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A loucura de cada um de nós
Logo ao entrar na Área de Convivência do Sesc Pompeia, o público se depara com duas varas de bambus, mantidas curvadas por correntes de metal que unem suas extremidades – como se fossem dois arcos e flechas. A posição curvada das varas mostra sua fragilidade, como se elas estivessem a ponto de quase quebrar. Os dois objetos são praticamente idênticos, a não ser por uma singela diferença: no meio de cada vara há uma corrente com uma pequena placa de metal. Em uma delas, está gravada a palavra “Razão” e na outra “Loucura”. A obra de Cildo Meirelles, Razão/Loucura (1976/2017), que abre a exposição Lugares do Delírio, em que sua curadora, a psicanalista e professora Dra. Tania Rivera, propõe a reflexão sobre a arte e a loucura.
Num contexto de crise política e econômica, em que leis e políticas públicas de assistência a pessoas com transtornos psiquiátricos estão sendo ameaçadas, Lugares do Delírio – que fica disponível para visitação no Sesc Pompeia de 11 de abril a 1º de julho – surge para promover o urgente debate sobre esse tema. “Hoje, todos sabemos que a pessoa diagnosticada com transtornos psiquiátricos não deve ser temida nem isolada da sociedade – pelo contrário, ela pode se beneficiar da vida coletiva e contribuir muito para a construção da coletividade e a transformação do mundo. No entanto, os transtornos psiquiátricos são ainda hoje assunto tabu”, explicou a curadora.
Razão/Loucura (1976/2017), de Cildo Meirelles (Foto: Evandro Vilela)
Com cerca de 170 obras de mais de 40 artistas, entre os quais há artistas consagrados e artistas diagnosticados com transtornos psiquiátricos, a curadora procura dar visibilidade à essas pessoas. “Mais que divulgar a obra de artistas que passaram ou passam por situações de sofrimento psíquico grave, Lugares do Delírio busca pôr em questão a diferenciação entre artistas identificados como ‘loucos’ e aqueles tidos como ‘normais’”, declarou Rivera. Desse modo, passa a ser um dos objetivos da exposição “desestabilizar categorias e recusar rótulos”.
“Isso é o que a exposição Lugares do Delírio visa: provocar reflexão e conversa – com a arte – sobre a “loucura” de cada um de nós, sobre vivências dolorosas e a convivência com a dor (e a alegria) do outro, sobre as diferentes formas de ver o mundo, construí-lo ou transformá-lo, sobre as relações entre as ditas “doenças mentais” e as condições sócio-econômicas, sobre o mundo como entrecruzamento de lugares singulares e construção de um lugar múltiplo porém comum a todos”, explicou Rivera.
A abertura da exposição ocorre no dia 10 de abril, às 20h, com a performance de In ATTO, de Anna Maria Maiolino, e de Tresformance, de Arlindo Oliveira.