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Memória, espaço e arquitetura permeiam exposição

Localizada no segundo andar do Sesc Pinheiros, a exposição do projeto As Margens dos Mares reúne obras de doze artistas que refletem sobre questões como memória, espaço e arquitetura a partir de instalações, fotografias, vídeos e objetos. “As instalações predominam e a música, incluindo ruídos, atua como elemento agregador da exposição, atravessando-a de ponta a ponta”, define o curador Agnaldo Farias. A seguir, conheça os trabalhos exibidos:

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Angela Ferreira | Moçambique
Crown Hall/Dragon House
escultura, 2009

Fascinada por uma vertente de arquitetura modernista praticada na África, a artista desenvolveu uma forma própria de ler e interpretar edifícios. Sua poética foi alimentada por pesquisa sobre as linguagens arquitetônicas e a relação de construções com seu contexto. Crown Hall/Dragon House põe em jogo – e em pé de igualdade – duas abordagens bastante diversas dos preceitos modernistas: a dos arquitetos Mies van der Rohe e Pancho Guedes, que teve grande atuação em Moçambique. A escultura vale-se da transparência e leveza suspensa da obra de Mies, invertendo-a com um objetivo: criar uma plataforma de visualização da fachada heterodoxa de Pancho.

 

Arnaldo Antunes | Brasil
Interno exterior e Espaço tempo
videoinstalação, 2014

Desde os anos 1990, Arnaldo Antunes coleta escritos de letreiros, placas e cartazes por meio da fotografia. Reuniu, assim, um vocabulário diverso de palavras pelo mundo, apartadas de seu contexto original. Cada foto da coleção é utilizada como um ready-made para a criação de uma narrativa poética, fragmentada e imprevisível. Nas duas obras, fotografias aparecem simultaneamente nas 25 telas, interagindo de forma a apresentar-se como uma mensagem única, de interpretação a mais livre possível. Animadas em stop motion, as fotografias alternam-se em novas combinações com o tempo, desafiando o espectador a renovar também associações e sensações internas.

 

Catarina Botelho | Portugal
Memória descritiva
impressão jato de tinta sobre papel de algodão, 2013

Na série de fotografias, utensílios de limpeza, como rodos, baldes, enceradeiras e vassouras, são retratados em meio a vazios arquitetônicos. Relacionados ao trabalho de limpeza de espaços, pouco tangível e desvalorizado, os objetos representam, para a artista, o que considera seus duplos: aqueles que os utilizam nessa tarefa cotidiana, incontornável e, no geral, invisível. Podem ser encarados, igualmente, como rastros do trabalho de limpeza – ruídos que perturbam o espaço impecavelmente projetado. Catarina, que se volta à vivência da arquitetura em seus trabalhos, interessou-se aqui pelo tempo empregado nessa atividade nos edifícios públicos modernistas de São Paulo.

 



Chelpa Ferro | Brasil
Paulista
painel da caixas de ovo e madeira cedrinho, 2014

O coletivo Chelpa Ferro, formado em 1995, tem como centro de seu interesse as relações sinestésicas entre som e espaço. Em seus trabalhos, mecanismos eletrônicos e máquinas adaptadas unem-se a objetos, como sacolas plásticas e vasos de cerâmica, instrumentos musicais e equipamentos sonoros. Nas obras de As Margens dos Mares, a pesquisa se volta a materiais de uso cotidiano que se prestam a manipulações acústicas improvisadas, como caixas de ovos, espuma e isopor. A interação entre esses elementos e o uso de caixas de som em alguns trabalhos propõem a percepção sobre seus efeitos no ambiente expositivo. Além de Paulista, são apresentados na exposição Totem com tapete, Berna e Calço industrial I.

 

 

 

 

Chiara Banfi | Brasil
Escala de Mohs
pedras de quartzo, madeira e cabos P10 e P02, 2015

Resultado de pesquisa da artista sobre rochas, a obra parte de questionamentos que a acompanham ao longo de sua trajetória poética: que frequência sonora – e energética – esses minerais possuem? Que efeito produzem sobre nós? Interligando fragmentos de quartzo com cabos de som, Chiara propõe a criação de uma interferência e possível nova sonoridade no campo ao redor do trabalho. As rochas são apresentadas em escaninhos, remetendo aos processos de catalogação. Essa forma com que o conhecimento é organizado relaciona-se, na obra, à noção de escala, seja a musical, seja a de dureza dos minerais – a escala de Mohs.

 



Gabriela Albergaria | Portugal
Jardins de Belém
impressão em jato de tinta e desenho sobre papel, 2012

Parte da série Fictional Landscapes, a obra trata do processo de metamorfose cultural vivida pelas paisagens naturais. Em seu trabalho constante com imagens de jardins e parques, a artista interessa-se pela construção de noções históricas que relacionam esses espaços às ideias de saber e de prazer. Para Gabriela, esse é o motor do que define como “ficções do mundo natural”, estruturas de representação ligadas à paisagem que orientam nossa forma de vê-la e de agir sobre ela. O jardim é encarado como um sistema, resultado da manipulação da natureza pelo homem e, também, como objeto de catalogação e de constituição de arquivo.


