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Bem estressado

Evento mostra como é possível reverter o estresse do dia-a-dia em benefício da saúde física e mental. Seria um bom estresse? Sim, ele existe

Imagine as seguintes situações: um caçador faminto espreitando sua caça, um homem pré-histórico fugindo de uma fera, um executivo atrasado preso no trânsito, um jovem vestibulando à espera do resultado de sua prova. O que esses indivíduos têm em comum? Todos estão passando por um fenômeno biológico, de estímulo externo, que atinge os sistemas nervoso e endócrino, que libera uma carga extra de hormônios na corrente sangüínea, colocando o indivíduo em um estado alterado. Ou, simplificando, todos estão passando por uma situação de estresse.
Diferentemente do que se convencionou pensar - muito pela abordagem monotemática da mídia -, esse estado não pode ser considerado um fenômeno exclusivo da vida moderna. "Historicamente, a gente pode associar o seu surgimento ao aparecimento do próprio ser humano", explica o psicólogo Esdras Guerreiro Vasconcelos. "O organismo se desenvolveu para reagir, fugindo ou atacando. Se o motivo fosse a fome, o homem atacava; se ele estivesse sendo ameaçado, ele tinha de fugir daquela situação." Esdras, que também é diretor científico do Instituto Paulista de Estresse (IPSPP), explica que o fenômeno é primordialmente biológico. "Depois se torna psicológico na medida em que se desenvolve um núcleo do cérebro, chamado córtex cerebral, que permite ao indivíduo ter estresse - e reagir a ele - psicologicamente." Ainda segundo sua análise, durante o processo de civilização, a humanidade deixou de ter de caçar, por exemplo. Ou seja, a própria mudança de estilo de vida causada pela evolução social do homem fez com que o estresse deixasse de ser o da sobrevivência e passasse a ser causado pelas atribulações e pressões típicas de uma vida civilizada. "O que se chama de estresse da vida moderna", conta.

Qualquer idade, qualquer cidade
Em seu livro Todo Mundo Tem Stress (o termo é usado em inglês), o professor Esdras mostra como todos nós estamos expostos a esse fenômeno e constata que definitivamente não há como fugir dele. Também contrariando o senso comum, a fase adulta não é a única na qual temos de conviver com esse estado biológico. A infância, a adolescência e, posteriormente, a terceira idade são também carregadas de situações que levam a essa alteração. "A criança tem muito estresse", explica Esdras. "Ela começa a ter, desde cedo, uma competitividade muito grande na escola. Depois vêm as mudanças e incertezas da adolescência, enquanto o idoso se vê às voltas com as preocupações - de saúde e mesmo sociais - típicas da idade."
O estresse ignora idade e geografia: não importa, portanto, se você mora numa louca metrópole ou numa bucólica cidade do interior ou numa casinha à beira do lago. "É claro que para quem mora em São Paulo os fatores causadores de estresse são em maior quantidade e mais freqüentes", continua. "Mas o sujeito pode morar numa cidade pacata do interior e ter um espírito que busque diversidade cultural, mais informação e maior desenvolvimento profissional, por exemplo. Essas são coisas geralmente difíceis de se encontrar numa cidade menor. Daí, essa pessoa se verá às voltas com o estresse decorrente da eventual ausência dessas coisas, se vendo limitada em suas possibilidades." Ou seja, ao que diz respeito à poluição, qualidade de vida, alimentação, deslocamento espacial, convívio pessoal etc., uma cidade pequena pode ser menos estressante. Mas as situações que geram esse estado possuem naturezas tão diversas - dificuldades financeiras, relacionamento familiar, amoroso e tantas outras - que se torna impossível ao homem fugir delas.
O bom estresse: ele existe
No entanto, justamente por essa "convivência obrigatória", estudos e pesquisas revelaram alguns mitos sobre essa famigerada alteração. E as novidades são estimulantes. O nervosismo, a irritação e a impaciência - além dos fenômenos fisiológicos e até surgimento de doenças de origem psicossomática - são, na verdade, uma reação a esse processo biológico que se denomina estresse. Logo, mesmo tendo como princípio idêntico fenômeno biológico, a interpretação do organismo pode ser diferente, dependendo da personalidade do indivíduo e, claro, da situação a que ele está sendo exposto. "Pegue, por exemplo, um congestionamento", retoma Esdras. "Na verdade nós temos aí pelo menos dois fatores de estresse que atingem e excitam o eixo neuroendócrino de uma pessoa: o atraso e a sensação de imobilidade. Isso pode provocar reações típicas de uma situação estressante: taquicardia, transpiração, contração dos músculos etc. Ou seja, o processo metabólico começa a produzir mais adrenalina, ou mais cortisona, seus níveis de serotonina caem, enfim, todo um complexo endocrinológico (hormonal) se altera em virtude dessa situação, além do processo psicológico que leva a pensamentos e sentimentos. Porém, você possivelmente pode encontrar uma pessoa que vá sair do carro para ver o que está acontecendo, vai buzinar, tentar passar na frente, enquanto outra pode aproveitar para pôr a leitura em dia, ouvir uma música e dizer 'não posso fazer nada, isso é São Paulo'." Esse exemplo ilustra, assim, a bifurcação que surgiu no caminho do estresse. Segundo os especialistas, o primeiro indivíduo - irritado e impaciente - apresentará um quadro de distress (o mau estresse), enquanto o segundo - mais calmo e ciente de seus limites naquela situação - terá o eustress (o bom estresse). Mais curioso ainda é perceber que situações positivas, como encontrar alguém querido na rua, ganhar um aumento ou passar no vestibular, também provocam estresse, só que eustress. Esdras explica: "Em situações como essas a pessoa também tem uma 'adrenalização' imensa, aparecem novamente a taquicardia, a transpiração, a ansiedade e a excitação; no entanto, o nosso aparelho psicológico interpreta aquilo como bom. Você tem, então, alegria." E isso quer dizer que alguns hormônios específicos, responsáveis pelo sentimento de alegria, foram liberados. "O processo básico é o mesmo, mas o resultado final é outro."

