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Literatura pós-moderna é tema do Clube de Leitura do Sesc 24 de Maio

(Foto: Fernanda Camara)
(Foto: Fernanda Camara)

Ler por si só já é muito bom. Agora participar de um grupo de conversas para debater o enredo e conhecer o ponto de vista sobre a mesma história de diversas pessoas pode tornar a experiência ainda mais enriquecedora. Por isso, o Sesc 24 de Maio recebe, nas noites de 31/10 e 05/12 (quintas-feiras), o Clube de Leitura.

Em outubro e novembro, os encontros exploram títulos de autores pós-modernos, entre eles “Androides Sonham com Ovelhas Elétricas”, livro de Philip K. Dick que inspirou o filme Blade Runner (1982); e “Poemas”, da autora polonesa Wislawa Szymborska.

Semestralmente, são definidos curadoras ou curadores que selecionam temas literários a serem pautados. O autor paulistano Ronaldo Bressane é o convidado para essa missão no terceiro ciclo de 2019; além disso, Bressane mediará os encontros. Entre seus livros publicados, estão o romance “Escalpo”, o infanto-juvenil “Sandiliche”, os quadrinhos de “V.I.S.H.N.U.” e o livro de poesias intitulado “Metafísica Prática”. Há quase 14 anos, ministra laboratórios de ficção e não-ficção em variadas instituições culturais.

O pós-modernismo, na maneira como está consolidado hoje, surgiu entre 1980 e 1990. Segundo Bressane, uma boa parcela de trabalhos da literatura contemporânea podem ser englobados nessa corrente. No entanto, ele observa que mesmo autores do período histórico, aqueles que ajudaram a cunhar diversos outros gêneros e se destacaram no tempo por suas obras marcantes, também se encaixam na pós-modernidade. Entre eles, o próprio Machado de Assis (1869 - 1904), considerado o maior nome da literatura brasileira. “Eu situaria Machado, hoje tido como autor 'realista', como um pós-modernista totalmente fora do lugar”, explica Ronaldo, em entrevista por e-mail.

Não apenas a literatura passou por essa transição entre uma coisa e outra. Se é que esse “fenômeno” possa ser nomeado como transição, já que “a crítica contemporânea não coloca um período muito claro para definir onde morre uma coisa e onde termina outra”. Aqui, Ronaldo refere-se ao possível fim do período modernista para que desse lugar ao pós-modernista, um fato que não foi exatamente concretizado.

Tanto outras correntes artísticas, como o cinema, a arquitetura e as artes plásticas, quanto as estruturas que baseiam as visões de mundo e a sociedade, como a filosofia e a sociologia, foram fortemente impactadas. As obras que são rotuladas como pós-modernistas reúnem uma série de qualidades que levam como ponto em comum, principalmente, a negatividade, a ironia e a subjetividade. 

Confira a entrevista completa:

Eonline: Qual foi o período de transição da modernidade para a pós modernidade na literatura e o que levou autores a adotarem esse gênero?
Ronaldo Bressane:
A crítica contemporânea não coloca um período muito claro para definir onde morre uma coisa e onde termina outra. Até porque um dos princípios da pós-modernidade é justamente essa fluidez. Mas podemos dizer que se vive este período no momento, pelo menos até outro rótulo surgir. Ele apareceu entre os anos 1980 e 1990. Prefiro pensar que a pós-modernidade é mais um estado de espírito do que um período histórico. Machado de Assis, por exemplo, hoje tido na “linha evolutiva” da historiografia literária como autor “realista” (e portanto “pré-modernismo”), eu situaria como um pós-modernista totalmente fora de lugar. João Adolfo Hansen, um de nossos maiores críticos, já propôs que o poeta barroco Gregório de Mattos (1636 – 1696) possa ser lido como um pós-modernista.

