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Qual é o papel do Sesc Interlagos na quebrada?
O Sesc Interlagos é um dos principais equipamentos culturais da região do Grajaú, Zona Sul de São Paulo. Desde sua inauguração, em 1975, desenvolve diversas atividades de educação informal, esportivas, culturais e de lazer com o intuito de valorizar seus diversos públicos e o entorno no qual está inserido. Ao longo desses anos, suas ações contribuiram direta e indiretamente para transformar a realidade de centenas de pessoas que frequentam a Unidade.
Quando o paranaense Rubens Elói Neto chegou a São Paulo, em 1961, ele tinha apenas cinco anos de idade e o Sesc Interlagos ainda nem era nascido. Rubens, assim como centenas de brasileiros, mudou para a cidade em busca de oportunidades. Em 1989, já com 28 anos, mudou-se para a região do Grajaú, território onde o Sesc está localizado. Com planos de casar, o jovem comprou um terreno e construiu sua casa pertinho da unidade. Desde aquela época, ele já participava das atividades e praticava esportes. “Naquela ocasião, começaram a lotear os terrenos” conta Rubens Elói, que aproveitou a oportunidade e construiu a própria casa. Ao perceber o aumento de circulação de pessoas por conta da programação cultural, abriu um comércio, no qual trabalha até hoje com a família. Segundo ele, a programação é um catalisador da economia de seu negócio. “O Sesc influencia a economia local com a circulação de pessoas… Uma valorização para o bairro”. O mercado de Rubens cresceu, e atualmente é um dos principais comércios ao redor do Sesc Interlagos.
Em 1977, dois anos depois da inauguração da unidade Interlagos, a pernambucana Mara Lúcia da Silva, chegou a São Paulo pela primeira vez. Ela havia perdido sua mãe quando tinha apenas 1 anos e oito meses de vida. Quando completou 18 anos, segundo ela, decidiu sair de casa para fugir das “arbitragens da madrasta”. Aqui ela trabalhou, casou e teve dois filhos, Caio e Nathalia. Poucos anos após o nascimento dos filhos, ela se separou e passou a criar seus filhos sozinha. Moradora do bairro Jd. dos Bichinhos, próximo ao Sesc, conheceu o programa Curumim através de uma vizinha, e imediatamente matriculou as crianças. “O Curumim me ajudou bastante. Meu filho mais velho tinha bronquite e o médico sugeriu aula de natação, mas eu não tinha condições de pagar e no Sesc ele teve aulas gratuitas”. Mara conta que algumas vezes com a situação financeira apertada, o almoço oferecido às crianças no Curumim fazia toda diferença. “Nessa parte de alimentação o Sesc me ajudou bastante, as vezes eu nem levava marmita pro trabalho para deixar comida pra eles… nos dias de programa eu não tinha essa preocupação”. Para Mara, o Sesc foi e continua sendo muito importante: “É muito importante esse trabalho de socializar as crianças para a vida”.
