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Marketing no poder

 

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Ilustração: Luiz Sérgio Paganotti

Imagem vale tudo no jogo de aparências das campanhas eleitorais

OSWALDO RIBAS

Quando o presidente Fernando Henrique Cardoso posou recentemente ao lado dos craques da Seleção Brasileira de futebol em Brasília ou quando visitou os escombros das torres gêmeas do World Trade Center em Nova York, no fim do ano passado, a mídia impressa e eletrônica nacional e internacional tratou de divulgar esses eventos pelos quatro cantos do mundo. Para os leitores e telespectadores mais desavisados, os acontecimentos na agenda presidencial pareciam compromissos corriqueiros do chefe do governo. Engano. Esses dois casos foram resultado de uma detalhada e muito bem estudada estratégia de marketing político, que atende pelo nome técnico de photo opportunity, destinada a, de maneira informal, espalhar pela grande imprensa nacional e internacional uma imagem simpática do presidente. Assim, em vez de comprar horário na TV ou espaço nos jornais para, com anúncios, mostrar resultados positivos em áreas sociais ou econômicas e, com isso, ganhar pontos na opinião pública, o governo usa o marketing político, aqui expresso por meio de factóides – criação de situações –, uma estratégia que chega em muitos casos a ter um retorno, em termos de popularidade, até maior que a propaganda institucional. Hoje, mais do que nunca, através de técnicas em constante evolução e aprimoramento, o marketing político se sofistica no Brasil, a exemplo do que ocorre já há mais tempo nos Estados Unidos e na Europa, e torna-se ferramenta essencial tanto de quem quer se manter no poder, como de quem se dispõe a disputá-lo.

A cada dia fica mais difícil distinguir na vida pública os atos que podem ser considerados propaganda pura, mas que chegam aos eleitores como "notícia". Na opinião de um dos maiores especialistas em campanhas políticas no Brasil, o jornalista Chico Santa Rita, o verdadeiro marketing é o que atinge o público-alvo, os eleitores por exemplo, sem estar limitado ao caráter meramente propagandístico. "Aliás, é isso o que distingue o marketing político das campanhas publicitárias que, descaradamente, apresentam o político como um produto, vendendo alguma idéia ou plataforma de ação pública", comenta o especialista, que recentemente lançou o livro Batalhas Eleitorais – 25 Anos de Marketing Político. Campanhas eleitorais marcadamente publicitárias "dão com os burros n’água", adverte ele, acrescentando que no currículo tem a seu favor a participação em uma centena de eleições nas quais seus candidatos, em 80% dos casos, conseguiram vencer.

Já para Paulo de Tarso Santos, consultor e produtor de comunicação política e assessor nacional de imagem do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), o mais importante é fazer uma distinção entre marketing político e eleitoral. Considerado um dos pioneiros do assunto no Brasil, com campanhas memoráveis na década de 80, como a Experimente Suplicy, quando o senador petista Eduardo Suplicy se candidatou a prefeito da cidade de São Paulo, ou a da TV do Povo, espécie de réplica do "Jornal Nacional" da Rede Globo, que aglutinou, na televisão, toda a campanha do candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Luís Inácio Lula da Silva, à presidência da República em 1989, Tarso trata o marketing político como uma atividade multidisciplinar na qual está em jogo o gerenciamento de imagem do partido que estiver no poder, num trabalho permanente de divulgação de conteúdo, em que a propaganda funciona apenas como "um instrumento a mais na criação de fatos e marcas políticas". Já o marketing eleitoral diz respeito apenas ao curto período das campanhas e, essencialmente, reúne elementos da propaganda tradicional.

"A melhor campanha, por paradoxal que pareça, pode não levar o candidato à vitória", declara Tarso, lembrando as eleições de 1989, consideradas um marco na evolução do moderno marketing político no Brasil, em que as forças eleitorais ficaram polarizadas entre o líder do PT, de um lado, e o grupo do então ex-governador de Alagoas, Fernando Collor. "Nessa época, nitidamente, todo mundo, até mesmo os eleitores de Collor, confessava que a campanha de Lula na televisão era melhor, mais dinâmica, mas, na hora de votar, prevaleceram outros critérios, como o conservadorismo da classe média, que acabou levando Collor ao Planalto", afirma o consultor. Ao avaliar a candidatura do vencedor, depois considerada um fenômeno dos meios de comunicação de massa, Tarso recorda que, naquele período, o marketing político era tão incipiente que nem o próprio Collor havia buscado uma assessoria profissional. Só no segundo turno, quando o movimento do Lulalá disparava, ele acabou contratando uma agência, a Setembro, para dar maior sustentação à sua imagem e, principalmente, avaliar os dados das pesquisas eleitorais que, paralelamente, também naquele tempo começaram a se desenvolver no Brasil.

