Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Um dragão à solta nos laranjais

Doença com alto poder destrutivo preocupa técnicos e produtores de citros

MIGUEL NÍTOLO


Fruto deformado pela moléstia
Foto: Divulgação

Em abril, plantadores de laranja da Flórida aterrissaram em São Paulo ansiosos para visitar o interior do estado. Liderados por Jay Clark, presidente da poderosa Florida Citrus Mutual, a maior associação de produtores de citros daquela região dos Estados Unidos, os americanos queriam ver de perto o que o grande concorrente está fazendo com os seus pomares de laranja, uma cena que em outros tempos só existia na imaginação. É que, até há alguns anos, a Flórida ainda era festejada como a número um na produção e exportação de suco concentrado de laranja, posto do qual foi ruidosamente apeada pelos paulistas, que agora, alçados à condição de maiores do setor em escala global, recebem citricultores de todos os lugares.

É verdade que os visitantes também tinham outra missão, talvez a mais importante delas: obter informações sobre uma doença que está começando a dizimar parte de seus laranjais e prospectar como os brasileiros estão se virando para "driblar" o terrível mal. Trata-se de uma enfermidade que muda a coloração das folhas, tornando-as amareladas e manchadas, leva sem piedade ao desfolhamento dos ramos e à morte dos ponteiros, e provoca a redução do tamanho, a deformação e, por fim, a queda dos frutos. Seu nome: huanglongbing (doença do dragão amarelo) ou, simplesmente, greening, moléstia que apareceu primeiro na China, ainda no final do século 19, é de difícil controle e já afetou seriamente a produção de citros na Ásia e na África. Um inimigo implacável, desses que ninguém quer ter por perto, capaz de inutilizar milhares de pés de laranja num espaço de tempo relativamente curto.

Foi em agosto de 2005 que os plantadores da Flórida tiveram o desconforto de ver confirmada a presença do greening em seus laranjais, quase um ano e meio depois de os citricultores paulistas terem feito a mesma descoberta. A vilã desse alvoroço é a bactéria Candidatus liberibacter, transmitida por um inseto pequeno – o psilídeo Diaphorina citri –, mas com capacidade para pôr a perder investimentos milionários feitos no decorrer de décadas. Eleito a pior doença já enfrentada pelo segmento em todo o mundo (afeta praticamente todas as variedades de citros, como laranja, limão e tangerina), o greening passou a ser combatido com unhas e dentes aqui e no exterior. Como saímos atirando primeiro, é natural que Clark e seus compatriotas tenham vindo ao Brasil para ver pessoalmente como os produtores brasileiros, os primeiros do ranking, enfrentam o problema.

"A citricultura na Flórida está muito debilitada porque, entre outras coisas, os plantadores de lá perderam o controle sobre o cancro cítrico e o próprio greening", comenta Marcos Antonio Machado, pesquisador do Centro Avançado de Pesquisa Tecnológica do Agronegócio de Citros Sylvio Moreira (Centro Apta Citros), de Cordeirópolis (SP), vinculado ao Instituto Agronômico de Campinas. "A geada, os furacões, a pressão imobiliária sobre as áreas de cultivo e os altos custos de produção também têm criado dificuldades para os citricultores americanos", ele observa.

Nova versão

O estado de São Paulo dispõe hoje de uma invejável estrutura na área, tanto em termos de produção quanto de pesquisas, um rico patrimônio que veio sendo cuidadosamente plantado ao longo dos anos. Tanto que, após soado o alarme da presença de uma nova doença nos laranjais, órgãos e associações envolvidos apressaram-se em colocar suas armas ao alcance dos plantadores. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo e o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) passaram a executar uma série de ações visando combater o problema. Osmar Bergamaschi, presidente do Fundecitrus, que tem sede em Araraquara e é mantido por capital privado, conta que, graças às parcerias firmadas com outros institutos de pesquisa, a entidade vem realizando estudos para o conhecimento e o controle da doença, trabalho que deverá levar a decifrar, inclusive, o genoma da bactéria Candidatus liberibacter.