Mara e seus filhos ex-Curumins. Foto: acervo pessoal
Na década de 80, chegou ao mundo Paulo Henrique. Nascido e criado na região do Grajaú, ele teve uma infância típica de meninos de quebrada, regada a futebol, pega-pega e muitas brincadeiras de rua. Porém, uma meninice marcada pela violência, que também é típica dos bairros periféricos das grandes cidades. “Enfatizo esse início da história falando de morte e violência, porque foi negando-as que me mantive vivo para conversarmos neste momento. Foi a partir do enxergar e muito cedo entender o cenário em que eu crescia que fui fabulando meus dias…”. A vida de Paulo começou a mudar na década de 90, quanto tinha entre 9 e dez anos de idade. Em um dos passeios dominicais ao Sesc Interlagos, ele viu um cartaz divulgando uma peça de teatro e ficou muito curioso. Mal sabia ele que aquela peça mudaria sua história. “Quando chegamos no Sesc, logo na portaria tinha uma placa escrito: HOJE TEM ESPETÁCULO! Imediatamente eu perguntei para minha mãe: - Mãe! O que é espetáculo?”. Segundo Paulo, a mãe respondeu superficialmente, mas ele insistiu tanto, até que todos (ele, sua mãe e seus dois irmãos) foram ver o espetáculo: A Sereia e o Pescador. “Estava ali descobrindo uma coisa da qual eu não tinha nenhuma referência anterior, era a descoberta mais genuína. Foi a descoberta mais incrível da minha vida”. A peça começou e a magia daquele momento se tornava cada vez mais bonita no decorrer da apresentação. “Em uma certa altura da apresentação, a sereia jogou uma rosa para a plateia e a rosa caiu no meu colo. Sim no meu colo! … Foi naquele dia, naquele espetáculo, com a rosa da sereia no meu colo, que eu decidi que seria ator, antes mesmo de saber o que era um ator”. Hoje Paulo Henrique de Sant Anna tem 35 anos, é ator, diretor teatral, musico, educador, contador de histórias, frequentador do Sesc Interlagos e trabalha como articulador cultural na sua quebrada.
Essas são três histórias reais, de pessoas reais que, embora não se conheçam, assim como tantas outras carregam algo em comum. Elas tiveram suas realidades transformadas por meio da arte, cultura e lazer proporcionados pelo Sesc Interlagos ao longo desses 44 anos de atuação na quebrada.
O Sesc Interlagos está localizado na zona sul de São Paulo e atende primordialmente a população do extremo sul, como os bairros da Pedreira, Grajaú, Parelheiros, Marsilac entre outros - regiões de extrema vulnerabilidade social. De acordo com a pesquisa “Viver em São Paulo: Cultura na Cidade”, de 2019, realizada pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Ibope Inteligência, a região do Grajaú tem o pior índice da cidade no que se refere à presença de centros culturais, casas e espaços de cultura. Os dados mostram que para cada 10 mil habitantes existe apenas 0,03 de equipamentos destinados a cultura. Neste contexto, só no ano de 2019, a unidade do Sesc Interlagos atendeu mais de 1 milhão de pessoas, interessadas em lazer, esporte, música, teatro, alimentação e sustentabilidade.
Para a socióloga e animadora cultural, Adriele Duran, equipamentos culturais que promovem democratização de acesso ao lazer, esporte e a cultura, dento de um contexto sociogeografico com falta de estruturas públicas como a região do Grajaú fazem toda a diferença no contexto das comunidades. “O Sesc Interlagos preocupa-se em olhar pro que está sendo produzido em nosso território: nossa programação procura contemplar e valorizar diferentes iniciativas que já desempenham importantes atividades na nossa região, sendo assim, também, um importante catalizador da economia local”.
Apesar das dificuldades encontradas pelas populações periféricas no que diz respeito a politicas públicas que garantam aos moradores e moradoras acessos adequados a bens de cultura e lazer, os movimentos artísticos continuam crescendo nas periferias. “Os movimentos de arte, educação e cultura da nossa região não param. São incontáveis os coletivos de artes visuais, dança, circo, teatro, literatura, audiovisual, educação ambiental, entre outras áreas, que têm realizado um trabalho importantíssimo nas quebradas do nosso território”, conta Adriele, que além de socióloga é moradora da região do Grajaú e conhece bem o entorno.
Esse é o papel do Sesc Interlagos na quebrada!
Apoiar e criar conexões que fortaleçam os movimentos culturais do entorno, amparado pelas diretrizes institucionais que prezam pelo respeito às diversidades culturais, aos direitos humanos e ao meio ambiente. Dessa forma, reforça a importância da democratização de acesso e da arte como ferramenta principal de transformação social, para que cada vez mais Rubens, Maras e Paulos tenham oportunidades e o direito de escolher seus futuros com igualdade.