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Poesia Virtual e Concreta

Em depoimento exclusivo, o poeta concretista Augusto de Campos fala de sua participação na Mostra Sesc de Artes, da influência da informática em seu trabalho e dos 50 anos da poesia concreta

Sinto-me à vontade para participar desse projeto, pois já tive oportunidade de atuar em mais de uma intervenção desse tipo. Lembro a instalação do arquiteto Maurício Fridman, em 1975. Ele ocupou a praça da Rua Conceição Veloso, na Vila Mariana, com uma imagem de Leonardo da Vinci e com uma estrofe do meu poema "Bestiário", que descia pelo muro, partindo de vários pontos, e se espraiava pela calçada e pela rua. Com Júlio Plaza estive presente no projeto Luz Acesa, organizado por ele em 1982. Num grande painel eletrônico (7 x 14 m, 8 mil lâmpadas comandadas por dois computadores), foram expostos o meu poema Quasar e Luz Azul, de Plaza. O painel ficava no alto de um edifício entre a Avenida São João e a Prestes Maia. Do Viaduto do Chá tinha-se uma ótima visão dele. Recordo ainda a instalação do poema Cidade, montado também por Júlio Plaza em letras de madeira pintadas de vermelho, que se estendiam por cerca de 50 m na parte frontal do edifício da Bienal. Isso se deu em 1987. Uma experiência muito especial foram os poemas projetados a laser em edifícios da avenida Paulista, em 1991. A minha participação nesses e em outros eventos da mesma espécie se deve à própria natureza da poesia concreta, por seu inusitado apelo visual.

50 anos de poesia concreta
Depois do seu explosivo lançamento em 1956, a poesia concreta teve vários desenvolvimentos. Pelo menos duas gerações de poetas ligados a ela surgiram nas décadas de 1960 a 1980, revelados ou divulgados nas revistas experimentais Invenção, Código, Artéria, Corpo Estranho, Através, Muda, Zero à Esquerda e Atlas. Porém, mais importante do que citar nomes - e seriam muitos - é observar que a poesia concreta continua a provocar e a dividir opiniões. Há até hoje suplementos culturais de grandes jornais e setores de letras universitários em que a poesia concreta é tabu e seus simpatizantes são objeto de ira e discriminação. Sinal da sua vitalidade.

Era digital
A meu ver, a informática repotencializou as vanguardas do início do século passado (futurismos, dadás) e a retomada construtivista de suas propostas pela poesia concreta a partir de Mallarmé. Um Lance de Dados, o poema espacial de Mallarmé, encerra uma era e inicia outra (aliás, a primeira versão do poema foi publicada em 1897, a definitiva em 1914). E parece prever futuros desenvolvimentos tecnológicos. As suas "subdivisões prismáticas da Idéia" podem hoje ser vistas como "links" de um hipertexto, propulsionado pelo motivo principal (Um Lance de Dados Nunca Abolirá o Acaso). Ao retomar o projeto mallarmaico nos anos de 1950 (época em que esse poema era tido como um fracasso pela própria crítica francesa), a poesia concreta, com a sua proposta "verbivocovisual", apontou antenas para formas de comunicação ainda invisíveis. Era a época da tevê em preto-e-branco. Poucos imaginavam, então, a nova revolução tecnológica que ocorreria na década de 1980 com a chegada dos computadores pessoais.
Para o meu trabalho, as ferramentas tecnológicas dos programas de computador foram essenciais, e é claro que passei a utilizá-las desde que tive acesso a elas. O primeiro contacto (de 3º grau...) foi em 1984, num projeto artístico realizado com computadores da Intergraph, quando orientei a digitação do meu poema Pulsar, convertido em clipe pela equipe do Olhar Eletrônico, com a colaboração de Wagner Garcia, Mário Ramiro e minha. Mas só em 1991 pude ter um computador pessoal.
Quando adquiri o meu primeiro computador, me senti num mundo inteiramente familiar, congenial ao meu temperamento. Era o que sonhava quem exclamara em 1953 (no prefácio aos poemas em cores de POETAMENOS): "mas luminosos ou filmletras, quem os tivera?". Eu podia agora, finalmente, lidar com uma ampla gama de tipos, espacializar meus textos na tela, montá-los, colageá-los com imagens. Com a vertiginosa evolução de hardwares e software", as ferramentas computacionais passaram a ensejar o uso de milhões de cores, filtros fotográficos, tridimensionalidade, animação. Em pouco tempo eu tinha, em casa, um pequeno estúdio que me permitia não só projetar, criar e arte-finalizar os meus poemas, mas também animá-los. Por outro lado, as ferramentas digitais abriram caminho para projetos interdisciplinares, como o CD e o espetáculo intermídia Poesia é Risco, com meu filho, o músico Cid Campos, e o videasta Walter Silveira. A Internet, por fim, sugere uma contra-rede arterial de informação, à medida que novos programas de memória condensada possibilitam o envio e a exposição de obras mais complexas. Em meu site www.uol.com.br/augustodecampos, pude já apresentar inclusive algumas animações da série dos Clip Poemas, que mostrei na exposição Arte Suporte Computador, na Casa das Rosas, em 1997, e que foram objeto do meu bate-papo no Sesc Carmo. É o que chamo de comunicação "interguética" ou "interguetos", ou seja, a comunicação arterial entre poetas das mais variadas partes do mundo, através da qual as "reservas" dessa espécie quase extinta podem estabelecer contato e encontrar uma forma de resistir à vulgarização globalizada.

Augusto de Campos esteve presente no Sesc Carmo, dentro da programação da Mostra Sesc de Artes - Ares e Pensares