Nessa época, fruto de uma mirabolante estratégia de profissionais de comunicações, declarações de uma ex-namorada de Lula, que confessou a existência de uma filha não assumida pelo líder do PT, editadas cuidadosamente em um programa na TV com quase uma hora de duração, foram capazes de sepultar as aspirações do candidato das esquerdas ao Planalto. "Foi um petardo que desarvorou os adversários a cinco dias das eleições. Colocar a fala de Míriam Cordeiro no ar não era desespero de perdedor, mas a penúltima garantia de uma campanha vencedora", afirma Santa Rita em seu livro.

Explosão

Durante os anos 90, não apenas nas campanhas eleitorais que levaram Fernando Henrique Cardoso a se eleger duas vezes presidente da República, mas também nos pleitos estaduais e municipais, ao mesmo tempo que fortaleciam a incipiente cultura democrática brasileira – ainda aprendendo a sobreviver após mais de duas décadas de regime autoritário dominado por uma seqüência de governos militares –, os profissionais de marketing político entravam cada vez mais em cena. "O Brasil passou a reunir as condições essenciais para uma explosão do mercado da propaganda política", afirma André Torreta, consultor de marketing político e diretor de criação da Popular Comunicação, atualmente um dos maiores pesquisadores do assunto no país. "Aqui reunimos uma fantástica máquina de comunicação de massa desenvolvida principalmente pela TV, uma das mais competentes indústrias da publicidade mundial, um contingente de aproximadamente cem milhões de eleitores e um sistema político que imprime um ritmo de realização de eleições, para o Executivo ou o Legislativo, a cada dois anos", diz Torreta, que entende que um marketing político moderno só pode ser feito com uma democracia forte, criatividade e pertinência, "três fatores de que, hoje, já dispomos".

Novamente agora, em pleno ano eleitoral, em que o Brasil vai trocar de presidente, escolher novos governadores estaduais e renovar parte do Congresso, os especialistas em marketing político, principalmente os mais competentes, passam a ser disputados quase que a tapa pelas centenas de aspirantes a cargos eletivos. Embora ainda ostente um reconhecimento público duvidoso e tenha uma visibilidade muito recente, o marketing político já é visto, hoje, por qualquer candidato, seja dos partidos mais conservadores seja dos grupos mais radicais, como uma porta de entrada no supercompetitivo mercado da política nacional. Nomes como os dos publicitários Nizan Guanaes e Duda Mendonça, este já comprometido com a candidatura de Luís Inácio Lula da Silva à sucessão de Fernando Henrique Cardoso, passam a ocupar diariamente espaço na mídia, quase na mesma proporção que os candidatos e pré-candidatos. Nunca em nenhuma outra eleição para chefe do Executivo se gastará tanto em publicidade como neste ano, e, possivelmente, o grande eleito poderá ser o que mais tiver investido na própria imagem.

Novo fenômeno do marketing político, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, do Partido da Frente Liberal (PFL), está despontando como a mais recente tradução do que uma boa campanha publicitária pode fazer para convencer o eleitorado brasileiro. "Trata-se de um jogo de sedução", sintetiza Torreta, argumentando que Roseana, por meio do trabalho orquestrado pelo publicitário Nizan Guanaes, está conseguindo expressar todo o seu carisma e valorizar o horário político partidário gratuito, até então desprezado pelas demais agremiações. "Depois dela, observamos que outros pré-candidatos à sucessão de Fernando Henrique, como o ministro da Saúde, José Serra, passaram a gerenciar melhor esse espaço na TV", acrescenta Torreta.

Poder paralelo

Daqui até agosto, quando será deflagrada a campanha eleitoral com toda a sua intensidade, os homens do marketing político brasileiro vão se apresentar à sociedade como uma pequena casta de poder paralelo. Estima-se que esses profissionais já têm hoje à sua disposição espaço para até interferir nas plataformas partidárias, a fim de selecionar os temas ou "palavras de ordem" de maior peso mercadológico. Santa Rita acredita que a grande idéia que deverá imperar na fase final da campanha presidencial será a "retomada do desenvolvimento econômico para trazer mais empregos e uma nova política de substituição de importações, que, ao mesmo tempo, proteja os setores produtivos nacionais e dê maior competitividade internacional ao produto brasileiro". Ele reconhece, no entanto, que mensagens já tradicionais nas campanhas eleitorais, como a luta contra a corrupção, permanecerão com forte poder de fogo para convencer o eleitorado. "No caso de Roseana, ela também está agregando temas como a igualdade social das mulheres e o problema da violência urbana."

Cabe, no entanto, ao profissional de marketing transformar essas preocupações da sociedade em mensagens criativas que tenham curso livre entre várias camadas sociais e etárias. Neste momento "valem ouro" uma boa idéia, uma música, uma imagem que marque a posição do candidato e o torne popular. Nessa peleja, embora haja um bom espaço ético monitorado de perto pela legislação eleitoral em vigor, chega a existir quase um vale-tudo, no qual ganham destaque o poder financeiro, a influência e um rosto fotogênico. Estima-se que, para ganhar um voto em escala nacional, os partidos políticos gastem em média R$ 12. Em tempos de orçamentos mais apertados e extrema vigilância da sociedade civil com os chamados caixas de campanha, em que empresas e pessoas físicas fazem suas contribuições esperando troca de favores caso os candidatos que apóiam sejam eleitos, esta é outra tarefa dos marqueteiros: montar estratégias eficientes a custos reduzidos. Uma pesquisa recente realizada pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) estima que, em 2002, o custo do voto possa cair quase 50%, para R$ 7, graças exatamente às campanhas mais eficientes.

