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Inexplicável sentimento

Antonio do Nascimento

Neste pequeno texto fechando a revista, tentarei registrar lembranças de alguns momentos especiais e marcantes da minha vivência com um estilo de arte que despertou, e que continua despertando, a minha atenção e interesse. Trata-se da arte produzida pelos artistas instintivos, também chamada de naïf, arte que se convencionou designar de ingênua, primitiva, espontânea, popular, ou mesmo outro nome semelhante que possa ser empregado para descrevê-la.
Nasci e cresci em Pindorama, nome bem brasileiro para uma modesta cidade vizinha de Catanduva, e aos 19 anos fui para a capital, à cidade grande como se dizia por lá, em busca de novos desafios profissionais, outros estudos e vida independente longe dos pais. Sobre minha cidade natal, um estimado amigo puxa a brasa para sua sardinha brincando que Pindorama integra a região da grande Catanduva, que, cá entre nós, não é lá tão grande assim.
Depois de nove anos em São Paulo, com curso superior concluído e amadurecido por algumas experiências em empresas e escolas, bati às portas do Sesc para fazer o caminho inverso de anos atrás - da capital para o interior - acontecimento que proporcionar-me-ia inesperadas e agradáveis surpresas.
O ano de 1975 chegava ao seu final e lá fui eu participar do meu primeiro trabalho cultural em Assis, cidade que marcaria sobremaneira a minha existência, talvez tanto quanto Pindorama, São Paulo, Presidente Prudente, Bauru e, desde 1984, Piracicaba "que eu adoro tanto, cheia de flores, cheia de encantos".
Retornei a Assis nos anos seguintes, e ainda hoje trago bem vivos na lembrança os meus olhares de curiosidade e de fascínio percorrendo as paredes do escritório e da casa do meu novo amigo José Nazareno Mimessi, vislumbrando os guaches de Ranchinho (técnica que usava na época), os bichos de Chico da Silva, as obras de José Antonio e de Irene, e muitas outras preciosidades de uma arte até então desconhecida para mim, mas que provocou a minha imediata paixão pela simplicidade dos temas e assuntos, pelas cores vivas e riqueza de detalhes.
O Sesc levou-me até Assis, e o amigo Mimessi proporcionou-me as primeiras lições sobre arte primitiva, como ele preferia chamá-la. A partir daí, foi crescendo o meu interesse pelas pinturas dos artistas naïf, ampliando o meu aprendizado com leituras e pesquisas que acrescentavam novos conhecimentos a respeito dessa arte que prima pela espontaneidade, pelo desapego a regras e criação livre e solta.
Além destas particularidades da arte ingênua ou primitiva, constata-se ainda que alguns artistas expandem a sua criatividade para além dos limites do objeto criado, usando títulos sugestivos e curiosos, como Caiu com Cruz e Tudo, Corre Bicho Homem que o Boi te Pega, Só um Milagre Pode Sarvar (sic) o Silva, encontrados nas obras de José Antonio da Silva, um dos maiores nomes da arte brasileira.
Da mesma forma que alguns títulos de obras chamam a atenção, também existem artistas que recorrem a citações, como é o caso de Gerson de Souza que habitualmente registra no verso de suas telas: "Cada indivíduo é um universo. Amar acima de tudo! Sou uma folha solta levada pelos ventos. O artista é o operário da liberdade, da beleza e do sonho."
Ao longo de muitos anos, e graças ao Sesc, pude vivenciar valiosas e gratificantes experiências na organização de eventos, na aproximação e no contato direto com artistas, críticos, galeristas, colecionadores, estudiosos e instituições culturais. Constatei e senti o valor desse trabalho, assim como o seu significado para o meu crescimento pessoal e cultural, tendo o privilégio de conhecer mais de perto, não só como artistas, mas também como pessoas especiais, Poteiro, Iracema, Waldomiro, Eliza, Rosina, Edson, Gerson, Isabel, Henry, Elza, José Luiz, Darcy, Nilson, Toninho, Carmela, Daniel, Fuzinelli, Ranchinho, Lourdes, Inácio, Carlos Alberto, Tânia e muitos outros que jamais esquecerei.
O inexplicável sentimento que um dia brotou em Assis vem até hoje gerando eventos que possibilitam aos interessados um aprendizado mais constante e consistente sobre essa arte de criação instintiva, de técnica simples e que muito tem a ver com a nossa realidade sociocultural.

Antonio do Nascimento, formado em Geografia, é gerente-adjunto do Sesc Piracicaba