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Na arte, a soma da inquietude e do conforto da mente
A necessidade de distanciamento social vem acompanhada de outra necessidade: a de cuidar da mente. Assim, perante os acontecimentos e as ansiedades provocadas pela pandemia do novo coronavírus (covid-19), enquanto a ciência trabalha incansavelmente para salvar nossa saúde física, a arte tem nos ajudado a refletir e a enfrentar isso que estamos vivendo juntos pela primeira vez. Se, por um lado, a arte tem a sua natureza na inquietação e nos leva a pensar sobre a vida, por outro lado é conforto, nos mostra a realidade de modo suportável para quem a aprecia.
Quem está em casa tem buscado, a partir de uma imensa variedade de ações culturais, alternativas para ocupar o tempo ocioso ou distrair a ansiedade. E também, há aqueles que oferecem um pouco daquilo que sabem e podem fazer no mundo das artes. Música, literatura, dança, cinema e artes visuais em geral, artesanato... Se já havia muita coisa disponível na internet dentro destes e outros segmentos, agora a oferta foi ampliada e facilitada.
O Sesc Birigui, por exemplo, deu início a um desafio criativo. A ideia é que o público e artistas criem espontaneamente vídeos realizando alguma ação cultural dentro de suas casas (sozinhos ou, no máximo, em duplas). Os vídeos devem ser publicados em seus perfis no Instagram, com a hashtag “#emcasamascriativo” e marcando o @sescbirigui; além disso, é preciso que o participante marque algum amigo, convidando-o a participar e a levar o desafio adiante. As pessoas têm aderido à ideia, e a ação foi adotada também por outras unidades do Sesc SP e até pelo Sesc Amapá.
Post desafio #emcasamascriativo/Facebook Sesc Birigui
Segundo Marinho Rodrigues, supervisor de comunicação do Sesc Birigui, “a proposta tem como objetivo incentivar o público e artistas, sejam profissionais ou não, a usarem as plataformas digitais como meio de amenizar o distanciamento social que precisamos para este momento, e também levar a arte para o dia a dia das pessoas, que é uma das missões educacionais do Sesc”.
Além do Sesc
Uma outra iniciativa, que partiu de artistas araçatubenses, fez surgir o Festival de Lives de Araçatuba. Músicos da cidade se reuniram virtualmente para criar uma página no Facebook, em que publicam suas apresentações ao vivo, de dentro de suas residências. O “carro-chefe” é a música, mas outros segmentos artísticos também podem participar (basta entrar em contato no campo de mensagens privadas da página).
O instrumentista e cantor Alexei Franco conta que a ideia surgiu por causa do cancelamento dos compromissos de trabalho mais próximos e, assim, o sentimento de tristeza foi tomado pelo de novas possibilidades. “Fiquei pensando em nós, músicos, que vivemos por aí, tocando, e pensei nas pessoas que gostam de nos ver tocando também. Achei esse jeito de aliviar esse sentimento estranho. Publiquei isso no Facebook e vários músicos abraçaram a ideia”, conta.
O objetivo não é financeiro. “É puramente para aliviar mesmo a tristeza de não tocar, de não ter o público em volta, não poder encontrar os amigos e abraçar! (...) A importância disso eu acho que é manter o acesso das pessoas à arte, nesse caso especialmente a música, independentemente de estilos ou de que maneira essa música será executada”, diz.
Ainda na linguagem musical, há aqueles que estão utilizando seus conhecimentos para ensinar. Renan Augusto Castro Dias, baterista e educador musical de Birigui, se espelhou em artistas que admira e decidiu oferecer aulas por meio de seu perfil no Instagram. Os ensinamentos, como explica, são voltados não só a quem quer ser músico, mas também ao público em geral.
Instagram Renan Augusto Castro Dias/Reprodução
Renan afirma que a finalidade é ocupar o tempo e a mente – dele e das pessoas que têm acesso às aulas. “Agora só temos nossos celulares e computadores para manter uma relação com outras pessoas. Quem realmente está de quarentena precisa dar algum sentido a esse tempo parado em casa. E quem está trabalhando em home office, precisa espairecer um pouco e não pensar só em trabalho. Acho que, além de relaxar, é uma chance ótima e gratuita de as pessoas fazerem aquele curso que sempre quiseram e nunca tiveram tempo. E espero que depois que isso tudo acabar, quem fez as aulas e gostou possa continuar tendo interesse por esse tipo de cursos”, afirma.
