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A busca da paz
A Constituição Brasileira é dividida em dez partes. A primeira diz respeito aos princípios fundamentais do sistema jurídico, político e social do país (artigos 1º a 4º). A segunda, aos direitos individuais e coletivos, sociais e políticos (5º a 17). A terceira, à federação e à administração pública (18 a 43). A quarta, aos três poderes (44 a 135). A sexta, ao sistema tributário e às finanças públicas (145 a 169). A sétima, à ordem econômica (170 a 192). A oitava, à ordem social (193 a 232). A nona, às normas gerais (233 a 250). A décima, às normas transitórias (83 artigos).
Não mencionei a quinta parte (artigos 136 a 144), pois desta cuidarei neste artigo. Intitula-se (título V) "Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas" e divide-se em três subtítulos ("Do Estado de Defesa e do Estado de Sítio", "Das Forças Armadas" e "Da Segurança Pública").
Os artigos 136 a 144 são dedicados aos dois mecanismos extremos de defesa dos institutos (estado de defesa, de aplicação limitada em casos de instabilidade política ou calamidades públicas em lugares determinados, e estado de sítio, de aplicação em todo o território nacional, na eventualidade de grave perturbação nacional ou guerra externa).
Em ambos os casos, há restrições de direitos, e o presidente da República pode decretá-los ad referendum do Congresso, devendo convocá-lo, de imediato, para aprovação das medidas determinadas.
Aricê Amaral dos Santos denomina tais institutos legais de "regime constitucional das crises", mostrando que as Constituições democráticas têm seus instrumentos de autodefesa contra os riscos de convulsões ou de perecimento da democracia.
Analisei o título V da Constituição Federal, no volume 5 dos Comentários que Celso Bastos e eu realizamos da Constituição Federal, publicados em 15 volumes, pela editora Saraiva.
Têm os governos receio de acionar tais instrumentos, muito embora algumas vezes, de fato, tenham sido tangenciados como a intervenção do exército para combater o crime organizado nas favelas cariocas ou para garantir a Conferência Internacional das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro durante o governo Collor.
Nas duas vezes, todavia, não houve restrições de direitos, mas uma atuação mais severa e drástica das forças armadas, em face da inoperância e corrupção da polícia carioca, que, segundo seus comandantes, tinha quase metade dos componentes servindo ao narcotráfico, consoante declaração feita à imprensa e que causou comoção nacional.
Não entro no mérito das preocupantes declarações daqueles que dirigiam, à época, a polícia carioca, mas lembro-me de palestra que proferi, no Ministério do Exército, em Brasília. Na ocasião, durante as conversas com seus eminentes chefes, soube que desaprovavam a intervenção das forças armadas em matéria de preponderante competência das polícias estaduais, visto que não estão elas preparadas para combater o crime organizado, mas para defender o país, de um lado, e integrar a nação, de outro, principalmente aquelas regiões distantes dos pólos de desenvolvimento.
Temiam, outrossim, que a falta de experiência dos soldados e a deletéria capacidade de corrupção ativa dos criminosos pudessem abalar os quadros inferiores do exército, levando-se em consideração, inclusive, os baixos soldos da tropa. Os efeitos da contaminação da polícia estadual eram temidos pelos oficiais superiores, em relação aos quadros do exército.
Por essa razão, entendiam eu também que, sabiamente, a Constituição separou, nos capítulos II e III do título V, as forças armadas da segurança pública, apenas nas hipóteses do capítulo I permitindo o exercício de funções policiais pelas forças armadas (estado de defesa e de sítio).
De lá para cá, a situação brasileira deteriorou-se de forma dramática. O crime passou a ganhar a batalha contra a segurança pública. Os cidadãos viram-se prisioneiros em suas residências, representando uma aventura permanente sair à rua para o trabalho, compras ou lazer, em virtude de a cidade estar dominada por criminosos, salvo em restritas regiões em que a polícia ainda detém o controle. E mesmo esse controle é relativo, na medida em que até delegacias têm sido assaltadas para a libertação de presos ou saque de "mercadorias apreendidas".