Guto Lacaz | Brasil
Pororoca
escultura cinética, 2015

O movimento de Pororoca é lento e silencioso, mas remete ao épico encontro das águas do Amazonas com as do Atlântico, formador de grandes ondas. O trabalho liga-se ao interesse de Guto Lacaz pela construção de poesia no espaço: as três letras “o” da palavra pororoca estão ali representadas pelas cruzetas metálicas que giram sem parar. O espetáculo natural das águas e o desalinhamento dos arcos metálicos da escultura – de inegável harmonia – propõem a ideia de encontro em movimento, presente na natureza e reproduzido nas criações humanas. Valendo-se do humor e do universo do design gráfico, o artista explora a tecnologia e o uso de objetos do cotidiano em seus trabalhos.

 



Kiluanji Kia Henda | Angola
Afectos de Betão
videoinstalação, 2014

Na videoinstalação, o contorno dos edifícios modernistas de Luanda confunde-se com a imagem de caixas de madeira. Nelas, foram acomodados os pertences de portugueses e da comunidade branca da cidade quando de sua fuga do país, às vésperas da guerra civil, em 1975. Sobre essa estrutura simbólica, projeta-se um vídeo sobre um indivíduo vivendo o impasse de abandonar sua terra natal. Assombrado por pesadelos e pela realidade dos bairros já esvaziados, sente as construções animarem-se, adquirindo outra natureza com o afastamento do homem. A cidade apresenta-se como um amor que o narrador reluta em deixar para trás – mas cujo destino já estaria traçado.

 

Maimuna Adam | Moçambique
A espera
videoinstalação, 2012

A experiência de viajar e o simbolismo do mar são abordados por Maimuna Adam em A espera. O vídeo é apresentado com uma delimitação circular, como se as paisagens fossem vistas de um telescópio ou da escotilha de um farol – situação de testemunho distante, de busca. Suas cenas remetem à incerteza do desconhecido e à aquisição de novas vivências: memórias de passeios e histórias de imigração em Moçambique. A nostalgia causada pelas mudanças vividas com o passar do tempo, a noção de destino como papel no mundo e a identidade em constante construção são questões suscitadas pela obra da artista, que convida a uma jornada introspectiva.

 



Mauro Pinto | Moçambique
Pique-nique
impressão fotográfica, 2013

A série Pique-nique, de Mauro Pinto, nasceu da observação do fotógrafo sobre o cotidiano do principal cemitério de Maputo. O trabalho propõe uma visão transformadora sobre o local: de campo quase sagrado de reverência aos mortos a espaço de vida. Pessoas que ali trabalham ou moram, que frequentam o cemitério a passeio, para namorar ou fazer refeições, são o tema da obra, evidenciando uma ocupação contrastada entre morte e vida, e pouco enfocada do lugar – em viés potencialmente crítico. Reconhecido pela abordagem não estereotipada em seus retratos, que ampliam o olhar sobre as vivências humanas na África, o artista recebeu, entre vários outros prêmios, o BES Photo de 2012.

 

O Grivo | Brasil
57 nós
instalação, 2015

O coletivo O Grivo cria peças sonoras que convocam o espectador para além do ouvir: os mecanismos que constroem passam pelo acompanhamento visual de processos. Na instalação, um motor e várias engrenagens fazem circular uma linha com 57 nós. No meio desse circuito, uma câmera de vídeo permite mapear digitalmente a passagem da linha a sua frente, projetando a imagem. Quando um nó entra no quadro da câmera, um som staccato (curto) é disparado e, quando sai, ouve-se um som contínuo. Essa partitura rítmica, criada a partir da cooperação entre mecanismos analógicos e sua leitura digital, evoca reflexões sobre a reciprocidade entre imagem projetada e real, a associação entre ritmo e imagem, e a interação entre o som e o mecanismo em movimento.

 



Susana Gaudêncio | Portugal
Building Icons #2
videoinstalação, 2013

Ícones do modernismo e grandes feitos da arquitetura – como Biosfera, cúpula projetada por Buckminster Fuller em 1967, ou Bird’s Nest, estádio olímpico de Pequim, assinado por Herzog & De Meuron – são o ponto de partida da artista para refletir sobre o trabalho na sociedade pós-industrial. Na animação em vídeo, criada a partir de cenas da construção civil, edifícios e trabalhadores são apartados. A cada cena, um ou outro é ocultado, isolando o projeto realizado daquele que o torna concreto – um trabalho pouco valorizado. A coreografia dos operários contrasta com a geometria da arquitetura, criando uma tensão que é intensificada pela trilha sonora do compositor Bernhard Gal.
 

(Fotos: Jill Frank Cortesia de Sullivan Galleries/School of the Art Institute of Chicago, Edouard Fraipont, Edson Kumasaka)