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Solidariedade e sustentabilidade para adaptação às mudanças climáticas

*Por Perci Guzzo    

    Viver com dignidade num futuro próximo requer que saibamos identificar e organizar um modelo de desenvolvimento, ou simplesmente uma maneira de viver em sociedade, que inclua todas as pessoas, todos os países e um modo prudente de manejar os ecossistemas e seus serviços prestados à humanidade. O modelo de desenvolvimento predominante na atualidade, centrado na produção e no consumo infinito de bens e serviços, resulta em problemas e conflitos flagrantes de exclusão social e de degradação ambiental. Os impactos socioambientais negativos não são internalizados pela economia de mercado. As regulações por meio da legislação e a gestão governamental não têm sido suficientes para colocar ordem no progresso.

    O Acordo de Paris para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, assinado em 2015 pela grande maioria das nações, é um esforço global que pauta a ciência como indutora das decisões afetas ao nosso futuro comum. Quando é definido como limiar, um aumento máximo na temperatura média do planeta de 2oC, tendo como perspectiva o ano de 2.100, considerando os estudos dos cientistas do IPCC – Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas -, é dado um sinal contundente ao modelo de desenvolvimento carbonizado ao qual estamos subjugados. Nós já vivemos as consequências de termos aumentado artificialmente 1,1oC a temperatura média da Terra em relação ao início do século XIX, quando teve início a Revolução Industrial em alguns países europeus. Eventos meteorológicos extremos tornam-se mais frequentes e se intensificam, como secas pronunciadas e mudança nos padrões de chuva. Estamos novamente sob a condição de crise hídrica no Centro-sul do Brasil. Parece que aprendemos pouco com a seca de 2014. É imperioso que planejemos modos de nos adaptar a situações climáticas inóspitas e que adotemos em maior escala, medidas para diminuir as causas do aquecimento global.

    Enquanto isso vicejam iniciativas de comunidades organizadas que criam diferentes modos de produzir, de comercializar e de gerir a abundância ou a escassez de recursos. No Brasil, nestes últimos dois anos, com o advento da crise sanitária provocada pela Covid-19 e o aprofundamento da crise política iniciada em 2014, as alternativas buscadas por essas comunidades ganham até mesmo o caráter de sobrevivência. É nesse contexto de dificuldade jamais experimentada que a solidariedade entra como um valor humano oportuno e uma opção prática para diminuir os sofrimentos prementes. É em meio à essa verdadeira tempestade que podemos também vislumbrar um modo de viver pautado na diversificação da economia. Essas experiências, reconhecidas atualmente como “boas práticas”, desenvolvidas por diferentes segmentos sociais, devem ser identificadas, integradas e fomentadas por governos locais e regionais, se constituindo em políticas públicas socioambientais. Podemos ir além dos editais e dos incentivos fiscais.

    A solidariedade é pautada pelo compromisso de ajudar e confortar. Ser solidário nos remete à condição coletiva de vida e de sobrevivência. Um exemplo atual de ajuda entre as nações é a quebra de patentes das vacinas desenvolvidas para controlar a disseminação do Sars Cov-2. No enfrentamento desta pandemia, o economista francês Thomas Piketty defende a ideia de deixarmos as ajudas internacionais de caráter neocolonial e evoluirmos para a ideia dos direitos à saúde, tendo em vista a prática da solidariedade internacional. De modo análogo, perante o novo regime climático, podemos adotar práticas e estabelecer novos regramentos jurídicos que visem confortar sociedades vulneráveis. E se assim o fizermos, caminharemos também na perspectiva da sustentabilidade.

