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Software nacional procura mais espaço no mercado globalizado

OSWALDO RIBAS

A cada dia, o software, produto destinado a dotar as máquinas de "inteligência" para tornar mais eficiente a interação entre pessoas e equipamentos eletrônicos, vem ganhando maior espaço nas sociedades contemporâneas, em especial a brasileira, e assumindo papel estratégico na economia. Ele está em toda parte, só que ninguém, ou pouca gente, consegue enxergá-lo. Quando passamos pelo caixa do supermercado, é um software que identifica a natureza do produto que compramos, lê seu preço e possibilita o pagamento eletrônico por cartões de débito ou crédito; quando paramos o veículo num cruzamento, semáforos inteligentes definem o tempo em que permaneceremos parados ou em trânsito; sua presença também se evidencia nos pedágios automatizados nas rodovias, nos estacionamentos dos shopping centers ou nos sistemas operacionais de pouso e decolagem nos aeroportos.

Nas empresas, recorre-se a programas de computador para tudo: desde o controle dos estoques e fluxo de caixa aos pedidos de clientes e à emissão de folha de pagamentos dos funcionários. Vai viajar? As reservas em companhias aéreas, hotéis e locadoras de veículos são realizadas somente após um sistema informatizado ser acionado. E a lista continua. A influência dos softwares pode ser sentida nos serviços de atendimento telefônico, os chamados call centers, hoje peças fundamentais no relacionamento das empresas com clientes e fornecedores; nas lojas, nos processos de automação industrial, nos pregões das bolsas de valores.

Serviços estatísticos experimentam hoje uma fase áurea de precisão e diversidade de operações proporcionadas pelos programas de comunicação de dados. A mídia e as artes cinematográficas conseguiram dar seu grande salto de qualidade utilizando os recursos provenientes da computação gráfica. Quando realizamos transações financeiras nos caixas eletrônicos, é um aplicativo de computação bancária que permite, em segundos, uma operação perfeita na contagem das cédulas nos saques ou na transferência eletrônica de recursos.

Na Internet, área de excelência dos softwares, da navegação aos comandos de busca, correio e comércio eletrônico, as operações cibernéticas só são possíveis graças ao desenvolvimento de programas e aplicativos específicos para o segmento. Nos processos eleitorais, as urnas eletrônicas, além de proporcionar maior agilidade aos pleitos, eliminaram vários artifícios que permitiam fraude nas apurações manuais.

Causa e ao mesmo tempo efeito da era da tecnologia da informação (TI), o software vem revolucionando a maneira como as sociedades estão organizadas, permitindo a disseminação dos serviços em tempo real e constituindo um instrumento primordial do processo de globalização. Dominar, portanto, essa tecnologia, seu desenvolvimento, produção, comercialização e manutenção tornou-se, hoje, um divisor de águas que define o futuro de determinado país: se destinado à vanguarda, ou se condenado a ficar a reboque da história.

Oportunidades

Não por acaso, os maiores mercados mundiais de software são também os dos países economicamente mais ricos. Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido e França lideram o consumo e a produção de software no mundo, um mercado global que movimenta, anualmente, o equivalente a US$ 300 bilhões e se mantém em crescimento apesar da estagnação econômica pós-atentados de 11 de setembro em Nova York e do estouro da bolha do setor de tecnologia em Wall Street.

Embora negativa para o comércio global de bens e serviços, essa estagnação do centro do capitalismo mundial acabou proporcionando uma janela de oportunidades para países emergentes conquistarem fatias crescentes no supercompetitivo mercado internacional de software. Três países — Índia, China e Brasil— destacam-se nesse novo cenário. De acordo com o prestigiado Massachusetts Institute of Technology (MIT), fatores competitivos como o custo da mão-de-obra, estrutura cambial e dinâmica dos respectivos mercados internos contribuíram para o florescimento de um setor de alta tecnologia nessas nações, das quais a Índia é a que maior êxito vem conseguindo – em 2002 suas exportações de software chegaram a US$ 8,5 bilhões. O fato de o país ter sido colonizado pelo Império Britânico e, portanto, ser fluente no idioma inglês, a língua oficial dos softwares, tem auxiliado os indianos a imporem-se como potência emergente.

No Brasil, embora com uma produção ainda tímida se comparada à dos gigantes internacionais, o setor tem conseguido acompanhar a nova onda tecnológica e, em alguns nichos de mercado, como o financeiro, apresenta capacidade competitiva que vem abrindo portas para as software houses (desenvolvedores de programas) nacionais atuarem como players globais. Dados da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) mostram que as vendas externas de software no primeiro trimestre de 2003 chegaram a US$ 40 milhões, com elevação de 43% em comparação ao mesmo período do ano passado. Ao mesmo tempo, as importações somaram US$ 133 milhões, o que equivale a uma queda de 30%.

