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Universidades atuam na formação e capacitação de cooperativas

CARLOS JULIANO BARROS

Uma das primeiras medidas de Luiz Inácio Lula da Silva, ao assumir a presidência da República, foi a criação da Secretaria de Economia Solidária, vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego. A rapidez dessa iniciativa reflete a preocupação com um dos problemas mais delicados que o Brasil precisa resolver: a geração de emprego e renda. Com o crescimento das taxas de desocupação e de trabalho informal, o movimento da economia solidária surge como um caminho para driblar a pobreza.

Dentre todas as iniciativas de fomento a empreendimentos autogestionários – em que não há patrão nem empregado –, merece destaque a atuação de várias universidades espalhadas pelo país. Através das chamadas Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs), estudantes e professores prestam assessoria a pessoas que queiram se organizar de maneira solidária, em uma cooperativa, por exemplo. A importância das universidades no movimento transparece na composição da equipe do governo responsável pela área. Assim como o professor de economia da Universidade de São Paulo (USP) Paul Singer, titular da Secretaria de Economia Solidária, boa parte dos que integram essa nova pasta vem dessas instituições, além de ter participado de ITCPs.

Mas, afinal, o que é economia solidária? "Esse é um problema que a secretaria vai enfrentar, porque muitos integrantes do governo não sabem do que se trata", afirma André Ricardo de Souza, doutorando pela USP e estudioso do tema. "Ela não se presta apenas a remediar a falta de emprego. É um processo educativo, pois objetiva uma sociedade diferente, norteada por valores menos competitivos", afirma Singer. "A opção tem de ser por uma economia de iguais, democrática, em que ninguém manda em ninguém", completa.

A história da criação das incubadoras remonta à Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, liderada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, nos anos 1990. "A fome era uma questão emergencial. Mas era necessário pensar em geração de renda e trabalho", diz Sônia Kruppa, secretária adjunta da Secretaria de Economia Solidária. A primeira ITCP surgiu na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1995, e ajudou a constituir dezenas de cooperativas nos morros cariocas.

Hoje, 15 incubadoras, em nove estados, formam a rede universitária de ITCPs. "Em cada uma delas, os envolvidos são de diferentes áreas. Como não temos força para atrair pessoas de todos os ramos do conhecimento de uma universidade, valemo-nos de intercâmbios", explica Sônia, que também é coordenadora da rede. Na Universidade Federal do Paraná, por exemplo, a incubadora nasceu na faculdade de direito. Na UFRJ, está vinculada ao Centro de Pós-Graduação de Engenharia (Coppe).

Na opinião de André de Souza, "a universidade é um grande celeiro de militantes da economia solidária". Na USP, por exemplo, a incubadora surgiu em 1998, comandada por Singer, e hoje atua em três frentes principais. Duas delas são parcerias, firmadas com as prefeituras de São Paulo e de Guarulhos, para formação de empreendimentos solidários na periferia dessas cidades. A terceira consiste na incubação de grupos dentro do próprio campus da instituição. Ao todo, a ITCP-USP acompanha cerca de 50.

A constituição de um empreendimento solidário é um processo demorado. Não é fácil sensibilizar pessoas desempregadas a disponibilizar tempo e dinheiro para tocar coletivamente um negócio, que, mesmo com a orientação de uma incubadora, pode não dar certo. "Para quem é pobre, o emprego formal apresenta uma série de atrativos: seguro-saúde, aposentadoria, seguro-desemprego", explica Singer. Guilherme dos Santos, coordenador-geral da ITCP-USP, diz que é comum pessoas se envolverem com um grupo até conseguir "coisa melhor", ou seja, um trabalho com carteira assinada.

Além disso, um dos principais ingredientes para o sucesso de um empreendimento solidário é a confiança que os cooperados depositam uns nos outros. Para aqueles que já se conhecem, a dificuldade é menor. Mas e para os que nunca se viram? "O caminho é orientar a pessoa a partir do diálogo, e não do convencimento de que o cooperativismo é a nova moda", explica Guilherme.

Os formadores – como são chamados os que têm a missão de assessorar um grupo –, ao mesmo tempo que procuram capacitar as pessoas para administrar um negócio, desenvolvem um trabalho de "recuperação do sujeito", como afirma Guilherme. "O indivíduo acha que está desempregado por culpa própria, que não consegue achar seu lugar na sociedade."

