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A arte de encontrar beleza no grotesco
A noite de 8 de novembro de 2018 foi uma dupla celebração para o diretor teatral Gabriel Villela. Enquanto estreava “Estado de Sítio”, no Sesc Vila Mariana, o livro Imaginai! O teatro de Gabriel Villela, escrito por Dib Carneiro Neto e Rodrigo Audi, lançado pelas Edições Sesc, conquistou o Prêmio Jabuti na categoria Artes. “A notícia do Jabuti na mesma noite de estreia do espetáculo foi tão alvissareira, tão bonita para as Artes Cênicas. A gente explodiu de felicidade”, lembra.
O livro traz um registro de todos os seus espetáculos, acompanhados por textos do próprio diretor e artigos de críticos, artistas e parceiros. Nele, são destacados diferentes aspectos de seu trabalho, como a criação de cenários e figurinos, os métodos de preparação de elenco, a influência barroca e a relação de sua obra com o universo popular.
Por ser recente, “Estado de Sítio” não integra a compilação, e parece mesmo inaugurar um novo capítulo na trajetória do diretor, pelo seu aspecto sombrio. O contraste com as demais obras, marcadas por figurinos coloridos é evidente e, segundo ele, foi a primeira vez que utilizou quase 30 tons de pigmentos pretos nos trajes dos atores. “Sou da festa, do Carnaval, da felicidade, das cores. Até hoje, assistir esse espetáculo da plateia me incomoda. Eu me estranho nele por causa da sisudez, do caráter dark da fábula, da indumentária litúrgica, muito pouco realista, e sobretudo por causa do mau humor dos atores, já que não é um espetáculo para provocar risos.”
“Estado de Sítio” é uma adaptação de Villela para a peça homônima do filósofo argelino Albert Camus, que a escreveu para “atacar frontalmente um tipo de sociedade política que se organiza, à direita ou à esquerda, de modo totalitário”. A trama apresenta uma alegoria, em que os habitantes passam a ser governados pela Peste, depois que ela depõe o governo e institui um poder arbitrário por meio da ameaça de morte. O desejo de realizar a montagem surgiu no começo de 2018, quando Villela presenciou um comboio militar, com tanques e soldados armados no Rio de Janeiro, como resultado da intervenção militar na cidade.
“Eu fiquei bobo de ver como a escuta da plateia está em consonância com o nosso momento histórico. Esse teto não diz respeito só ao nosso país, mas a uma sombra que está começando a cair sobre o mundo e que não sabemos aonde vai dar”, explica, fazendo referência a um elemento do cenário que se transforma, depois que a Peste toma o poder da cidade.
Arte popular – Apesar das diferenças estéticas, elaboradas em função do caráter grotesco da obra, o diretor destaca um ponto comum entre “Estado de Sítio” e suas demais produções: o espírito de arte popular. “É a síntese da beleza que eu procuro – mesmo ao retratar momentos de trevas. Consiste em pegar um objeto vulgar e, ao associá-lo com outros elementos, transformá-lo em uma terceira identidade”, conta.
Esse processo, Villela aprendeu, por exemplo, ao observar Tia Olímpia, uma artista de rua mineira. O diretor relata que ela cismava com alguns aspectos da indumentária das mulheres que passavam por Outro Preto e contava histórias, em troca das peças e dos adereços. Antes de agregá-las à sua roupa, porém, realizava mudanças, como a transformação de um chapéu em uma ombreira.
A construção cenográfica do espetáculo, assinada por J.C. Serroni, é um exemplo que dialoga com esse conceito e que busca manter tal delicadeza viva. O mobiliário de madeira, refinado e processado para a vida burguesa, como os bancos, as cadeiras, o trono ou um mancebo, parecem estar voltando à terra, com galhos e raízes, já que um processo inerente à peste é o seu enorme poder de devastação. Saiba mais no vídeo a seguir: