Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Novas luzes para a ciência brasileira

Laboratório em Campinas (SP) é base para pesquisa avançada

SUELE MELLO


Acelerador de partículas / Foto: Divulgação

Os visitantes que optam pelo caminho de Barão Geraldo, em Campinas (SP), para chegar ao Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) têm uma experiência inusitada. A estrada corta uma paisagem tipicamente rural, arborizada, em que se avistam cavalos e vacas. Pouco à frente, deparam-se os portões do campus e, mais adiante, os enormes edifícios desse centro de ciência e tecnologia, tido como referência no meio científico e um dos principais órgãos de pesquisa do hemisfério sul. Único do tipo na América Latina, o laboratório brasileiro está em operação desde julho de 1997 e é freqüentado por estudantes, tecnólogos e pesquisadores do Brasil e do exterior.

A construção principal abriga um imenso acelerador de partículas, equipamento que produz a luz denominada síncrotron – uma intensa radiação eletromagnética que constitui a melhor fonte de raios X e ultravioleta, que por sua vez possibilitam a visualização da estrutura atômica dos mais diversos materiais.

Ao redor do equipamento, em formato de anel, estão acopladas 12 estações experimentais (linhas de luz), que captam a radiação nele armazenada e preparam sua utilização na análise de amostras. Para aprofundar essas pesquisas, foram criados outros núcleos, como o Centro de Biologia Molecular Estrutural (CeBiME), que inclui o Laboratório de Ressonância Magnética Nuclear (RMN), em funcionamento num prédio anexo, e os de Microscopia Eletrônica (LME) e de Microscopia de Tunelamento e Força Atômica (MTA), no chamado prédio vermelho.

Atualmente, mais de mil usuários aproveitam essa infra-estrutura. Só em 2006 foram executadas 720 propostas (mais que o triplo das 226 iniciais de 1998). Destas, cerca de 52% eram de São Paulo, 33% de outros estados e 16% de outros países. O acesso é concedido mediante apresentação de propostas, que são avaliadas por especialistas e por comitês externos. A demanda exige que o laboratório funcione diariamente por 24 horas, durante cinco dias da semana. O uso é gratuito, desde que não haja interesse comercial e com o compromisso de os resultados se tornarem públicos.

"As instalações do LNLS capacitam a comunidade científica brasileira e latino-americana a desenvolver estudos avançados nas mais diversas áreas, como ciência dos materiais, nanociência e biotecnologia, entre outras, em nível de competitividade internacional", afirma o diretor do laboratório, José Antônio Brum.

Conhecimento

A maior parte das pesquisas ali empreendidas busca promover o avanço do conhecimento científico, como o estudo sobre a quebra de moléculas orgânicas em ambientes estelares (semelhantes ao espaço), que pode servir para explicar a origem da vida mas não tem ainda nenhuma aplicação prática. Outras buscam soluções para problemas que afetam diretamente o cidadão comum, como a pesquisa acerca da poluição local, desenvolvida por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que analisaram amostras da água de chuva de diversas regiões da cidade, com o auxílio de raios X. Os resultados revelaram a presença de metais pesados e outros compostos, assim como a quantidade e o tipo de poluição existente em cada uma das áreas estudadas.

Há ainda vários projetos integrados com outros laboratórios. Na área de nanotecnologia, o objetivo é investigar a estrutura dos mais diversos materiais e, a partir desse conhecimento, desenvolver novas matérias-primas e produtos. No campo da biologia estrutural, os estudos estão centrados na atividade de determinadas proteínas, responsáveis por perdas consideráveis na agricultura de plantas cítricas, como a Xylella fastidiosa (causadora da doença do amarelinho) e a Xanthomonas citri (ligada ao cancro cítrico).

A saúde pública também tem espaço nas pesquisas desenvolvidas no LNLS, com um projeto que enfoca o Trypanosoma cruzi, o parasita causador da doença de Chagas. Transmitida pelo inseto popularmente conhecido como barbeiro, a enfermidade continua endêmica na América Latina, uma vez que até hoje não existe tratamento eficiente ou vacina contra ela. Esse problema motivou a formação de vários grupos para estudar a doença, entre eles o da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), liderado por Samuel Goldenberg e Marco Aurélio Krieger, que identificou um conjunto de proteínas que aparecem de diferentes formas no organismo do parasita durante as fases de seu ciclo de vida, muitas delas com função desconhecida.

Agora, com o auxílio de pesquisadores de outras instituições, a meta é compreender a estrutura e a função biológica dessas proteínas e os mecanismos causadores da doença. Para isso, é fundamental o trabalho da pesquisadora do LNLS Beatriz Gomes Guimarães, especialista em cristalografia de proteínas, técnica que possibilita a determinação da estrutura tridimensional de moléculas. Os experimentos consistem em fazer incidir raios X sobre cristais de proteína e registrar as imagens geradas para que sejam analisadas por meio de programas computacionais.

"O estudo pode contribuir para entender como o parasita infecta o hospedeiro e servir para o desenvolvimento de uma nova droga para combater a enfermidade", explica Beatriz, que entretanto não ousa estimar quando a população terá esse recurso à sua disposição. "Os desdobramentos de uma pesquisa científica são difíceis de prever, e os frutos dela decorrentes podem ser colhidos somente após muitas gerações", pondera.

Outro estudo de grande interesse público refere-se à leucemia infantil, doença relacionada a distúrbios na proliferação das células do sangue, originados por alterações genéticas ainda não completamente compreendidas pela ciência. Esse trabalho vem sendo realizado por meio de uma parceria entre pesquisadores do LNLS e do Centro Infantil de Investigações Hematológicas Dr. Domingos A. Boldrini, de Campinas, entidade filantrópica especializada no tratamento de crianças e adolescentes com doenças sanguíneas e câncer.