Seqüestros, roubos, assassinatos, estupros, assaltos às residências, etc., passaram a ser crimes banais, que a segurança pública não consegue atalhar, gerando hoje, a meu ver, o momento de maior insegurança em toda a história do Brasil, para a sociedade de maneira geral.
Os recentes seqüestros seguidos de assassinatos dos prefeitos petistas de duas grandes cidades brasileiras (Campinas e Santo André) trouxeram, todavia, à tona, na dramaticidade própria de tais infaustos acontecimentos, a questão da segurança como objetivo prioritário de todos os governos.
E, nesse particular, toda a sociedade, pelos partidos da situação e da oposição, exigiu medidas para reduzir a violência.
Entendo, todavia, que essa luta, que hoje é o ideal do povo a busca da paz , não pode se circunscrever exclusivamente aos crimes contra a vida, mas também àqueles contra o patrimônio e contra a lei. Nesse ponto, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra) é o primeiro instigador de ódio e violência, inclusive com assassinatos, infelizmente, dos dois lados invasores assassinando defensores da propriedade e proprietários matando invasores, na defesa de seus bens , com o que não se pode obter a paz nem lutar pela não-violência. O desrespeito à lei e aos direitos alheios é o único móvel de um movimento que não deseja a reforma agrária, pretendendo, como disse repetidas vezes um de seus líderes, derrubar o governo. Sendo um movimento não democrático nas democracias mudam-se as leis injustas mediante pressão sobre os representantes legais, e não com a truculência e pisoteio do direito , a violência que semeiam esses ladrões de bens alheios não facilita a instalação da ordem e bem-estar, principalmente no campo.
O PT (Partido dos Trabalhadores), que sempre defendeu o MST ultimamente tenho ouvido, em debates que travo com ilustres membros do partido, restrições cada vez maiores aos métodos antidemocráticos desse movimento , vê-se agora numa encruzilhada, pois, para defender a paz e a não-violência, não pode hospedar os métodos agressivos daquela falange radical e, por outro lado, deve apoiar a luta sem tréguas pela não-violência e o combate permanente ao crime organizado.
E é nesse particular que gostaria de lembrar que o combate ao crime organizado não significa que se deveria abdicar dos direitos humanos.
Sou membro o que me honra da Anistia Internacional, que em nenhum momento defende o crime ou o criminoso, mas luta, apenas, pelo respeito a seus direitos, por julgamentos justos e rápidos e pela não-violência contra os celerados em cativeiro. Se o indivíduo é criminoso, a sociedade não pode se nivelar a ele, utilizando-se da mesma violência, pois, dessa forma, o ciclo não terá fim.
A única solução possível, a meu ver, é trabalhar para que um aparato policial maior e mais bem preparado seja utilizado, com a colaboração de todas as polícias a que se refere o artigo 144 da Constituição da República (federal, estadual e municipal) visto que a legislação permite ações conjuntas dos três organismos , e que o combate seja sem tréguas.
Deveriam, todavia e nisto, estou convencido, reside a medida mais eficaz , desenvolver, as polícias das três esferas de governo, um trabalho conjunto de inteligência e de informação, pois no futuro a guerra será ganha por quem detiver informação. Em meus livros Uma Visão do Mundo Contemporâneo e A Era das Contradições defendi, como Alvin Toffler, em Guerra e Antiguerra, que os maiores gastos em segurança pública e na defesa contra o inimigo externo devem ser feitos em inteligência, nos meios de informação, com gente capaz, ao lado de agentes de elite, para detectar e destruir as redes de criminosos em sua origem.
Indiscutivelmente, o aparato policial ostensivo é importante, mas conhecimentos de técnicas modernas e informações obtidas por especialistas dos serviços de inteligência dos países mais desenvolvidos são os melhores instrumentos para combater o crime, pois, dessa maneira, as grandes quadrilhas poderão ser destruídas em seus núcleos, matrizes de criminalidade, a custo menor que aquele da repressão ao crime consumado. A matéria merece reflexão.