"Ainda apresentamos números bastante modestos em nossas exportações de software, mas é importante observar as taxas de crescimento e, mais ainda, o potencial desse desenvolvimento", declara Hélio Nascimento, gerente de Produtos e Serviços da G&P, uma das maiores empresas do segmento de tecnologia da informação, de capital 100% nacional, e que também atua nas áreas de comunicação, educação e participações e empreendimentos. Para ele, um dos principais entraves para o país firmar-se como player global na área de software é exatamente a imagem distorcida do Brasil no exterior: "Ainda há muito preconceito em relação à qualidade da produção nacional, e os clientes estrangeiros, especialmente os norte-americanos, preferem os similares de outras procedências".

Fogo cruzado

De acordo com o especialista, o que está ocorrendo com os potenciais compradores de software nacional "é um cruzamento perverso". No mercado interno, as empresas, muitas delas multinacionais aqui instaladas, rejeitam o produto e as soluções locais. No externo, inversamente, há sérias restrições ao produto que vem de fora. "Nesse fogo cruzado, as empresas brasileiras de software são forçadas a abrir caminho em todas as direções, o que, digamos, freia nosso potencial de crescimento."

Anseio de todo o setor, de acordo com a Sociedade para a Promoção da Excelência do Software Brasileiro (Softex), instalada em Campinas (SP), é o governo brasileiro cumprir as promessas feitas até a exaustão e iniciar, efetivamente, um amplo programa de fortalecimento da área. Na visão da Softex, a União precisa investir maciçamente em campanhas de marketing internacional para consolidar a "marca Brasil" e divulgar o que está acontecendo por aqui. Além disso, espera-se do governo federal uma política pública voltada para o setor que promova a entrada do investimento estrangeiro e desamarre os nós burocrático-alfandegários que têm onerado o software nacional e reduzido suas vantagens competitivas obtidas em outras etapas do processo produtivo.

"Por enquanto, o que há de mais concreto são linhas de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), cujo nível de exigência entretanto é tão alto que poucas empresas tornam-se aptas a usufruir desse benefício", argumenta o ex-microempresário Franklin Luzes, que desenvolvia, de forma autônoma, softwares para aprendizagem a distância (e-learning) e atualmente trabalha na gerência de parcerias da Microsoft do Brasil. "Há enormes problemas de sobrevivência para as micro e pequenas empresas de software no país, devido à supercompetição exercida pelas companhias maiores, nacionais e internacionais, e à falta de apoio oficial", afirma Luzes, acrescentando que os principais entraves, além do capital, são problemas de gestão e canais de distribuição dos produtos.

Para tornar-se mais competitivo e driblar a desconfiança, o produtor nacional está empenhado no desenvolvimento da estratégia conhecida como "fábrica de softwares", um conceito ainda em gestação. Em linhas gerais, significa que uma empresa trabalha o software em sua forma mais ampla, ou seja, da análise do negócio à produção propriamente dita, até chegar à fase dos testes e certificações de qualidade. Na avaliação dos especialistas, essa possibilidade de oferecer todas as etapas do processo aos clientes está alavancando a credibilidade da indústria brasileira e facilitando a customização (ou individualização) dos sistemas de software de grandes companhias. Ainda segundo o MIT, esse processo é um dos que estão garantindo ao Brasil vantagens comparativas sobre a Índia, que poderão redundar em aumento de exportações num futuro próximo, especialmente após os recentes conflitos daquele país com o vizinho Paquistão.

Um exame mais detalhado do mercado brasileiro mostra que, apesar dos percalços, a indústria nacional cresce a olhos vistos. Em 1999, o país possuía 2,3 mil fábricas de software; hoje, esse número, segundo dados do Ministério de Ciência e Tecnologia, já supera os 4 mil, o que, nas expectativas do governo, eleva em tese a taxa de expansão das exportações para 28% nos próximos três anos. Em 2002, o país apresentou uma conta negativa de US$ 1 bilhão no mercado de software. Enquanto exportou US$ 200 milhões, as compras externas chegaram a US$ 1,2 bilhão.

Essas cifras comprovam que o mercado brasileiro de software está hoje entre os dez mais importantes do mundo, com movimento anual de US$ 8 bilhões. Em abril, Craig Barrett, presidente da Intel, uma das maiores empresas de processadores, visitou o Brasil e aconselhou o país a focar seus esforços exatamente no desenvolvimento e exportação de software. Ele ainda se queixou de que, há cinco anos, a excessiva burocracia alfandegária, infra-estrutura precária e falta de empenho do governo fizeram com que a Intel preferisse construir uma nova fábrica na Costa Rica.

Aposta da Microsoft

Nem todas as multinacionais, no entanto, consideram o país tão avesso aos investimentos. Estratégia diametralmente oposta, por exemplo, vem sendo adotada por outra gigante da tecnologia da informação, a Microsoft. Interessada em manter sua posição dominante no mercado nacional, a companhia de Bill Gates está executando o projeto de instalar 20 novos centros de excelência tecnológica no Brasil, com investimentos estimados em R$ 50 milhões.