De início, a meta é identificar "marcadores moleculares" – genes encontrados na célula sanguínea que denunciam a existência da doença e colaboram para sua manutenção – e posteriormente compreender a estrutura e a função bioquímica desses genes, para então desenvolver inibidores específicos. A explicação é de Nilson Zanchin, pesquisador do LNLS. "Trata-se de um projeto de pesquisa básica, sem o qual não será possível avançar no controle das leucemias. Os resultados ainda são preliminares, mas muito promissores", avalia.

Integração com empresas

O LNLS mantém ainda um programa de interação com laboratórios industriais que os autoriza a utilizar suas instalações e até contratar uma equipe interna para acompanhamento dos trabalhos. Uma dificuldade é que o LNLS conta com menos de 20 pesquisadores próprios, número que já está se tornando insuficiente para atender a demanda. O professor Antonio J. Ramirez, coordenador do Laboratório de Microscopia Eletrônica, é um dos responsáveis pelo atendimento nessa área. Ele explica que em geral é dada prioridade a empresas localizadas no Brasil. Há, porém, projetos que envolvem companhias estrangeiras, algumas das quais nem mesmo têm sede ou representante no país. "Essas empresas nos procuram motivadas pela sofisticação da instrumentação científica, mas principalmente devido a nosso staff científico e técnico", destaca.

Os projetos, das mais diversas áreas, contribuem para o aprimoramento ou mesmo a criação de tecnologias, e podem proporcionar benefícios para consumidores e trabalhadores, além de influenciar positivamente a economia. Por meio deles, por exemplo, os computadores se tornarão em poucos anos ainda menores e mais velozes, produtos químicos dos mais diversos, incluindo matérias-primas para alimentos, serão produzidos de modo menos poluente e com menor consumo de energia, os dejetos poderão ser aproveitados para produção de novas formas de energia, mais baratas e eficientes, e estudos sobre a contaminação em ambientes industriais irão melhorar as técnicas de processamento, de forma a evitar que a saúde dos trabalhadores seja prejudicada.

Ceticismo

A construção do LNLS demorou dez anos e, no início, sua criação era defendida muito mais por políticos do que pelos próprios cientistas e potenciais usuários. Os físicos José Leite Lopes e Roberto Lobo tiveram de lutar muito para convencer seus pares. Não se compreendia na época por que um país relativamente pobre como o Brasil iria despender uma quantia tão grande – nesses primeiros dez anos foram investidos US$ 70 milhões – na construção de um laboratório voltado à "big science", a pesquisa científica para evolução do conhecimento. O argumento era que a verba seria desviada de projetos considerados mais importantes. Não se acreditava também na competência local para construí-lo. Outra alegação era que seria muito mais barato mandar pesquisadores ao exterior para realizar seus trabalhos em laboratórios síncrotron de outros países.

Quando finalmente a idéia foi aceita, sob o argumento de que o Brasil galgaria um novo patamar tecnológico, outra polêmica foi desencadeada, desta vez para decidir o tamanho e o potencial da máquina a ser construída e, posteriormente, para definir sua localização. A disputa, devido à visibilidade e aos benefícios que o laboratório traria à cidade que o abrigasse, se estabeleceu entre cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Campinas foi escolhida pelas facilidades de acesso e proximidade a universidades e a importantes parques industriais. Ao final, o laboratório foi quase que integralmente construído por cientistas e por mão-de-obra brasileiros e, hoje, é também procurado por interessados nesse know-how para construção de equipamentos.

Futuro

Durante a 17ª Reunião Anual de Usuários do Síncrotron (RAU), realizada nos dias 12 e 13 de fevereiro para discutir os rumos do laboratório e apresentar as pesquisas ali empreendidas, o diretor José Antônio Brum fez um balanço dos resultados financeiros de 2006, no qual foi registrado um déficit de aproximadamente R$ 2 milhões. Apesar da falta de recursos, ele anunciou também os planos para o futuro: mais três linhas serão implementadas ainda este ano e um novo prédio para a área de nanociência e nanotecnologia já está em construção, projetado especialmente para abrigar microscópios que requerem grande estabilidade de temperatura e em relação a vibrações. Outro ponto abordado foi a viabilidade de instalação de uma nova fonte de luz síncrotron, fundamental para que as pesquisas no país não se tornem defasadas ao longo do tempo.

A escassez de verbas sempre foi o principal problema do LNLS. O estudo sobre a doença de Chagas, por exemplo, vem sendo mantido financeiramente pelos vários grupos envolvidos, que aguardam resultados promissores para então conseguir um financiamento de maior porte. A pesquisa sobre leucemia infantil passa pela mesma situação: viabilizada por recursos obtidos por alguns dos pesquisadores, enfrenta dificuldades para a compra de insumos e para a contratação de pessoal técnico especializado.

Diante dessa situação, Pedro Tavares, diretor associado da Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron (ABTLuS), aponta a necessidade de uma percepção dos organismos de financiamento de que o síncrotron não é um "vaga-lume": "Não estamos mais naquela fase inicial de ceticismo e resistência. A comunidade científica já abraçou o projeto. O laboratório funciona ininterruptamente e pode ser utilizado por um grande número de usuários. Portanto, necessita de investimentos permanentes para que se mantenha como topo de linha", afirma ele.


Para saber mais

www.lnls.br
• Velho, Léa e Pessoa Jr., Osvaldo. "The Decision-Making Process in the Construction of the Synchrotron Light National Laboratory in Brazil". In Social Studies of Science, vol. 28, nº 2, abril, 1998, p. 195.

 

Comentários

Assinaturas