De acordo com especialistas, como Paulo de Tarso, as atuais eleições poderão pôr em prática no Brasil um sistema diferenciado de tratamento do eleitor, no qual será dada atenção maior a públicos específicos, sem, é claro, se descuidar da massa. Assim, deverão ser promovidos cada vez mais encontros com determinados agentes sociais, desde que esse recurso prove eficiência no cômputo geral dos votos. Outro aspecto que deverá ter forte atuação dos marqueteiros é o do convencimento do chamado eleitor apático, o que vota em branco, ou o que vota nulo não como forma de protesto, mas por desinteresse. No Brasil, o contingente de votos nulos e brancos ganhou tamanha dimensão, também graças à obrigatoriedade de votar, que tem um potencial capaz de alterar completamente o resultado final das urnas. "Nossa função também é a de cativar", acrescenta Torreta.

Desde os faraós

O marketing político, apesar de ser uma das correntes mais contemporâneas da área de comunicações, é uma prática quase tão antiga quanto a própria política. Quando os faraós ergueram as pirâmides e construíram a Esfinge, essas obras, da maneira como são interpretadas hoje, eram, de fato, monumentos de comunicação. Claro que não podem ser enquadradas dentro das características dadas ao marketing moderno, mas, certamente, contêm elementos de propaganda e veiculação de mensagem política que perduram por milênios. Elas representam o poder concedido aos governantes, que, dessa forma, podiam diferenciar-se da maioria da população e ostentar publicamente sua capacidade de liderança.

Até o advento da televisão, no século 20, os políticos utilizaram as obras públicas como o carro-chefe das aspirações partidárias. Durante muito tempo, ideologias à parte, especialmente nas democracias européias, um recurso principal imperou para convencer a população a depositar sua confiança (e seu voto) neles: o comício político. Sem dúvida, os comícios foram e ainda são hoje um forte instrumento de convencimento eleitoral e a grande arma do marketing político. Com a introdução da tecnologia da comunicação de massa e o surgimento das sociedades do século passado, um novo elemento começou a ser agregado à maneira como a classe política se relacionava com o eleitorado: as técnicas da propaganda e da persuasão. Essas técnicas deram um salto de qualidade na máquina de guerra montada por Adolf Hitler, na Alemanha nazista, e, depois da vitória aliada, foram reaplicadas nas campanhas políticas dos candidatos à Casa Branca nos Estados Unidos durante a década de 50. De lá para cá, a cultura norte-americana assimilou de tal forma a propaganda política que passou a servir de parâmetro para o restante do mundo ocidental. Os debates ao vivo pela TV, as campanhas promocionais em outdoors, os jingles, cartazes e a própria nomenclatura, toda ela mesclada de termos em inglês, são prova de como o marketing político norte- americano vem influenciando nossas campanhas.

Vassourinha

No Brasil, segundo dados coletados pelo consultor e publicitário André Torreta, uma pré-história do marketing político pôde ser observada já no governo de Getúlio Vargas, nos anos 40. Mas foi só em 1960, na campanha de Jânio Quadros à sucessão de Juscelino Kubitschek, em Brasília, que o marketing político tupiniquim decolou. Até hoje é famosa a figura da vassourinha de Jânio, que iria "limpar" a bandalheira da vida pública nacional. A música tema do movimento tornou-se uma espécie de hit no rádio. As pessoas cantavam nas ruas e praças. Jânio virou mania nacional graças aos artifícios do marketing político e inaugurou uma nova era, que foi interrompida pelo período militar. Durante o regime de força, técnicas de marketing também foram utilizadas: expressões de impacto como "Ame-o ou deixe-o" dominaram os pára-brisas dos carros no fim dos anos 60. O governo do presidente Garrastazu Médici soube tirar proveito político da vitória da Seleção Brasileira de futebol no tricampeonato em 1970. O slogan do "Brasil potência" imperou na mídia e só acabou derrubado após a crise do petróleo e a inadimplência latino-americana dos anos 80.

Com a redemocratização do país, a prática da vida pública também se renovou, e o marketing político, aparentemente adormecido, ressurgiu, desta vez com ares de extremo profissionalismo e sofisticação, como que para "ganhar o tempo perdido", segundo afirma Torreta. As marchas e contramarchas da democracia durante os anos 90 acabaram fortalecendo ainda mais a indústria da propaganda política, que, afinal, passou a acompanhar a própria emancipação do povo brasileiro, que conseguia mostrar que tinha condições intelectuais para dirigir o futuro da nação. A propósito, a idéia de que "o povo não sabe votar" – um slogan de marketing político dos grupos que preferiam manter as massas à margem do processo eleitoral – continua sendo um grande êxito de comunicação e, ainda hoje, é correntemente citado na mídia.