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33 anos de literatura e conversas descontraídas
Imagine se você pudesse sentar para conversar com o seu autor favorito. E que seus amigos, conhecidos ou até desconhecidos, pudessem participar dessa conversa, com perguntas, debates, ideias e risadas.
Pois é isso que acontece no Sempre Um Papo, projeto criado em 1986 pelo jornalista, escritor e curador Afonso Borges. Em bate-papos descontraídos com personalidades da literatura — sempre seguidos pelo lançamento de um livro e autógrafos — o projeto aproxima escritor e público leitor, dispensando formalidades.
Recriando a atmosfera descontraída destes encontros, conversamos com Afonso sobre a história do Sempre Um Papo, que chega à programação do Sesc neste mês de março em duas unidades: com Sueli Carneiro no Sesc 24 de maio e Clóvis de Barros no Sesc Santo André.
EOnline: Hoje a leitura é um hábito de poucos no Brasil. (Brasileiros leem em média 2,43 livros por ano) Que papel tem o Sempre um papo na formação de novos leitores?
Afonso Borges: Eu tenho um pouco de implicância com estas pesquisas. Primeiro porque ela não é exata. Não se diz se são livros didáticos, de literatura ou religiosos. Segundo, porque uma pessoa pode mudar seu comportamento e, em um mês, ler 3 livros. E isso não é registrado. Mas a questão é mais delicada: ninguém faz pesquisa sobre quantas braçadas a pessoa dá nadando; ou quantas horas corre por dia. Mas o livro tem isso, afinal, ninguém vai morrer se não gostar de ler.
Quanto ao Sempre um Papo, o seu principal valor está no diálogo. Diálogo que leva ao livro. Ao promover o encontro entre o escritor e o leitor, a fala é o intermediário. E a fala remonta a educação, a história, a conversa. E só a comunicação transforma. Mas só esta comunicação: a do olho no olho, fala atenta e concentrada. É o falar e o ouvir, nesta ordem. Depois, o diálogo. Isso transforma. E leva, em seguida, à leitura.
EOnline: Por que atrelar o bate-papo ao lançamento de um livro?
Afonso Borges: Descobri este “nicho” de mercado há 33 anos, quando estava começando no jornalismo e vivia de tocar violão em bares. Descobri que podia convidar um escritor, conversar com ele e depois continuar com a música. Mas isso durou só os primeiro dois anos. Depois, foi para os teatros e auditórios e nunca mais saiu. O livro, diferentemente de outros produtos, não tem estratégia de lançamento, não tem mídia, publicidade. Só tem o lançamento para promovê-lo. Por isso é tão importante. E a grande maioria dos autores detesta ficar atrás de uma mesa esperando os convidados para autografar. Prefere conversar, depois, sim, ir para os autógrafos.
EOnline: Quem é o público que acompanha o Sempre um Papo nestes 33 anos? O público mudou ao longo dos anos?
Afonso Borges: Sim, mudou muito. O escritor se distanciou da educação de uma forma impressionante. E o contrário também: a universidade nem fala mais do romancista, do escritor de ficção. Ou seja, o público universitário sumiu. Mas começou a comparecer o público convencional, o leitor atento, contumaz. Além disso, como o Sempre um Papo é muito dinâmico, ou seja, ele associa o evento ao lançamento do livro mais recente do autor, sempre tem uma novidade. E a imprensa acompanha isso, divulgando. Ela tem um papel primordial na leitura.
Luis Fernando Verissimo no Sempre Um Papo em 2016, no Sesc Bom Retiro | Foto: Fabio Setimio
EOnline: Como é realizada a curadoria dos escritores que você convida? Que critérios você usa para escolher entre tantos?
Afonso Borges: Bem, o primeiro critério, sem dúvida, é a qualidade. Não abro mão disso. Depois, quem dita as regras é o mercado editorial, ou seja, eu trabalho lançando os livros mais recentes dos autores. Neste sentido, acompanhei carreiras, vidas. Lancei todos os livros do Ruy Castro, Zuenir Ventura, Amyr Klink, Fernando Morais, Rubem Alves, toda uma geração.
EOnline: Dos muitos autores que passaram pelo projeto nestes anos, tem alguma história ou momento inesquecível para você?
Afonso Borges: Centenas de histórias. E cada dia eu lembro de uma diferente. Outro dia, lembrei de uma muito divertida. Uma das primeiras vezes que recebi José Saramago no Sempre um Papo, ele veio com a sua companheira, a espanhola Pilar del Rio. Passamos 3 dias juntos, visitamos Ouro Preto, entre outras cidades. E eu sempre me comunicava com ela com o meu MARAVILHOSO espanhoguês. Na hora de ir embora, no aeroporto, eu estava conversando com ela e o José saiu-se com esta:
- Afonso, eu queria te dizer isso há alguns dias, mas fiquei constrangido. A Pilar prefere que você fale em português com ela. Assim ela te compreende.
E por aí vai.
EOnline: Entre vivos e mortos da história da literatura mundial, quem você gostaria de ter no Sempre um papo?
Afonso Borges: Mortos... Guimarães Rosa. Por mais incrível que possa parecer, eu não tenho vontade de fazer Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga, João Cabral de Melo Neto e Manuel de Barros. Eram pessoas tímidas, que não rendiam em um debate. E nem as que não gostam, como José Rubem Fonseca e o vampiro de Curitiba, Dalton Trevisan. Gosto de gente que gosta de gente. Rubem Alves era uma maravilha, um deslumbre no palco. O Içami Tiba, também. Marina Colasanti é uma maravilha, uma beleza! Mas estou sempre à cata de novidades e boas pessoas para apresentar ao público.
Mais de 700 encontros que aconteceram nestas três décadas foram registrados e estão disponíveis para você assistir quando quiser no canal do Youtube. Para conhecer a programação completa do Sempre Um Papo, acompanhe o site oficial do projeto e o Portal Sesc SP.