Até então se conheciam basicamente dois tipos de greening, o asiático e o africano, mas a suposição de que se estava diante de uma terceira versão, ainda desconhecida, foi confirmada pelas pesquisas levadas a efeito no Centro Apta Citros e no Fundecitrus. O novo tipo de greening – batizado então de "americano" – é um mal que não comporta controle químico e não leva à morte biológica da planta. "Em contrapartida, ela perde seu valor comercial", explica Machado. Um pomar contaminado pelo greening, pode-se dizer, é um laranjal morto e vivo: as plantas estão lá, mas é como se não estivessem, porque se tornam imprestáveis. E manter árvores doentes representa dar abrigo a uma doença que, segundo se calcula, já está presente em 120 municípios de São Paulo.

É um quadro assustador, ante os números da citricultura paulista: 670 mil hectares de terras ocupados, 213 milhões de plantas e produção anual de 350 milhões de caixas de laranjas, o correspondente a 90% da oferta nacional. Para ser mais esclarecedor importa dizer que os laranjais paulistas respondem por 55% da produção mundial de suco concentrado e controlam 80% do comércio internacional do produto – números à primeira vista disparatados, mas que se explicam pelo simples fato de que os Estados Unidos – país que ocupa a segunda colocação no ranking do setor e é o maior mercado consumidor do planeta – não têm representatividade nas vendas externas do produto. Trata-se de "um negócio que no estado de São Paulo emprega mais de 400 mil pessoas e que contribui para a entrada anual de divisas da ordem de US$ 2 bilhões", enfatiza Ademerval Garcia, presidente da Associação Brasileira dos Exportadores de Cítricos (Abecitrus), conforme informações disponíveis no site da entidade.

Vigilância constante

O recado, portanto, é bem claro: o greening não comporta cochilos e terá de ser combatido com seriedade. "Estudos desenvolvidos por nossos pesquisadores indicam que a doença é capaz de tornar um pomar economicamente morto em apenas seis anos", informa Bergamaschi. "Mas o mesmo trabalho mostra que, controlada, ela compromete, anualmente, menos de 1% do pomar."

A erradicação do pé de laranja doente é, por ora, a única resposta para o problema, explica Carlos André Bonganha, engenheiro agrônomo da Cooperativa dos Cafeicultores e Citricultores de São Paulo (Coopercitrus), entidade baseada em Bebedouro (SP) e reverenciada como uma das primeiras do gênero no país. Responsável técnico-comercial das filiais da Coopercitrus nos municípios paulistas de Pirassununga, Aguaí e Casa Branca e envolvido de corpo e alma na batalha que São Paulo trava contra o greening, Bonganha conta que em algumas regiões do estado o trabalho de vigilância é intenso. Ele lembra que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento publicou duas instruções normativas sobre o controle desse mal. A última delas (IN 32), tornada pública em setembro do ano passado, determina que os próprios produtores inspecionem suas propriedades pelo menos duas vezes por ano. Antes dessa norma, o monitoramento da doença era feito pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento e pelo Fundecitrus. Ao envolver os produtores no controle do greening a IN 32 tem o mérito de reforçar o combate à doença.

O Fundecitrus mantém uma equipe de 11 agrônomos com a tarefa específica de conscientizar os laranjeiros da importância desse controle e informá-los sobre a melhor maneira de fazer isso. "De janeiro para cá foram realizadas 550 palestras e mais de 5 mil pessoas receberam treinamento", diz Bergamaschi.

Em maio, na Semana de Combate ao Greening, realizada em Campinas por iniciativa da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo e do Fundecitrus, Francisco Eduardo Bernal Simões, titular da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), entidade do governo paulista, destacou que, por meio de cursos, palestras e ações práticas de prevenção e erradicação, os técnicos devem se tornar multiplicadores de informações. "O mutirão se concentrará, principalmente, nos municípios afetados pela doença", avisou. Simões revelou ainda que esse projeto envolverá as 40 regionais da Cati no estado. Bergamaschi aproveitou para salientar que "o trabalho de controle do greening feito no Brasil é considerado o melhor do mundo e, por isso mesmo, elogiado por pesquisadores, técnicos e citricultores estrangeiros que vêm a São Paulo para conhecer nossos métodos de combate".