Marcos Pinedo, diretor de Estratégia da .NET, divisão da Microsoft do Brasil voltada para a Internet, compartilha da idéia de que o país pode se tornar um player global no mercado de software e confirma que cinco dos 20 novos centros tecnológicos a ser implantados pela Microsoft – em Curitiba, Petrópolis, Fortaleza, Porto Alegre e São Paulo – já estão em funcionamento. Ele explica que a estratégia da empresa é formalizar alianças com universidades e centros de pesquisas, como o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), para que os projetos possam ser geridos em parceria. "Esta é uma maneira de a Microsoft interagir com a comunidade científica, alocando todos os recursos disponíveis." Entre os projetos em andamento, ele cita o da linguagem XML, sucessora da HTML, de uso na Internet para a interação entre computadores. Com essas parcerias, todos acabam ganhando. No caso da Microsoft, o ponto principal é manter a fidelidade a seus sistemas operacionais, que em certos segmentos, como o corporativo, chegam a deter 99% do mercado.

Pinedo, no entanto, acha que para o país dar seu salto de competitividade é fundamental que o governo adote uma política industrial que facilite o acesso das companhias do setor ao capital privado. Ele menciona que, nos Estados Unidos, mais de dois terços dos recursos investidos nas start-ups (microempresas iniciantes) provêm de fundos de investimentos privados.

Pinedo lembrou ainda a experiência da Soma, bolsa de valores de empresas de tecnologia (espécie de Nasdaq nacional), em São Paulo, que, por falta de apoio oficial, não vem conseguindo progressos.

Carro-chefe

Apesar de o software nacional ser reconhecidamente competitivo em segmentos como o de gestão empresarial, varejo e telecomunicações, é na automação bancária que se sobressai. Para a CPM, empresa integradora independente de tecnologia, controlada pelo Deutsche Bank Capital Partners e pelo Bradesco, essa situação decorre do fato de o setor bancário brasileiro ter, historicamente, abundância de recursos para aplicar em tecnologia da informação, fato que acabou colocando o sistema financeiro do país entre os mais sofisticados do mundo. "Hoje nossos softwares de automação e auto-atendimento são requisitados e valorizados no mundo inteiro: eles são nosso carro-chefe", declara o gerente de Novos Negócios da CPM, Ricardo Asse. "O banqueiro, assim como o executivo em geral, aprecia negociar a compra de soluções tendo por base experiências de sucesso já realizadas, o que é exatamente o caso dos produtos em uso pelo sistema bancário nacional."

Com seis fábricas no país, escritório de vendas em Nova York e centro de suporte técnico na Flórida, a CPM, ao lado da Microsiga, está entre as maiores do setor no Brasil, e vem apostando suas fichas na conquista do mercado norte-americano como um ponto decisivo para alavancar as vendas. Preparando-se para uma eventual nova demanda global, a CPM está investindo R$ 3 milhões neste ano na ampliação da capacidade de suas unidades nacionais. Seus projetos prevêem a contratação de mais 400 funcionários e a meta de exportação de R$ 20 milhões em 2003. Para 2004, caso a estratégia continue dando os resultados esperados, a expectativa é expandir ainda mais sua produção.

"Temos de identificar o nicho em que somos mais fortes para vencer internacionalmente", afirma Asse, explicando que o atraso nacional, sentido mais fortemente até meados dos anos 90, é decorrência da época de reserva de mercado, que em vez de fortalecer a indústria brasileira acabou tornando-a pouco competitiva no exterior. Ele também considera que o período é responsável pelo descrédito dos produtos de tecnologia da informação desenvolvidos internamente.

Testando um vôo um pouco mais distante geograficamente, a software house K2 Solutions, do Paraná, especializada em sistemas financeiros, começou a trabalhar recentemente no mercado japonês. No caso da K2, isso foi possível devido a uma característica peculiar da empresa: metade do quadro de profissionais é formado por nisseis, que falam e escrevem em japonês, o que facilitou a comunicação com os clientes em Tóquio, especialmente no que diz respeito às suas necessidades específicas.

Também atuando no nicho das operações bancárias, porém mais focada nas transferências via Internet com total segurança ao usuário, a E-Safetransfer, com sede em São Paulo, também está se aventurando nos Estados Unidos. Recentemente, segundo informa o principal executivo da companhia, Neissan Monadejm, a companhia adquiriu a MySmart.com, na Califórnia, e passou a disputar uma fatia do mercado global de serviços de infra-estrutura de acesso seguro para clientes com soluções em tecnologia Smart Card e Certificação Digital.

"O que mais atrai no nicho de atendimento bancário é o volume", admite Neissan, mostrando cifras de vendas do setor de tecnologia da informação aos bancos, que ascendem a R$ 3,12 bilhões. "Desse total", acrescenta, "metade dos recursos seguiram para aquisição de hardware, mas a outra parte foi toda consumida em software." Animado, ele faz planos para os R$ 500 milhões que os bancos nacionais deverão despender em 2003 na aquisição de produtos e serviços de empresas nacionais. "O restante fica por conta dos centros de desenvolvimento de software mantidos pelos próprios bancos."

Com sua experiência, Neissan acredita que a melhor maneira de as empresas brasileiras conseguirem espaço no mercado internacional é por meio das parcerias. "Assim é mais fácil vencer o preconceito inicial com a marca e o risco Brasil."

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