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Professores e demais profissionais da área da educação abordam, em artigos exclusivos, a importância do ensino à distância para a formação do País

Fredric Litto
é presidente da Associação Brasileira de Educação à Distância (Abed)

Se crescimento constante for um sinal de que algo vai bem, então podemos dizer que, pelo aumento dos números relacionados ao último Congresso Internacional da Associação Brasileira de Educação à Distância (Abed), a comunidade de profissionais nacionais que lidam com essa abordagem educacional vai muito bem. Setecentos e cinqüenta congressistas participaram do evento, que foi realizado no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, de 2 a 4 de setembro, com dez minicursos pré-congresso oferecidos nos dias 31 de agosto e 1º de setembro.
Uma vez que a Abed é principalmente uma sociedade científica que reúne brasileiros que além da prática profissional de Educação à Distância (EAD) têm interesse na investigação sistemática do fenômeno, é importante notar o crescimento ocorrido em relação ao número de trabalhos submetidos para apresentação e o número aceito: em 2002, 120 trabalhos científicos (aumento de 20% sobre o ano anterior) foram submetidos por brasileiros de universidades, empresas, colégios e órgãos governamentais em todo o País, e 60 foram escolhidos por critérios de excelência. Cinqüenta e um por cento dos participantes do congresso eram do mundo acadêmico (44,6% de instituições particulares, 43,9% de instituições públicas e 11,5% de universidades corporativas), 33% eram de empresas, 6% eram de órgãos do governo e 10% eram de outras afinidades.
As fichas de avaliação do evento, preenchidas por 269 participantes, revelam que, juntando as categorias "ótima" e "boa", 87% aprovaram o temário do congresso e 90% consideraram os conferencistas muito bons.
Entre os estrangeiros que ministraram cursos e conferências, alguns são personagens célebres de EAD: Robin Mason e Greville Rumble, ambos da Open University do Reino Unido, são autores conhecidos; Frank Rennie, da Escócia; Terry Anderson, do Canadá (que ministrou um minicurso sobre novas metodologias de pesquisa em EAD); Stella Porto, dos EUA (que ministrou um curso sobre avaliação); Rafiq Khan, do Canadá (que apresentou um relato e um curso sobre as aplicações educacionais da Internet da 4ª geração, já funcionando naquele país); Mor Seck, do Senegal (que coordena para o Banco Mundial um projeto de EAD para empresários); Annete Odell, da University of Missouri, e Marta Mena, vice-presidente para a América Latina do ICDE - International Council for Distance and Open Learning -, que apresentou o cenário da EAD na região.
Entre os brasileiros, Arnaldo Niskier abriu o congresso com uma palestra pessoal e bem-humorada, que teceu considerações sobre o estado da arte de EAD no País; e Eduardo Machado ofereceu uma exposição das diretrizes que estão sendo planejadas pelo MEC com relação à EAD.
Tradução simultânea foi feita em três línguas durante todo o congresso (71,4% de aprovação); os participantes elogiaram a organização geral (78,4%), a recepção e o credenciamento (92,9%). Os Prêmios Abed/Embratel para Excelência em EAD foram outorgados à Unicamp (para o ambiente de gestão de aprendizagem na web "Teleduc") na categoria de pesquisa, ao Sebrae (por um programa educativo radiofônico) e à Universidade Federal de Santa Catarina (por um estudo de caso).
Uma feira de 20 estandes permitiu maior contato entre empresas que ofereciam produtos e serviços e congressistas interessados.
Tanto em número quanto em qualidade, os congressos da Abed, assim como a comunidade de EAD em geral no Brasil, estão crescendo favoravelmente, apesar dos constrangimentos econômicos que dificultam empreendimentos de qualquer tipo. Todos os resultados do 9º Congresso da Abed (os trabalhos científicos, slides em PowerPoint dos conferencistas e os resultados das avaliações) já estão no site da Abed (www.abed.org.br/congresso2002), disponíveis para todos, como forma de estimular o crescimento continuado da EAD no País.


