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da construção do encanto

Cena do espetáculo Mãos à Obra (Foto: Cleriston / Foto Thumb: Paulo Eleutério)
Cena do espetáculo Mãos à Obra (Foto: Cleriston / Foto Thumb: Paulo Eleutério)

por amilton de azevedo

A máscara do palhaço pode construir universos inteiros. São diversas as possibilidades cênicas trazidas por seu uso – principalmente quando, por trás do nariz, estão intérpretes hábeis e conscientes de seu potencial. Em “Mãos à Obra”, a La Cascata Cia. Cômica reverencia os espetáculos da tradição circense ao fazer uso de gags clássicas para construir uma atmosfera de encantamento junto ao público.

O espetáculo criado por Adriano Laureano e Márcio Douglas, com direção de Atul Trivedi, já circulou o Brasil. Há cerca de quatro anos, quem faz dupla com Laureano é Renato Junior. Respectivamente, Zaca e Meio-Quilo – Augusto e Branco, como dita a tradição. No entanto, o jogo entre os tipos se mostra permeável – em muitos momentos, a ingenuidade augusta está nos dois palhaços.

A premissa é a de que os dois são pedreiros, prestes à construir um empreendimento. Chegam ao espaço – onde um cavalete avisa: “Cuidado! Palhaços Trabalhando” – e, sem utilizar a palavra, desenvolvem a narrativa a partir de ações físicas. Desde a entrada dos dois no espaço, está presente o cuidado na relação direta com o público; de modo que, ao começar efetivamente o espetáculo, crianças e adultos já estão dentro do campo lúdico proposto.

O grande mérito do espetáculo é sua capacidade de equilibrar as técnicas circenses presentes nos números tradicionais apresentados e a trajetória fabular da narrativa. Dessa maneira, não há uma exibição das virtuoses – ainda que seja nítido o trabalho técnico de Laureano e Junior, não é a capacidade deles que salta aos olhos, mas sim a brincadeira presentificada por Zaca e Meio-Quilo.

Há um balanço muito preciso entre as gags e o desenvolvimento da história. Ainda que não se absorva inteiramente todos os acontecimentos que movem a dramaturgia, as ações contam o essencial a ser acompanhado. E, em “Mãos à Obra”, o que emerge como central é mesmo o encantamento com a humanidade da figura do palhaço.

Desajeitados e trapalhões, no flerte constante com o abismo do fracasso e nas repetições se revela o ridículo que há no ser humano. Também, a beleza da ingenuidade e a pureza das descobertas. O público, cativo e interessado, parece estar a todo momento com os olhos brilhando – assim como os intérpretes. Não se trata de uma obra que faz gargalhar – ainda que o timing cômico seja preciso – mas que mantem o sorriso durante toda sua duração.

Em alguns momentos um pouco desalinhada com os acontecimentos, a trilha sonora auxilia na construção desta atmosfera. Os poucos momentos de silêncio são desafiadores para sua manutenção, mas o frescor do jogo reafirmado a todo instante por Laureano e Junior a sustenta.

Tendo uma sólida relação entre a premissa e o desenvolvimento das ações, “Mãos à Obra” diverte e encanta ao resgatar elementos tradicionais da cultura circense e do palhaço. Entre ferramentas, marmitas e tijolos, o que Zaca e Meio-Quilo constroem não é da ordem do concreto; mas sim, do encanto.

 

*amilton de azevedo é artista-pesquisador, crítico e professor. Escreve para a Folha de S. Paulo e para sua página, ruína acesa. Responsável pela disciplina "Estudos sobre o ensino do teatro" na graduação do Célia Helena Centro de Artes e Educação.