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Ares e Pensares

Mostra Sesc de Artes invade as unidades da capital e da grande São Paulo com a proposta de repensar a relação entre público e artistas

O aclamado pianista norte-americano Keith Jarrett costuma dizer que o maior elogio que pode receber ao final de uma apresentação é alguém declarar que se sentiu atento. Para ele, muito melhor do que ouvir um daqueles habituais elogios rasgados depois de seus sempre memoráveis concertos, é ter a certeza de que o público estava efetivamente ali, em estado de vigília, consciente de que seu trabalho não se resume apenas a um mero deleite.
Nunca na história da humanidade, e principalmente nas grandes cidades, houve uma oferta tão grande de exposições, espetáculos de dança, teatro, apresentações musicais, cinema. Cabe, no entanto, questionar qual a maneira com que essas obras vêm sendo consumidas. Na correria da vida contemporânea, reiterada de forma massiva através do ritmo frenético da televisão, corre-se um grande risco de reproduzir, diante do produto artístico, o compasso alucinante de nosso cotidiano.
Refletindo sobre essas questões, o Sesc São Paulo realiza, do final de outubro até o dia 10 de novembro, a Mostra Sesc de Artes - Ares e Pensares. Trata-se de um grande evento internacional que envolve todas as unidades da grande São Paulo e capital - inclusive as que ainda se encontram em fase de construção, como a Dino Bueno, a 24 de Maio e a Santana -, além de alguns outros pontos da cidade. Durante 13 dias, artistas das mais variadas áreas, como atores, músicos, dançarinos, escritores, cineastas e artistas plásticos, estarão, à sua maneira e através de seus trabalhos, refletindo sobre a relação entre a arte e o espectador.

Mediação cultural
Na programação regular promovida pelo Sesc, essa preocupação tem-se mostrado sempre presente, seja através de bate-papos com os artistas, análises de pensadores sobre as questões implicadas nos eventos e informações adicionais dispostas nas ante-salas e espaços de convivência e também em folhetos e programas. "Procuramos sempre produzir algo que possa estabelecer uma aproximação maior entre nosso público e os eventos", explica Ivan Giannini, gerente de Ação Cultural do Sesc-SP. "Se damos acesso e não oferecemos objetos de mediação - o que não significa explicar a obra inteira -, não possibilitamos condições mínimas para que os espectadores penetrem no universo da criação. O Sesc encara essa função como uma responsabilidade."
No entanto, para que essa proposta realmente surta efeito, faz-se necessário também que o público disponha de um tempo diferente. É essencial que se compreenda que, de maneira geral, as obras de arte têm seu próprio ritmo. "Tentamos propor um novo tempo. Nossas ações sempre buscam instigar uma maior reflexão", prossegue Ivan. "Se a arte não for provocadora, ela não tem outra função. Para nós, ela representa uma ferramenta para fazer com que as pessoas pensem mais, conheçam mais sobre o universo humano e coloquem suas cabeças para funcionar de uma maneira mais descolada de seu cotidiano", completa.

Projetos anteriores
Outra maneira de cumprir seu papel de mediador cultural tem-se manifestado nos grandes eventos análogos ao Ares e Pensares, realizados regularmente pelo Sesc-SP. Exemplos não faltam. Também envolvendo diversas unidades e com uma programação que abarca diferentes expressões artísticas, esses projetos têm mexido não apenas com a forma de consumo da arte, mas também apontado diferentes caminhos para a produção nacional.
Em 1998, o Sesc-SP realizou Lorca na Rua, um projeto que envolveu mais de 300 profissionais na tarefa de espalhar pelo Estado o espírito inventivo do escritor espanhol, que comemorava seu centenário. Três comboios, cada um deles comandado por um diretor teatral - Romero Andrade Lima, Gerald Thomas e William Pereira -, pegaram as estradas de São Paulo para se apresentar em 75 cidades. Além de peças escritas por Lorca, as trupes organizaram também apresentações musicais, projeções de cinema e performances.
No ano seguinte, o projeto 1999... Reticências sacudiu a capital, trazendo nomes de peso como a companhia de dança francesa Montalvo-Hervieu, o músico japonês Takashi Kako e o grupo de dança havaiana Mauli Dance Group, além de artistas nacionais. Mas não foi só a cidade que estremeceu. O conceito do projeto de estabelecer diferentes conexões entre os diversos artistas que se apresentaram se estendeu também, com a participação do público, para a Internet, no site Rizoma - uma teia de idéias e ações sem começo nem fim detectáveis.
Em 2000, foi a vez de Balaio Brasil, resultado das andanças dos técnicos do Sesc por todo o País. Em suas viagens, os curadores selecionaram mais de 150 atrações que se apresentaram durante seis meses por todo o Estado, lançando luz sobre artistas e manifestações por vezes esquecidos nos confins do País.