Andréa Steil
é gerente de processos de E-learning do Laboratório de Ensino à Distância da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Em 1985, o programa de pós-graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), do qual o Laboratório de Ensino a Distância (LED) faz parte, elaborou um planejamento estratégico cujos desafios iniciais eram fortalecer a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico e estabelecer uma forte integração com o setor produtivo.
Desde então, todas as ações do LED/UFSC vêm sendo pautadas por esses objetivos e pelo comprometimento com a excelência e uma visão de futuro. A criação do LED, em 1995, foi o meio estabelecido para garantir essa forte integração com o setor produtivo; a sua criação permitiria que um maior número de pessoas e instituições tivessem acesso ao conhecimento, à pesquisa, ao desenvolvimento tecnológico de qualidade e ao domínio das novas tecnologias em parceria com a universidade.
O diferencial das instituições que trabalham com Educação a Distância (EAD) em todo o mundo está na pesquisa constante, que permite a evolução e o aprimoramento de suas práticas e produtos. É acreditando nessa premissa que o LED/UFSC criou em 1996, junto ao programa de pós-graduação em Engenharia de Produção, a área de Mídia e Conhecimento para que, mais do que fazer cursos à distância, ele se consolidasse como um centro de pesquisa, produção e distribuição de conhecimento sobre o tema.
EAD não é uma atividade nova, embora tenha tido impulso impressionante nos últimos dez anos com o desenvolvimento das Tecnologias de Informática e Comunicação.
A importância da EAD para a formação e qualificação pode gerar ganhos enormes de produtividade, competitividade e mudança social para o País, chegando até uma população que não tem como freqüentar presencialmente cursos superiores.
Temos então duas questões fundamentais: o desenvolvimento tecnológico, que vai continuar gerando produtos cada vez mais sofisticados e baratos, permitindo que uma parcela maior da população possa ter acesso a computadores, Internet, linhas de transmissão e à demanda por educação, formação, treinamento, capacitação, que já é enorme e vai continuar crescendo.
O desafio é como realizar as ações de EAD de forma eficaz e com qualidade. E a resposta está em iniciativas como o Congresso Brasileiro de Educação à Distância, organizado pela Associação Brasileira de Educação à Distância (Abed), em agosto, em São Paulo. A apresentação de casos, a discussão acadêmica, a formação de parcerias e a premiação de trabalhos de destaque são a garantia de que o Brasil se coloca no mesmo patamar das chamadas nações desenvolvidas no que se refere à pesquisa em EAD.
O LED/UFSC participa ativamente do congresso da Abed desde 1997. Os contatos e as indicações obtidas nesse evento foram importantes para a criação do Modelo de Educação à Distância que utilizamos, construído com base em pesquisas, em sintonia com as melhores universidades do mundo e totalmente brasileiro. O resultado desse trabalho foi a menção no Livro Verde da Sociedade da Informação, no qual o LED/UFSC é a única instância universitária brasileira que possui "experiência notória em Educação à Distância". O LED/UFSC também recebeu em 2002 o Prêmio Excelência em Educação à Distância concedido pela Abed em parceria com a Embratel, com o projeto O Modelo Pedagógico da Pós-Graduação Presencial-Virtual do LED/UFSC, sendo a única instituição que trabalha com EAD no Brasil a ter premiado seu modelo pedagógico.


Eduardo Machado
é coordenador-geral de Implementação de Políticas Estratégicas para o Ensino Superior, do Ministério da Educação

A educação à distância foi introduzida no sistema educacional brasileiro no final de 1996, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. O objetivo foi criar uma alternativa ao ensino presencial. O quadro legal, todavia, apresenta inadequações, face à realidade atual da educação à distância. O modelo de educação à distância que o legislador parece ter tido como referência, do ponto de vista da incorporação de recursos tecnológicos, não vai além da teledifusão, e a estratégia explicitada aponta para programas emergenciais e de educação continuada.
O histórico de experiências brasileiras com educação à distância ficou praticamente restrito, até os anos de 1990, ao hoje denominado ensino básico, especialmente ao ensino médio e a alguns cursos livres profissionalizantes. Em 1998, época da publicação da regulamentação da LDB, havia um único curso de graduação semipresencial, autorizado em caráter experimental, oferecido pela Universidade Federal de Mato Grosso e dirigido para a formação em nível superior de professores da rede pública do Estado.
Atualmente, 20 instituições estão credenciadas para a oferta à distância de licenciaturas para os anos iniciais e segunda fase do ensino fundamental, além do ensino médio e de bacharelados. Há, ainda, credenciamentos exclusivos para oferta de cursos de pós-graduação lato sensu. São ofertados, presentemente, 35 cursos de graduação à distância com funcionamento autorizado, após avaliação e aprovação pelo MEC.
O ensino superior à distância tem hoje cerca de 50 mil alunos; mais de 95% deles estão matriculados em licenciaturas para formação de professores da rede pública.
Os projetos de cursos de graduação à distância apresentados ou aprovados até o presente reproduzem, em sua quase totalidade, o modelo pedagógico e a organização curricular dos cursos de graduação. Quase todos são cursos semipresenciais e a tecnologia mais moderna utilizada como recurso pedagógico em alguns deles é a teleconferência. A utilização de computadores e de redes, como a Internet, é ainda limitada, especialmente nas licenciaturas.
Uma expansão mais acelerada da educação à distância irá requerer, como próxima etapa, política e iniciativas públicas destinadas a propiciar o acesso, ainda muito limitado no Brasil, a computadores pessoais conectados a redes. Da mesma forma, são necessárias iniciativas educacionais voltadas para aumentar a proficiência na utilização das modernas tecnologias de comunicação e informação, ou seja, aumentar a chamada alfabetização digital.
A preocupação do Ministério da Educação é a de assegurar que a ampliação da oferta e do acesso à educação superior, por meio da incorporação de novas metodologias e tecnologias, não apenas preserve os melhores padrões de qualidade já atingidos pelo ensino tradicional, mas os aperfeiçoe. Foi essa vertente que a Portaria nº 2.253/01 procurou abrir à iniciativa das instituições, ao permitir a oferta não-presencial, parcial ou total, de disciplinas curriculares, até o limite de 20% da carga horária total prevista para a integralização de cada curso superior presencial reconhecido.
Ao final de 2001, por proposta da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação, foi criada uma Comissão Assessora para proceder a uma revisão das normas e procedimentos vigentes, relativos à educação superior à distância. Essa proposta foi concluída em setembro de 2002 e será discutida pela Secretaria de Educação Superior com o Conselho Nacional de Educação. Espera-se o estabelecimento de um quadro normativo e de procedimentos de orientação, supervisão e avaliação mais bem sintonizado com o potencial de contribuição das tecnologias de informação e comunicação ao objetivo de expansão e melhoria da qualidade e flexibilidade da oferta da educação em nível superior.


