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Diários do Abismo: fronteiras quase invisíveis entre real e imaginário são foco em monólogo sobre Maura Lopes Cançado

(Foto: Lenise Pinheiro)
(Foto: Lenise Pinheiro)

Carioca, Maria Padilha é atriz com 40 anos de profissão e figurinha carimbada da teledramaturgia brasileira. Menos conhecida do grande público, Maura Lopes Cançado foi uma escritora mineira, que teve dois livros escritos – o primeiro deles redigido enquanto estava internada num hospital psiquiátrico. Mas o que juntou essas duas mulheres em um monólogo teatral?

Padilha conta que se apaixonou pela personagem real ao ter contato com o livro “Hospício é Deus”, um presente do amigo Ney Latorraca. A obra é a compilação do diário autobiográfico a que a escritora se dedicou durante os anos que passou internada num hospício.

Nessa época – anos 50 do século 20 –, ainda não se sonhava em usar o termo “hospital psiquiátrico”. Os registros literários de Lopes relatam as mazelas dos tratamentos daquele tempo, em sanatórios. Práticas que hoje são rechaçadas por especialistas em tratamento psicossocial.

O espetáculo “Diários do Abismo” conta a complicada relação de Maura Lopes com os familiares e a religião. Membro de uma tradicional família mineira, a escritora tocou também em assuntos como abusos sexuais sofridos na infância, o sentimento de inadequação num mundo tão insano e incoerente quanto o próprio hospício, sua paixão pela escrita e a tentativa de compreensão entre loucura e sanidade.

Maria Padilha faz sua estreia sozinha em um palco. “Nunca imaginei fazer um monólogo. Uma das razões de maior prazer para mim é contracenar, falar alguma coisa que me interesse e que eu ache que possa interessar às pessoas. (...) Como Maura dá voz a muitas personagens em seus textos, o diretor e o adaptador acharam que poderia ficar confuso se houvesse mais de uma atriz em cena”, afirma a atriz.

Para Sérgio Módena, que dirige a peça, é impressionante observar como Maura abordou seus temas de forma extremamente lúcida. “Somos surpreendidos por um estado de perturbação da autora”, diz. É sob o clima da alternância entre realidade e imaginação que o monólogo transcorre.

Personagem misteriosa, Maura Lopes Cançado foi considerada louca e enfrentou por décadas a reclusão. A visão de mundo que mostra em sua obra encontra receptividade no imaginário coletivo, já que aborda temas cotidianos e de interesse popular. As contradições descritas pela escritora, que faleceu em 1993, são atuais ainda nos dias de hoje.

Parece que ela escreveu agora, por que penso exatamente como ela. Maura não é uma louca que escreve. É uma escritora que teve problemas mentais. Ela trata sobre o poder. Descreve a estrutura do hospício e como algumas pessoas que comandam o local estão loucas e outras não. Como um microcosmos de países e lugares, a organização do hospício acaba parecendo muito com a organização de qualquer lugar”, diz Padilha.

Com adaptação a cargo de Pedro Bricio, a peça “Diários do Abismo” – e suas fronteiras: ora visíveis, ora embaçadas – pode ser conferida na temporada que entra em cartaz no Teatro do Sesc 24 de Maio. A primeira sessão do monólogo ocorre no dia 15 de março. Sempre às quintas sextas e sábados, às 21h, e domingos, às 18h, as sessões vão até 7 de abril.

O que há de real na loucura? O que é verdade nos relatos da escritora? O que pode ser fantasia para seguir levando a vida adiante?

”Estou brincando há muito tempo de inventar
e sou a mais bela invenção que conheço”

Maura Lopes Cançado

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