Avalie o seu estresse
Os interessados em saber mais sobre as diferentes implicações do bom e do mau estresse - e, mais, que queiram descobrir como lançar mão do eustress com maior freqüência para uma melhoria na qualidade de vida - podem visitar o Sesc Consolação até o dia 30 de novembro. Lá acontece o projeto Estresse: Perigoportunidade, um evento que vai passar a limpo todas as dúvidas sobre o assunto.
O projeto, composto de uma enorme instalação cenográfica, palestras, vivências, aulas abertas, intervenções artísticas e apresentações musicais, é mais uma ação do Núcleo Multidisciplinar de Saúde Corporal da unidade, que já desenvolveu atividades focando a respiração, os benefícios da ioga e a postura, além de um projeto que tratava da saúde de modo geral, o Estação Sesc Saúde. "Nós começamos a perceber que o estresse tem sido muito abordado em revistas, jornais e na mídia em geral", explica Cristiane Lourenço, técnica da unidade. "No entanto, vimos também que esse tema mesmo sendo recorrente, e talvez por isso, estava sendo meio banalizado. Nós fomos pesquisarmais a fundo e encontramos uma série de trabalhos científicos sobre o assunto. Porém, além desse conhecimento acadêmico, nós queríamos que as pessoas vivenciassem esse tema, de forma lúdica e interativa. Seguindo as pistas reveladas pela pesquisa, chegamos até uma série de profissionais que podiam, junto com a equipe técnica do Sesc Consolação, trabalhar para o resultado desejado. E entre esses profissionais está o próprio professor doutor Esdras Guerreiro Vasconcelos, que nos deu toda a assessoria técnica neste projeto."
Senão o equipamento mais atraente do projeto, seguramente um dos mais interessantes, os Túneis de Sensações evidenciam o caráter lúdico e interativo do evento. Trata-se de uma instalação cênica com uma função bem específica: simular situações que normalmente causam estresse e que podem ser interpretadas de maneira positiva ou negativa pelo organismo. São dois túneis, o do distress e o do eustress, que devem ser percorridos nessa ordem, ou seja, primeiro o visitante se irrita para depois relaxar. "É claro que não é nada que leve a nenhum tipo de nervosismo real", adianta Cristiane. "Como há iluminação e trilha sonora especificamente criadas com esse intuito, a experiência pode ser convincente." No primeiro túnel o visitante passa por 11 módulos com situações que seguramente o levariam ao distress no nosso cotidiano: multidão, urgência de tempo, competitividade, violência e coisas assim. O último deles representa o início da mudança - "Todo distress pode se transformar em eustress", avisa o catálogo do evento. É o módulo chamado de Ponto de Mutação. Logo após iniciam-se as experiências positivas, com cinco simulações criadas para acalmar os ânimos (induzir o relaxamento). A natureza, o exercício físico, a ludicidade, os relacionamentos afetivos e a rede social compõem esse caminho de volta ao equilíbrio. "O que nós queremos mostrar com esse projeto", retoma Esdras, "é que o estresse pode ser tanto um perigo para a saúde quanto uma grande oportunidade para você criar coisas novas. Daí o próprio nome do evento. Sem o estresse não se cria nada novo e a gente não evolui. Nós não precisamos mais dele para matar o tigre ou o leão, mas precisamos dele para produzir", atesta.


Rede social - Nenhum homem deve ser uma ilha
O que também nos acompanha desde criança até nossos últimos anos de vida - ou ao menos deveria - é a chamada rede social, apontada como um dos fatores determinantes da reversão do distress para o eustress.
Em palestra ministrada nos dias 4 e 11 de novembro, o médico homeopata e terapeuta familiar, Amadeu Amaral, tratará especificamente dessa relação. "Não há nada mais estressante que se sentir sozinho", lembra o médico. "O indivíduo tem grande pavor de ser excluído de seu grupo. E a rede social - amigos, família, relações no trabalho etc. - funciona como a rede do trapezista, ela o ampara na queda, e isso dá a tranqüilidade necessária para seguir a vida."
Segundo o doutor Amaral, o conceito de rede social está ligado diretamente à sobrevivência do ser humano. "O homem não nasceu para viver sozinho. Ainda que algumas pessoas equivocadamente se achem auto-suficientes", explica o médico. A vida em uma grande metrópole também aparece como elemento causador dessa individualidade nefasta que ronda o homem moderno. Porém, na visão do doutor Amaral, essa mesma metrópole oferece a solução. "Quanto a essa questão de viver numa grande cidade, considerada cruel, fria e impessoal, existem dois lados a serem analisados: primeiro é verdade dizer que ela pode contribuir para uma vida mais isolada, mas, por outro lado, só uma metrópole pode oferecer a diversidade de tipos de pessoas que assegura a todos ter o seu grupo, por assim dizer."
A dica do doutor Amaral é nunca descuidar dessa rede social que nos forma como cidadãos e seres humanos. Mesmo que a vida atribulada não reserve tempo para uma longa conversa com seu amigo ou uma visita mais demorada aos pais, pequenos gestos podem garantir que essa rede não se desfaça. "Pegue o telefone e gaste um minuto com seu amigo", aconselha. "Nem que seja só para dizer: 'Liguei para saber como você está, depois a gente conversa com calma'." Eis uma boa maneira de transformar o distress da vida moderna em eustress que tanto reverte numa melhoria de nossa saúde física e mental.