Exemplo chinês

Um dos grandes desafios enfrentados pelas entidades empenhadas em livrar os laranjais das doenças consiste em conscientizar o citricultor do real perigo que o greening representa para seus negócios. É certo que parte deles segue à risca os ensinamentos passados pelos técnicos, mas muitos preferem pagar para ver. "Nas palestras e treinamentos realizados pelo Fundecitrus em parceria com a Coopercitrus, é sempre lembrado o triste fim da fazenda chinesa de Beihai, outrora grande produtora de citros, que em dez anos perdeu integralmente seu pomar", diz o agrônomo Bonganha. "Em 1995 eram 1,3 milhão de plantas sadias. Quatro anos mais tarde, 7% delas estavam contaminadas com a bactéria do greening, índice que chegou a 100% em 2005." Ele explica ainda que existem três tipos de citricultores: os conscientes e pró-ativos, que procuram ajuda e fazem a erradicação das plantas assim que detectam a presença da doença, os que nutrem total desconhecimento sobre o assunto e, por fim, os renitentes. A despeito de estar informado sobre a agressividade da Candidatus liberibacter e ser conhecedor da extensão do estrago que ela é capaz de produzir nos laranjais, este último grupo de plantadores é cético quanto à validade do controle fitossanitário. Não se importa com o risco que ela representa para seu pomar e os dos vizinhos. "Constatamos que em torno de 90% dos citricultores já conhecem o greening ou ouviram falar dele, mas apenas 50% adotam algumas das medidas recomendadas para o controle da doença", lastima-se Bergamaschi.

A região central do estado de São Paulo é a mais contaminada pelo greening, mas, segundo o presidente do Fundecitrus, "nos novos municípios afetados a doença está ainda em sua fase inicial, facilitando um controle mais eficaz por meio da inspeção e posterior erradicação das plantas doentes". Ele também comenta que a grande maioria das fazendas dispõe de "pragueiros" ou, quando não, o próprio proprietário faz inspeções periódicas a fim de detectar a presença de ácaros, pragas em geral e demais enfermidades. "Por isso, não será difícil para o produtor, acostumado com o trato de outras doenças, fazer a inspeção do greening", garante.

Dados divulgados no final de 2006 mostram que, em um ano, a relação dos municípios onde a presença da doença foi identificada aumentou quase 100%. "Está enganado quem acha que não tem greening. É porque não procurou direito", declarou ao informativo do Fundecitrus o citricultor Pedro Luís Fávero, dono de dois pomares, um em Engenheiro Coelho (50 mil plantas) e outro em Botucatu (500 mil), no centro do estado. Fávero pertence ao grupo de plantadores que não faz vista grossa para os perigos que rondam os laranjais. Ele tem cumprido ao pé da letra as exigências da IN 32 e exercido uma vigilância cerrada sobre suas plantações. Suporte para isso não falta. "O Fundecitrus dá todo o amparo técnico necessário", diz Bergamaschi. "Faz treinamento, mostra como a inspeção deve ser conduzida, discorre sobre os sintomas do mal e ensina quais procedimentos devem ser tomados no caso da descoberta de plantas doentes."

Potencial destrutivo

Erra redondamente quem pensa que o greening é a única questão fitossanitária capaz de tirar o sono dos donos de pomares em São Paulo. Os pés de laranja também são afetados por uma série de outras enfermidades – como o cancro cítrico, a clorose variegada dos citros (CVC), o declínio, a gomose, a leprose, a mancha marrom, a morte súbita dos citros (MSC), a podridão floral dos citros, a rubelose e a tristeza. Isso sem falar nas pragas que atendem pelos nomes de ácaro-da-ferrugem, bicho furão, cigarrinha, minador dos citros, mosca negra, mosca-das-frutas e ortézia. Todas são de difícil controle, mas algumas têm merecido mais atenção por causa do potencial de destruição. O cancro cítrico, por exemplo, é um velho conhecido dos produtores. Os registros dão conta de que a bactéria causadora da doença apareceu pela primeira vez no país em 1957, na região de Presidente Prudente, no oeste do estado de São Paulo, tendo motivado, na oportunidade, a criação do Fundecitrus. "As lesões provocadas pelo cancro cítrico, que se propagam através das folhas, frutos e ramos, são salientes, diferentemente do que se vê na maioria das outras doenças e pragas", dizem os técnicos. Trata-se de um mal endêmico na área abrangida pelos municípios de Araçatuba e Presidente Prudente.