Beatriz Scavazza
é coordenadora executiva do Programa de Educação Continuada da Secretaria Estadual de Saúde e pesquisadora da Fundação Carlos Alberto Vanzolini

É inegável o esforço dos sistemas de ensino na introdução e disseminação do uso de tecnologias de informação e comunicação nos processos de formação e de educação continuada. Essa tem sido uma preocupação constante das agendas públicas e privadas de investimentos, pelo menos nos últimos dez anos, período em que a infra-estrutura de tecnologia teve avanços significativos, tanto no contexto das instituições educacionais e de recursos humanos das organizações produtivas quanto no âmbito mais geral.
Por outro lado, todo esse esforço pressupõe que a utilização massiva de tecnologias de informação e comunicação possa alterar paradigmas da ação educativa e de formação profissional aprimorando os processos de ensino e de aprendizagem. As TIC podem promover facilidades de pesquisa, acesso à informação atualizada, troca de experiências e aprendizagem cooperativa e em serviço; podem ainda abrir novas possibilidades para a implementação de projetos institucionais permanentes de capacitação em larga escala, cenário esse que permite projetar a educação à distância como uma estratégia a ser privilegiada.
Em outras palavras, o que se pretende com a utilização dessas tecnologias, é a geração de inovações importantes nos processos educativos, inovações capazes de permitir que a educação atenda mais claramente às aspirações e necessidades das sociedades humanas no novo cenário mundial, em que o conhecimento e a capacidade de aprender e criar soluções são aspectos essenciais para o desenvolvimento e bem estar das populações e nações.
Um dos principais desafios da Secretaria de Educação de São Paulo - SEE - é manter informados e atualizados os seus quase 300 mil profissionais.
A dispersão geográfica e as várias demandas de especialização e capacitação do quadro funcional da SEE levaram à decisão de busca de uma solução descentralizada para treinamento em serviço privilegiando o intenso uso de tecnologia de informação e comunicação como forma de: diminuir custos, ampliar o número de participantes, evitar o deslocamento de pessoas, reduzir o afastamento dos servidores do trabalho para participação em atividades de capacitação, criar oportunidades de troca de experiências e, não menos importante, garantir a qualidade do processo ensino-aprendizagem, uma vez que o acesso a especialistas passa a ser possível a um número maior de pessoas.
Em sua primeira fase a Rede PEC - Rede de Programas de Educação Continuada - teve o papel estratégico de permitir que a SEE implantasse um programa especial de qualidade indiscutível com a finalidade de oferecer formação universitária para cerca de 7 mil professores efetivos da rede estadual, em atendimento às exigências da Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB - que determina a necessidade de formação em nível superior para os professores de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental a partir de 2006, convidando para desenvolver o conteúdo três das maiores universidades do País: USP, UNESP e PUC-SP.
A Rede PEC é constituída por 101 ambientes de aprendizagem (nas unidades escolares da rede estadual) e por 22 ambientes de ensino (nas universidades e unidades centrais da própria SEE), além de uma Central de Operações que faz a gestão técnica, operacional e de produção de materiais de apoio às atividades.
Implantar a Rede PEC trouxe alguns desafios: criar, implantar e operar um sistema de gestão da Rede PEC, de forma a garantir que os objetivos de cada atividade de capacitação fosse atingido; desenvolver um matriz metodológica de aplicação de e-learning que integrasse várias mídias (impressa, CD-ROM, Internet, videoconferência, teleconferência), a partir da definição dos objetivos de aprendizagem que se pretende atingir; e implantar um processo de trabalho cooperativo inter-institucional, gerando um programa especialmente dirigido aos professores da rede estadual.
Há também que se destacar a grande contribuição deste processo para as universidades e docentes que participam do processo, no sentido do uso intensivo de mídias interativas aplicadas ao processo educacional em substituição aos métodos tradicionais de ensino.
Os resultados positivos desta experiência inovadora de formação de professores com o uso intensivo de TIC está sendo estendido também aos professores das redes municipais do Estado.