Sônia, que também faz parte da ITCP-USP, diz que algumas pessoas chegam a apresentar a carteira de trabalho para os formadores. "Nós não damos emprego a ninguém. O que temos é uma proposta de organização dos trabalhadores que eles próprios terão de decidir se querem experimentar", afirma. Para Guilherme, o principal objetivo é "capacitar as pessoas a tocar um negócio de forma autônoma. Não é uma relação assistencialista. Quando acaba a incubação, o grupo tem de seguir sozinho".

Na ITCP-USP, os estudantes, reunidos em Grupos de Pesquisa, Ensino e Extensão Multidisciplinar (GPEMs), preparam cursos sobre história do cooperativismo e administração de empreendimentos solidários, entre outros assuntos. Um fato curioso é que muitos formadores também desenvolvem habilidades que extrapolam seus campos de conhecimento. Não é raro ver estudantes de economia realizar dinâmicas de grupo, especialidade de alunos de psicologia. "A economia solidária propõe uma reestruturação da universidade. Não é o conhecimento parcelado que resolve", diz Sônia.

As cooperativas não são uma novidade no Brasil, tanto que a lei 5.764, que rege seu funcionamento, data de 1971. Em tese, elas constituem uma forma de organização do trabalho em que todos os membros do empreendimento se responsabilizam pela atividade econômica a que se propuseram. O texto da lei não faz menção à estrutura das cooperativas nem exige a criação de cargos. Na verdade, apenas determina que deve existir um conselho administrativo ou diretoria. Mas há diferenças fundamentais entre a economia solidária e o chamado "cooperativismo oficial", o qual conta até com uma entidade de representação em nível nacional, a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). Para Sônia, muitas cooperativas ligadas à OCB reproduzem a hierarquia das grandes empresas, ao criar cargos de gerente ou presidente, por exemplo. Dessa forma, o princípio da autogestão, sagrado para a economia solidária, fica comprometido. "Nós nos pautamos por um processo de radicalização da democracia, cada cabeça um voto", afirma.

Outro fenômeno bastante recorrente são as "coopergatos". Para diminuir gastos com encargos trabalhistas, muitas empresas demitem seus empregados e terceirizam a mão-de-obra, contratando cooperativas que não estão muito preocupadas com a autonomia de seus membros.

Mudar, então, a legislação sobre o cooperativismo é um dos primeiros problemas a ser enfrentados pela secretaria nacional. Para Ângela Schwengber, coordenadora do Oportunidade Solidária, programa da prefeitura de São Paulo, também é necessário reconhecer outras formas de organização dos trabalhadores que não a cooperativa. "Há empresas associativas que funcionam sob os princípios da economia solidária mas que não são cooperativas, porque nem sempre é viável formar uma", diz ela. De acordo com a lei, são necessárias, no mínimo, 20 pessoas físicas para constituir uma cooperativa. Na opinião de Ângela, alguns empreendimentos, devido a uma situação de informalidade, ficam "à margem do sistema econômico", sem espaço para comercialização e acesso a crédito, por exemplo.

No último Natal, Cristina recebeu um presente de grego. Depois de anos trabalhando na lanchonete da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, sua patroa comunicou a ela e a seus colegas que havia falido. Por intermédio de uma amiga, conheceu a incubadora daquela universidade e procurou ajuda. "Nunca tinha ouvido falar de cooperativismo", conta.

Há quatro meses, Cristina e mais oito pessoas administram conjuntamente a mesma lanchonete onde antes eram empregados. Apesar de não poderem constituir legalmente uma cooperativa – pois não contam com o número necessário de integrantes –, conseguiram em pouco tempo saldar todas as dívidas com os fornecedores, num total de R$ 9 mil. E até já batizaram o empreendimento: Monte Sinai.

Nesse ponto, é importante ressaltar a diferença já apontada por Ângela Schwengber. Montar uma cooperativa não é o mesmo que trabalhar sob os princípios do cooperativismo. O grupo da Monte Sinai toca a lanchonete de maneira autogestionária, já que os problemas são resolvidos coletivamente e a renda obtida é dividida igualmente entre todos. Não há cargos nem hierarquia. Por isso, podem ser considerados cooperados. Mas não perante a lei.

