rua da cadeia, rua da caixa d'água, rua do cemitério. Não havia, naquele momento, de vida urbana modesta, a necessidade de normativas para isso.
Ao passo que as cidades cresciam, cada uma ao seu ritmo, a necessidade de se organizar e identificar espaços urbanos impôs ao governo municipal a criação de um protocolo que alterou a dinâmica do ato de nomear ruas - de um hábito popular passou a ser uma tarefa formal através de leis e decretos.
Esse movimento, em Piracicaba foi registrado antes de 1900 e intensificado nas décadas seguintes, como verificado no volume de produção legislativa municipal sobre o tema.
É nesse contexto que os logradouros públicos passam a receber novos nomes, para homenagear, numa primeira fase, a personalidades de nossa história, tanto local como nacional e, numa segunda fase, são escolhidas datas e fatos considerados relevantes. Nesse movimento, algumas ruas ganharam novos nomes e outras resistiram ao tempo.
Rua Boa Morte
Nome intrigante. Fúnebre. Ao considerar a antiga tradição de atribuição de nomes, surge a interrogação. Esta me desejando uma boa morte? Muitos podem pensar. Até poderia, mas não é o caso.
Era o caminho que levava até a antiga capela da Nossa Senhora da Boa Morte, hoje Igreja da Boa Morte. O trabalho de construção da igreja (1853) deve-se a dedicação, inteligência e fé de Miguel Arcanjo Benício Dutra.
Outro dado a ser resgatado é o fato de muitas igrejas do período imperial possuírem cemitérios em torno de suas edificações e até mesmo dentro do templo e, por isso, muitos relatos também associarem à boa morte de fato. Embora, este aspecto tratar-se de um dito popular, é importante ressaltar a relação que ora foi feita.
Vale pontuar a relevância da Rua da Boa Morte na paisagem e na história da cidade. Pois, é um excelente exemplo de caminho cheio de história, por ter resistido ao tempo de mudança de nomes, pelas edificações existentes ao longo de seu trajeto e por ser percurso de momentos históricos significativos, como os cortejos dos voluntários da Revolução de 32, que saiam da Praça José Bonifácio e seguiam até a Estação da Paulista, de onde muitos partiram poucos voltaram.
Rua Luiz de Queiroz
(Antiga) Rua da Ponte Nova
Raramente a denominação de via pública provinha de nomes de pessoas como forma de atribuir sentido de homenagem.
Seguindo o movimento de renomear vias públicas, a Rua Luiz de Queiroz recebeu este nome oficialmente pelo decreto municipal 767/79, antes da homenagem tinha o nome de Rua da Ponte Nova. Este nome provinha da tradição do uso popular cotidiano. Além de determinar o lugar, também indicava a situação momentânea com o uso do termo "Nova" aplicável a toda rua recentemente aberta.
Mas quem foi Luiz de Queiroz para ter uma homenagem conferida em forma de via pública?
Luíz Vicente de Sousa Queiroz (12/06/1849 - 11/06/1898) - herdeiro de uma rica família de São Paulo que possuía fazendas entre Piracicaba e Limeira. Estudou agronomia na Europa (França e Suíça) e quando voltou ao Brasil se deparou com o atraso das práticas agrícolas que conhecia e, por isso, se dedicou à difusão de conhecimentos agrícolas à população, esboçando, assim, a idéia de uma escola que se concretizou na instalação da ESALQ - Escola Superior de Agronomia Luíz de Queiróz, na antiga Fazenda São João da Montanha.
Antes de construir sua residência hospedava-se na mansão de seus tios, os Marqueses de Valença (Chácara Nazareth). De onde olhava a imponência do rio e seu majestoso salto, e dali planejou a construção de sua residência e a instalação da Fábrica de Tecidos Santa Francisca (nome de sua mãe), ao lado do Rio Piracicaba, em frente de onde hoje está instalada a ponte pênsil. Aproveitou parte das águas do salto como potencial hidráulico para mover suas máquinas e para a geração de energia elétrica para a fábrica, para o seu palacete (preservado como patrimônio histórico) e para toda a cidade. Para isso, importou dos Estados Unidos toda a maquinaria necessária e um engenheiro eletricista.
Foi pioneiro na educação agrícola, na geração de energia elétrica, na produção indústrial e na promoção do emprego assalariado. Em plena escravidão, nas propriedades de Luiz de Queiroz, nunca houve mão de obra escrava.
Incentivou o transporte fluvial, arborizou ruas e praças com plantas ornamentais e foi um dos primeiros a importar de Paris um luxuoso carro. Todo esse entusiasmo despertou atenção pública e da imprensa que passou a noticiar seus feitos.
Em sua homenagem, a ESALQ construiu, em 1964, um mausoléu defronte o prédio principal, onde estão os restos mortais de Luiz e sua esposa Ermelinda Queiroz. Tendo a seguinte inscrição: A Luiz Vicente de Souza Queiroz… O teu monumento é a tua escola.
Rua Prudente de Moraes
Caminhe pelo centro de Piracicaba e note os nomes das ruas nas placas. Existe uma semelhança entre alguns nomes. Na parte mais antiga cidade, as ruas receberam nomes em homenagem a fatos e personagens do início da República. Existem motivos para isso.
Na década de 1880, chegava ao fim o Período Imperial. O sistema não fazia mais sentido. O país ansiava por um novo tipo de liderança, capaz de fazer escolhas coerentes com a evolução mundial. A República representava o novo. Evidenciando a importância que foi esse momento, muitas das cidades do país tiveram a iniciativa de renomear logradouros públicos com os nomes XV de Novembro, Prudente de Moraes, Praça da República.
Anteriormente a Rua Prudente de Moraes já teve os seguintes nomes: Rua do Conselho (forma como a Câmara de Vereadores era chamada), Rua dos Passos, Rua dos Pescadores (já que vai até a Rua do Porto) e Rua da Ponte Velha.
Mas quem foi Prudente de Moraes e qual a sua importância na história? Prudente foi nada menos que o primeiro "Cidadão Piracicabano" a eleger-se Presidente do Brasil.
Nascido em 1841, na cidade de Itú, graduou-se em direito e fixou residência na Cidade da Constituição, atual Piracicaba, onde iniciou a vida política como vereador. Ocupou cargos nas esferas estadual e federal, até ser eleito o primeiro presidente civil do Brasil.
Existem casos de pessoas cujo nome as define, é o caso de Prudente José de Moraes Barros. Prudente construiu sua imagem baseada em princípios morais e éticos. Em atos públicos demonstrava firmeza e articulação nas palavras. Fez parte das bases políticas que consolidaram a República no Brasil.
A comparação entre o nome e a sua postura procede pela forma estratégica e meticulosa com que Prudente galgou posições no governo através de ideias de vanguarda, em defesa da republica, o que lhe conferiu liderança e apoio de diversos setores.
Prudente de Moraes era a imagem da Democracia que fazia sentido e, carinhosamente, foi apelidado pelo povo de: Caipira, Biriba, Pacificador, Prudente Demais.
Apesar de ter nascido em Itu, por Piracicaba ser sua escolha para viver, pelo carinho e reconhecimento por sua trajetória, Prudente foi homenageado também como patrono da Câmara Municipal, é nome de Escola e encontra-se enterrado num grande mausoléu no Cemitério da Saudade.
Texto do historiador Fábio Bragança e fotos de Davi Negri.