Eonline: Quais características da pós-modernidade estão presentes nos enredos dessa escola literária?
Ronaldo Bressane: Passou-se a usar o rótulo para designar obras que reúnam qualidades como ironia, distanciamento crítico, pluralidade de perspectivas, subjetivismo, irreverência, intertextualidade e uma irritação total com ideias românticas, tais como a Verdade, a Objetividade, a Evolução e o Progresso Social, conceitos que ainda embebiam várias correntes modernistas, como o futurismo e até o realismo. Digamos que o pós-modernismo leva o marxismo dialético tão ao extremo que pode até negar Marx. Aí outra característica do pós-modernismo: a negatividade. Pós-modernistas não acreditam no futuro. Por isso mesmo, muitas vezes são tachados de cínicos e oportunistas.


EOnline: Quais autores podemos dizer que foram os primeiros ou os que deram forma à literatura pós-moderna como é reconhecida atualmente?
Ronaldo Bressane: Hoje, o conceito do que é História vai para a frente e para trás. Não existe mais essa ingênua ideia evolutiva. Jorge Luis Borges (1899 – 1986)) dizia que "todo escritor cria seus predecessores; sua obra modifica tanto nossa concepção do presente e do futuro quanto muda nossa ideia do passado". Borges mesmo, um cara nascido em 1899 que começou a publicar suas coisas lá pelos anos 1930, é desde sempre um pós-moderno. Sua obra reúne todas as características da pós-modernidade. Como Machado, ele, por ser sul-americano, se situa fora do centro (a cultura ocidental, europeia, branca), o que também é uma característica bastante pós-moderna. Com sua revolucionária fusão entre os gêneros conto e ensaio, Borges influenciou toda a literatura europeia a partir de Buenos Aires, especialmente autores como Italo Calvino (1923 - 1985) e Umberto Eco (1932 – 2016). 

EOnline: É correto dizer que a literatura pós-moderna tende a se aprofundar em temas mais obscuros e densos, como no caso, por exemplo, das distopias?
Ronaldo Bressane:
A distopia é o inverso da utopia, ou seja, a ideia de uma sociedade idealizada e perfeita. Ela é um dos conceitos centrais da literatura contemporânea, tanto na melhor literatura (A Estrada, Cormac McCarthy) quanto na cultura de massa, como filmes de zumbi e videogames pós-apocalípticos. Por abarcar um estado de espírito desencantado, a literatura pós-moderna frequentemente esbarra nas distopias. Como exemplo, temos “Admirável mundo novo”, de Aldous Huxley (1894 - 1963), “1984”, de George Orwell (1903 - 1950), Oryx e Crake, de Margaret Atwood (1939 – presente) e grande parte da obra de Philip K.Dick (1928 – 1982).  

Sinopses e as datas dos próximos encontros

Androides Sonham com Ovelhas Elétricas, de Philip K. Dick
Dia 31 de outubro, quinta-feira, às 18h30
O enredo segue Rick Deckard, um caçador de recompensas que persegue androides numa São Francisco devastada pela guerra atômica em um cenário pós-apocalíptico. Envolto pelo desejo de buscar um sentido para sua existência, Deckard batalha para subir de vida e transformar sua ovelha elétrica de estimação em um animal de verdade. Para isso, ele aceita um trabalho como perseguidor de seis androides fugitivos a fim de aposentá-los. No entanto, vários questionamentos o fazem perceber que o limite entre o real e o fabricado é mais complexo do que ele acreditava.

O livro inspirou o filme Blade Runner. Lançado em 1982, o longa foi estreado por Harrison Ford e é considerado um dos grandes clássicos cinematográficos da ficção-científica.

Poemas, de Wislawa Szymborska
Dia 05 de dezembro, às 18h30
A autora polonesa de 88 anos reside desde quando era criança em Cracóvia, situada às margens do rio Vístula. Por ter passado toda sua vida no mesmo lugar, é conhecida por sua escrita poética, reservada e tímida. Mesmo sendo uma anônima em seu próprio cotidiano, seus pensamentos mais privados são lidos no mundo todo.  Essa coletânea reúne 44 poemas em uma belíssima apresentação à obra dessa importante poeta contemporânea que é também chamada de  "poeta filosófica", ou "poeta da consciência do ser".