Cuidar do jardim
Já que não é possível frequentar shows nem outros espetáculos por enquanto, as lives (apresentações ao vivo) e vídeos gravados pelos artistas têm sido uma alternativa de conteúdo positivo neste turbilhão de informações a que estamos expostos. O violinista Ricardo Herz e a violinista francesa Vanille Goovaerts (sua companheira), no mesmo dia em que seu show em uma casa de shows na capital paulista precisou ser cancelado por conta da pandemia, fizeram uma live no Facebook, tocando. A partir daí, as transmissões começaram a ser feitas diariamente, de seu apartamento, em São Paulo, para o mundo.
Ricardo Herz e Vanille Goovaerts Foto/Divulgação
“No repertório, estamos colocando choros, forrós, coisas nossas... O que der pra preparar. Dois músicos presos em casa, né? Acho que vamos sair da quarentena com o duo afiado”, diz Ricardo. Os benefícios ocorrem para os dois lados, segundo ele. “Acho que é bom para todos: pra quem fica em casa e assiste, pra quem faz. Música já é um remédio, né? Nesse momento é questão de sanidade mental”, conclui.
Para o violeiro Paulo Freire, publicar vídeos tocando e cantando é uma forma de “cuidar do jardim”. “Calhou de estar lendo o livro ‘Homens Imprudentemente Poéticos’, de Valter Hugo Mãe. Conta a história de um oleiro que resolveu fazer um grande jardim, cuidar dele, frente à uma desgraça iminente. Para que a tal desgraça se sentisse humilhada, envergonhada ao extremo, em destruir alguém que estivesse dedicando a sua vida à procura da beleza. Então resolvi cuidar do jardim aqui, e ir o mais longe que conseguir”, explica.
Facebook Paulo Freire/Reprodução
Cada vídeo contém uma música (algumas de sua autoria e outras de outros compositores) e até a mãe do violeiro participou de uma das gravações. Apesar de não ser algo monetizado (um assunto que tem sido discutido bastante entre artistas e trabalhadores da arte em geral – já que todos têm “contas a pagar”), espalhar arte pela internet é espécie de apoio sensível e psicológico.
“Nós temos que lutar, sim, por tudo que acreditamos. Ainda mais nesse momento que nosso tão querido e judiado Brasil está atravessando. Mas além de lutar não podemos deixar de buscar as belezas, nos misturar a elas. Criar, sempre. Alimentar a alma é dar sentido à caminhada”, finaliza.
Mais arte
Outras alternativas, além da música, são possíveis no universo “www”. Museus, memoriais e galerias de arte do mundo todo precisaram fechar suas portas por tempo indeterminado, mas é possível o acesso ao acervo destes locais por meio da internet. O Memorial da Resistência de São Paulo, por exemplo, realizou visita virtual ao vivo em sua página no Facebook.
Já a Pinacoteca de São Paulo tem exposto algumas das obras de seu acervo também na página do Facebook, com breves explicações sobre a obra e o autor. Além disso, é possível fazer uma visita online pelo espaço da Pinacoteca, por meio da ferramenta Google Arts & Culture, site mantido pelo Google em colaboração com museus diversos. O site utiliza tecnologia do Street View (recurso que disponibiliza vistas panorâmicas de 360°) e por meio dele é possível visitar museus e instituições de artes visuais do mundo todo.
Há ainda museus que disponibilizam visitas ao acervo em seus próprios websites, como o Metropolitan Museum of Art (Nova York, EUA), Art Institute of Chicago (EUA), National Museum of Modern and Contemporary Art (Coréia do Sul), e muitos outros.
Para quem opta pelo cinema, algumas plataformas de filmes e séries estão disponibilizando temporariamente conteúdos gratuitos. Para os leitores, há editoras, como a Companhia das Letras, a Leya e a L&PM, que estão dando acesso também gratuito a e-books. Além disso, alguns cursos relacionados a arte e cultura de maneira geral, sem custo, podem ser encontrados pela internet. Basta pesquisar e o mundo se abre por meio de uma tela.