Cláudio Possani
é do Departamento de Matemática da USP e assessor da Coordenadoria Executiva de Cooperação Universitária e de Atividades Especiais

É possível identificar três fatores que se conjugam para que o tema da educação à distância se encontre no centro dos debates entre educadores brasileiros: as dimensões continentais do Brasil, o déficit educacional de nosso País e o advento de novas tecnologias, cada vez mais acessíveis, como a Internet.
O tema é apaixonante e está longe de despertar unanimidade entre os educadores e os gestores de políticas educacionais. Há resistências que vão desde o mais anacrônico e desinformado dos medos: "querem acabar com os professores", até o mais ingênuo dos otimismos, aquele que acredita que tudo que é moderno é melhor: se é pelo computador então vai funcionar.
Vamos às origens: a idéia de educação à distância nasceu no século 19. Nos países do norte da Europa, as crianças recebiam, pelo correio, atividades para serem desenvolvidas em casa, nos períodos mais rigorosos do inverno. E não devemos nos esquecer da centenária Open University de Londres que já formou centenas de milhares de alunos.
Hoje vários países desenvolvem projetos para que a educação atinja o maior número de pessoas, inclusive aquelas que por qualquer motivo não podem temporária ou definitivamente freqüentar os bancos de uma escola regular. Além da educação formal existem projetos admiráveis de educação à distância em grande escala: a Universidade Corporativa da IBM é uma grande rede de qualificação que atende mais de 200 mil funcionários da empresa prevendo, sempre que necessário, reuniões presenciais. Vários países desenvolvem projetos de "cidades-que-aprendem" utilizando a Internet: além de Portugal e Itália, a Finlândia desenvolveu um projeto (até 2001) que qualificou os 200 mil moradores da Lapônia em suas casas. O projeto prevê que até 2010 todo morador da região possa "freqüentar à distância" os cursos regulares da Universidade da Lapônia.
Citei estes exemplos para reforçar a idéia de que é possível haver ensino de qualidade na modalidade à distância. E o Brasil?
No Brasil temos várias iniciativas em andamento que merecem ser divulgadas e apoiadas. Uma delas é o consórcio Cederj, que reúne as Universidades Públicas, estaduais e federais, do Rio de Janeiro que oferecem um leque de opções de cursos de licenciatura oferecidos à distância. Este consórcio reuniu grandes nomes das universidades baseadas no Rio e teve muita criatividade para superar todos os desafios, incluindo o financiamento do projeto e a realização de parcerias com municípios.
Há outras iniciativas em nossas Universidades em que pelo menos parte das atividades didáticas são desenvolvidas à distância. Este movimento no Brasil tem sido lento pois, na maioria dos casos, os professores não dispõem de estruturas de apoio e por isso agem com cautela e estão aos poucos assimilando esta nova forma de se relacionar com seus alunos.
Todo educador ou gestor educacional que se debruce sobre os conceitos de educação à distância pode estar certo de dois princípios fundamentais. Primeiro: o uso da Internet como ferramenta educacional não é um modismo, como tantos na Educação. Trata-se de uma realidade inexorável e que trará mudanças mais profundas e mais abrangentes que a invenção da imprensa por Gutemberg no século 15. Talvez aí esteja a verdadeira democratização do acesso à cultura e à educação. A segunda certeza é que o professor não vai desaparecer, ele continuará a ser um ator fundamental no processo ensino-aprendizagem, mas desempenhando um novo papel, que começa a se delinear e implica uma grande interação com os alunos, diferente daquela que ocorre na sala de aula tradicional, mas não menos rica. Afinal para conduzirmos com sucesso um processo de ensino e aprendizagem pela Internet (ou qualquer outro meio à distância) não basta reproduzir um texto ou aula numa tela de computador. Como o meio é outro, a estruturação do processo há de ser outra, mas ainda com a forte participação das pessoas, alunos e professores, cada qual no seu papel.