Uma vez por semana, formadores da ITCP-USP se encontram com eles para debater o andamento do negócio e a regularização do empreendimento. Essa última parte é a mais complicada. Se quiserem legalizar a cooperativa, terão de chamar mais 11 pessoas, no mínimo. Na prática, isso pode comprometer a própria viabilidade econômica do negócio. Afinal, a lanchonete não comporta tanta gente. Além disso, o rendimento de cada membro da Monte Sinai diminuiria significativamente. "Temos de pensar bem, porque esses 11 também vão mandar na cooperativa", complementa Cristina.

José Paulo Guedes, estudante de economia, é um dos formadores que acompanham a Monte Sinai. "Eles precisam ter consciência política para não encarar a cooperativa como um mero ganha-pão", afirma. Para ele, só assim o empreendimento terá vida longa. Seu João, que também faz parte do grupo, não tem a mínima saudade do tempo em que era empregado. "A patroa gritava conosco, mesmo que fizéssemos a coisa certa", lembra.

Ana já catou latinhas nas ruas de Campinas (SP). "Conseguia R$ 3 por dia. Ficava sem comer para não gastar o dinheiro", conta. Há oito meses, ela e outras 20 pessoas trabalham na Cooperativa Barão, com reciclagem de lixo. Sua retirada mensal agora chega a R$ 500. No início, Ana sofreu com o preconceito de vizinhos. "Antes tinham medo de encostar em mim. Hoje, querem entrar na cooperativa. Meu trabalho é como outro qualquer", diz, com orgulho.

"Eles correram atrás de tudo: arranjaram o barracão e conseguiram a doação dos equipamentos", comenta o engenheiro Mário Nunes, membro da equipe da ITCP da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que acompanha a cooperativa. Essa incubadora é uma das mais novas do país. Criada a partir de uma parceria com a prefeitura da cidade, em setembro de 2001, hoje ela assessora 12 grupos. As equipes de incubação são compostas por cinco pessoas de diferentes áreas. Na opinião de Nunes, a ITCP-Unicamp não sofre de um problema comum a muitas outras: a falta de especialistas no ramo de tecnologia e produção.

Esse é um obstáculo também detectado por Ângela Schwengber. "A maior parte dos que trabalham com economia solidária vem da área de ciências humanas", constata. Para ela, toda a tecnologia que a universidade produz destina-se às grandes empresas. Sobram profissionais para organizar o grupo e resolver os conflitos internos. "Mas e na hora de fazer um plano de negócios para o empreendimento?", pergunta Nunes. Sem tecnologia apropriada, a viabilidade econômica às vezes é posta em xeque.

No caso da Cooperativa Barão, a esteira adaptada para os trabalhadores separar o lixo, na verdade, originalmente foi projetada para escoar laranjas. Além disso, perde-se muito tempo para transportar o lixo dentro do barracão, que também não tem boas instalações. "Se chover, alaga", diz Nunes. Outro grave problema refere-se à saúde dos cooperados. Eles até se protegem com aventais, botas e luvas, mas esses artigos são muito simples. "As luvas apropriadas, além de caras, não permitem uma boa manipulação do material", completa.

As dificuldades enfrentadas pela Cooperativa Barão são emblemáticas. Via de regra, os empreendimentos solidários apresentam carência de tecnologias simples – às vezes pequenas adaptações em determinados equipamentos seriam suficientes – que facilitassem o desenvolvimento dos trabalhos. E essa é uma das lacunas que as universidades podem e devem preencher. Por outro lado, é necessário que a produtividade não vire uma obsessão. "A cooperativa visa ao bem-estar dos cooperados", diz Nunes.

O que inspira os integrantes das ITCPs e os grupos por eles assessorados é um projeto de transformação social, ou seja, construir relações baseadas na confiança e na solidariedade. Talvez seja esse o motivo pelo qual Ana faça parte da Cooperativa Barão. Ela conta que nunca se sentiu tão feliz. Aos 55 anos, sabe que disputar um emprego está cada vez mais difícil e diz que, se lhe oferecessem um trabalho com carteira assinada, não aceitaria. "Amanhã posso ser mandada embora", argumenta. Na cooperativa, não. "Se há algum problema, resolvemos entre nós mesmos."