Vale fazer menção, também, à clorose variegada dos citros (CVC) e à morte súbita dos citros (MSC), doenças que parecem ter sido feitas sob medida para arruinar os pomares de laranja. Conhecida como amarelinho, a CVC surgiu pela primeira vez em 1987. É causada por uma bactéria que tem a habilidade de provocar o entupimento dos vasos responsáveis pela condução de água e nutrientes da raiz para a copa da planta. "A produção do pomar afetado cai rapidamente, os frutos ficam duros, pequenos e amadurecem precocemente", esclarece o Fundecitrus.

A MSC, por sua vez, é uma doença sem causa ainda definida (suspeita-se que seja provocada por um vírus), mas pode ser identificada pela coloração amarelo-alaranjada que surge na parte interna da casca do porta-enxerto (cavalo), abaixo da zona de enxertia. "É uma ameaça para a citricultura paulista, pois afeta todas as variedades comerciais de laranjas doces, tangerinas-cravo e poncãs enxertadas sobre limão-cravo (caso de cerca de 85% dos pomares paulistas e mineiros)", dizem os especialistas do Fundecitrus. Pesquisas mostram que os vasos do floema, que levam os produtos gerados na fotossíntese para toda a planta, inclusive a raiz, ficam bloqueados. Sem alimento, a árvore definha e pode morrer. "Assim como se dá com a CVC, a morte súbita dos citros provoca diminuição no tamanho, peso e quantidade dos frutos. A despeito de não terem valor comercial, eles podem ser consumidos porque não oferecem risco à saúde", explicam os técnicos.

Avanço da cana

As doenças e a necessidade de elevar a oferta estão forçando os citricultores a ampliar seu raio de ação dentro do estado de São Paulo. De acordo com o pesquisador Machado, do Centro Apta Citros, a cultura da laranja está se deslocando para o sul e o sudeste do estado. "No norte reina a ameaça da morte súbita dos citros, atualmente confinada entre os municípios de Frutal e Uberlândia, em Minas Gerais, e Barretos, em São Paulo", ele diz. É sabido que mais de um terço dos 645 municípios paulistas já dá abrigo a grandes pomares de citros, uma cultura que avança rapidamente e vai ganhando cada vez mais adeptos. Ainda segundo Machado, somam em torno de 14 mil os plantadores de laranja no estado, 70% deles de pequeno e médio porte. Ele também revela que as indústrias (as "esmagadoras") respondem por aproximadamente 30% da produção de citros. É preciso esclarecer que as doenças e as pragas não são os únicos problemas com os quais essa gente tem sido obrigada a conviver. A citricultura paulista se vê às voltas, ainda, com uma série de outros obstáculos que, a despeito de não prejudicarem propriamente a saúde do pomar, funcionam como travas ao bom desempenho do setor. Por exemplo, os citricultores não estão satisfeitos com os valores pagos pelas indústrias. Dizem que a desvalorização do dólar feriu a saúde financeira dos plantadores e que contratos fechados anos atrás estariam gerando perdas substanciais sobre os valores acordados. Fala-se mesmo que a cana-de-açúcar poderá tirar proveito desse imbróglio, uma vez que os produtores de laranja descontentes se sentirão tentados a arrendar suas terras aos usineiros. "É certo que a cana-de-açúcar proporciona alta rentabilidade, por se tratar de um negócio bem mais fácil de tocar", observa João Pedro Matta, diretor operacional da Coopercitrus. "Mas não é recomendável que o citricultor abandone a laranja em favor da cana. Ao contrário, deve diversificar a produção e, assim, a renda", diz.

Há mesmo quem garanta que a cana vai subtrair terras das pastagens e não dos laranjais. Seja como for, é bom não perder de vista que a citricultura, terceira força do estado de São Paulo (fica atrás apenas do açúcar/álcool e da pecuária), opera com uma cadeia produtiva que movimenta, anualmente, US$ 5 bilhões. É esperar para ver.

 

Comentários

Assinaturas