Ares
A ousadia dos projetos anteriores se repete agora em Ares e Pensares, que pretende questionar a própria função da arte. Amarrando a idéia, foram espalhados pela cidade infláveis concebidos por artistas de todo o mundo. "Queremos suspender o olhar das pessoas", retoma Ivan Giannini. "A idéia foi criar uma atmosfera provocadora na cidade. Tentamos fazer com que as pessoas se sentissem incitadas a ampliar sua visão sobre o mundo. Quisemos fazer com que a cidade olhasse para outros lados, para coisas além de seu entorno habitual".
Em cada uma das unidades envolvidas no projeto, há um inflável, além de uma grande exposição no Sesc Belenzinho. Para a artista plástica Leda Catunda, que concebeu um trabalho especialmente para a Mostra, a idéia é arejar a noção das artes. "O inflável é um objeto muito comum: você vai à praia ou à piscina e encontra vários deles. É interessante, pois vamos apresentar ao público uma coisa que ele tem bastante presente em seu cotidiano, mas dentro de uma concepção artística. Nesse sentido, propõe-se uma renovação do olhar."

Pensares
Já para Renato Cohen, que desenvolveu dois trabalhos para o Ares e Pensares - um com apresentações de performances de alunos da PUC-SP e outro que acontece nas salas de Internet do Sesc -, os infláveis remetem também à suspensão. "O projeto, nesse sentido, se relaciona com a questão do tempo - um tempo não-habitual, não-ordinário", opina. "De maneira geral, temos uma vida fragmentada. Acho que a metáfora da suspensão diz respeito também à busca de uma experiência mais substancial, que requer um tempo especial para acontecer", explica.
Segundo ele, a obra de arte tem o papel de simbolizar as experiências humanas, representando um momento de trocas. "Tenho a impressão de que a relação com um tempo generoso que as sociedades primitivas tinham remetem a essa idéia de espaço de suspensão", argumenta. "O tempo generoso é o tempo dos rituais, não o dos relógios; é o tempo necessário para que um ciclo se cumpra", explica. "Nos rituais xamânicos, se trabalha com essa medida, mas é necessário que existam agentes que saibam interferir com os processos", acrescenta. "E é isso o que o artista faz."
O pianista Benjamim Taubkin afirma que, quando recebeu o convite para participar do projeto se sentiu bastante estimulado. "Muitas vezes se fala da arte e de sua função, mas qual é o efeito que ela está tendo efetivamente na vida das pessoas hoje?", pergunta. "Sempre me senti especialmente incomodado quando vou a determinados lugares que apresentam música brasileira", explica. "Logo que você chega, há aquelas recepcionistas divulgando um produto; na ante-sala tem um vídeo sobre outro produto; às vezes, servem um coquetel de um outro patrocinador; quando você se senta no seu lugar, entram vídeos de outros patrocinadores; assiste-se ao show e em seguida já são ligadas novamente aquelas luzes agressivas, o vídeo, o som e aqueles mesmos patrocinadores", enumera. "Você se sente no meio de um outdoor", brinca. "A informação em si do espetáculo fica muito diluída", afirma.
"O papel da arte é levar a um maior contato com o mundo interior", prossegue. "É fazer com que as pessoas pensem, atentem-se para seus sentimentos e tenham um olhar mais amplo sobre o mundo", opina. "Uma proposta como a do Ares e Pensares estimula isso. Não somente para o público, mas também para nós, artistas - faz com que tenhamos consciência dessa rica experiência que propomos", conclui.