    A sustentabilidade ambiental pode ser definida como a capacidade dos ecossistemas de manter e restabelecer fluxos de matéria e energia entre as comunidades de seres vivos e seu ambiente físico (subsolo, solo, água e ar), em um nível de equilíbrio dinâmico. O metabolismo de um ecossistema urbano, por exemplo, é altamente dependente da importação de recursos materiais e energéticos (água, alimentos, combustíveis, eletricidade e outros insumos) para dar suporte às atividades humanas. Sob o prisma da Ecologia e considerando o modelo econômico globalizado, as cidades não são nada sustentáveis, pois são altamente dependentes de seus ambientes de entorno e de ambientes transnacionais.
Uma noção importante no conceito de sustentabilidade ambiental é a continuidade do pleno funcionamento dos ecossistemas para dar suporte à vida das futuras gerações. Salienta-se também que o bem-estar das sociedades está ligado diretamente à prestação dos serviços dos ecossistemas. Uma atividade econômica pode ser mais ou menos sustentável em relação à outra. É o caso da agroecologia em comparação com a agricultura comercial de exportação.

    Na Região Metropolitana de Ribeirão Preto, por exemplo, encontramos um movimento pulsante de produção e comercialização de alimentos orgânicos a partir de práticas agroflorestais, agricultura biodinâmica e familiar. A maior parte desta região é constituída por ambientes e paisagens rurais nos seus 34 territórios municipais. O rural não deve ser visto como uma reserva de terras para incorporação imobiliária no futuro. Ao encontro à vocação das terras ricas em nutrientes e do desejo das pessoas ligadas ao campo – direta ou indiretamente - em proteger o meio ambiente, surgem e perenizam dezenas de ações que manejam a terra de um modo prudente; eu diria quase religioso. É dessa maneira que aos poucos e em pequena escala, as águas e florestas são restauradas e os alimentos sadios chegam às mesas das famílias. 

     Com esse cenário é possível dar um novo passo e buscar maior autonomia alimentar. A partir do instrumento de zoneamento ecológico-econômico, de incentivos financeiros e da sensibilização de proprietários de terras, pode-se definir as áreas para o cultivo de commodities agrícolas, reservar os espaços para a agroecologia – áreas de recarga do aquífero Guarani, por exemplo -, bem como recuperar as áreas de preservação permanente e de reserva legal. A sustentabilidade se concretiza quando o circuito entre a produção e o consumo passa a ser curto. Cadeias produtivas curtas também geram muitos empregos e frentes de trabalho.

    A busca por maior resiliência de territórios locais e regionais perante as mudanças climáticas é viável a partir do cultivo respeitoso das terras que estão ao nosso alcance. Soma-se a esta perspectiva, o fato da Organização das Nações Unidas (ONU), no último 5 de junho - Dia Mundial do Meio Ambiente -, ter declarado e dado início à Década da Restauração de Ecossistemas. Com suporte técnico, financeiro e educativo poder-se-á construir uma cultura e uma ética da sustentabilidade ambiental. Caso contrário, as cotas de sofrimento, de sequelas e de mortes serão bem maiores e custarão volumes exorbitantes de recursos financeiros.

    Como diz o ambientalista Ailton Krenak, “é preciso saber colocar a esperança em um lugar seguro”.

 

 

*Perci Guzzo é professor, ecólogo e mestre em geociências. Formado em Ecologia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Rio Claro, trabalha hoje na Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Ribeirão Preto/SP. É autor dos livros "Mais Céu" e "Prefiro Onde o Verde Prevalece".

Cordeiro de Sá assina as ilustrações dessa matéria. Escritor e ilustrador premiado, também atua como bonequeiro, artista visual, quadrinista, roteirista, animador e gestor social. Também é responsável pelas ilustrações dos livros "Mais Céu" e "Prefiro Onde o Verde Prevalece", de Perci Guzzo.

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Este artigo faz parte do Ideias e Ações para um Novo Tempo, projeto do Sesc SP que acontece de 1 a 15 de junho de 2021 e mapeia iniciativas socioambientais voltadas ao desenvolvimento local que tenham, entre outros atributos, potencial educativo e práticas de respeito ao ambiente e à diversidade cultural.

Saiba mais sobre o Ideias e Ações para um Novo Tempo.