Alguns destaques da programação
Monges do Tibet - Originário do monastério indiano de Gaden Shartse, o grupo apresenta repertório com cantos milenares e composições clássicas, além de danças típicas tibetanas. Dias 01 (Sesc Belenzinho, às 21h), 03 (Sesc Consolação, às 19h) e 10/11 (Sesc Pompéia, às 18h).
Uakti - O grupo mineiro apresenta o espetáculo Águas da Amazônia. Dias 05 e 06/10, no Sesc Vila Mariana.
Constelação - Durante doze horas, uma rede de presenças estará conectada à internet com a participação de artistas de diferentes áreas, mantendo uma corrente de criações. Dia 09/11, das 12h às 24h, no Sesc Vila Mariana.
Teatro Pronta Entrega - Sob a coordenação do cenógrafo Bert Neumann, o trabalho reúne artistas alemães e brasileiros em performances que misturam dança, circo e música. De 04 a 09/11, das 11h às 17h, na futura da rua 24 de Maio.
Medéia 2 - A montagem de Antunes Filho junto ao CPT estréia nova versão com elenco renovado. Dias 09 (21h) e 10/11 (19h) no Sesc Belenzinho.
Strange Fruit - O grupo australiano apresenta The Spheres, atuando sobre mastros de 4,5 metros. Dias 02/10, às 20h, no Sesc Ipiranga, e 05 e 06/11, às 20h30, no Sesc Santo André.
Teatro Nacional da Grécia - O grupo apresenta Antígona, de Sófocles, com direção de Niketi Kondouri. De 07 a 09/11, às 21h, no Sesc Consolação.
Cristian Duarte - Inspirado no pensamento do biólogo S. Anthony Barnett, o dançarino se apresenta Middle High Tones, ao lado de Shani Granot. Dias 01 e 02/11, às 21h, no Sesc Consolação.
Cia. 4 Nova Dança - A companhia dirigida por Cristiane Paoli Quito estréia seu novo espetáculo, Palavra, A Poética do Movimento. Dias 02 (21h) e 03/11 (18h), no Sesc Pompéia.
Por Que Você Compra? - A instalação vinda da Alemanha levanta discussões sobre a cultura urbana contemporânea e o consumo compulsivo de bens industriais ou artísticos. De 30/10 a 10/11, em várias unidades e diferentes horários.
Arquitetos do Ar - O grupo de arquitetura apresenta a instalação inflável Ixilum. De 05 a 08/11, das 10h às 16h, e 09/11, das 9h às 15h, no Vale do Anhangabaú.
Coletor de Imagens - Liderados pelos documentaristas Jurandir Müller e Kiko Goifman, uma equipe roda pelos bairros de Campos Elíseos e Santana recolhendo imagens caseiras que servirão de base para a produção de um documentário. Dias 07, 08 e 09/11, às 20h30, na futura unidade da rua Dino Bueno. Dias 08 e 09/11, às 20h30, na futura unidade de Santana.
Andy Warhol - Produzida em 1966, a obra Silver Clouds, do cultuado artista norte-americano, é composta de um conjunto de esculturas flutuantes. De 30/10 a 10/11, no Sesc Pompéia.
Waltércio Caldas - "Espetáculo" do artista plástico, concebido especialmente para o evento, ocupando o teatro do Sesc Pompéia. De 05 a 09/11. Diversos horários.
Yayoi Kusama - Em Dots Obsession, o artista japonês aplica pontos em escala ampliada num espaço tridimensional ocupado por um grande inflável. De 30/10 a 10/11, no Sesc Belenzinho.