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A duras penas
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Minoria num sistema prisional construído por homens e para homens, as mulheres enfrentam situações específicas e graves, ainda pouco discutidas pelo poder público e praticamente desconhecidas pela sociedade em geral. O número de detentas hoje no Brasil é de 9,8 mil, o que representa 4,2% da população carcerária no país. Esse contingente, no entanto, vem aumentando rapidamente – em 1995 eram cerca de 5,5 mil. São mulheres que cometeram algum crime e aguardam condenação ou cumprem penas que, por vezes, superam a mera privação da liberdade.
Problemas ginecológicos, alta vulnerabilidade a contaminação por DSTs (doenças sexualmente transmissíveis), além de uma incidência de Aids proporcionalmente superior à da população feminina em geral e à dos presídios masculinos indicam uma séria questão de saúde pública. Abandonadas pela família com maior freqüência que os homens presos e sofrendo com a separação dos filhos, muitas vezes deixados em situação precária, as presidiárias tendem a cair em depressão. Para as que estão grávidas, o pré-natal costuma ser inadequado, e a posterior separação do bebê é dolorosa. Além disso, a proibição à visita íntima vigente em alguns estados reforça essa carência de afeto e, na opinião de especialistas, é discriminatória, já que os homens contam com esse direito há mais de uma década. No estado de São Paulo, as primeiras experiências estão começando neste ano.
A maioria delas, além disso, não pode passar para o regime semi-aberto, pois está presa por tráfico de drogas, enquadrado na Lei de Crimes Hediondos (1990). Muitas atuavam como revendedoras ou "mulas" e não no tráfico organizado. Mas, na falta de distinção entre pequenos, médios e grandes traficantes, acabam sofrendo todas as restrições previstas para o crime.
Presas na polícia
As mulheres que se encontram em distritos policiais e cadeias públicas, reservados em tese para quem está aguardando julgamento, são as que enfrentam as piores condições. A superlotação e os relatos de maus-tratos são mais freqüentes. A assistência médica e jurídica é precária e quase não há trabalho remunerado que lhes permita obter a remição de pena (três dias de trabalho abatem um na pena). No Brasil, 42,4% das presas estão nesses estabelecimentos, para 26% dos homens. Mais da metade delas já está condenada, mas ainda não foi transferida para uma penitenciária, contra cerca de 40% dos homens (dados do Departamento Penitenciário Nacional). No estado de São Paulo, das cerca de 3,6 mil detentas mantidas em cadeias e distritos, aproximadamente 55% são condenadas. Os quatro presídios femininos existentes, da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), abrigam 1,6 mil mulheres. Para este ano, a SAP prevê a inauguração de dois presídios femininos com 1,1 mil vagas, além de um Centro de Detenção Provisória com 700 vagas.
"Muitas meninas cumprem toda a pena aqui", conta Vânia, detida na Cadeia Pública de Pinheiros, em São Paulo, conhecida como Cadeião ou Dacar. Na capital, os Cadeiões 1 e 4 são os únicos estabelecimentos da Secretaria de Segurança Pública (SSP) para mulheres, e cada um, com 512 vagas, mantém mais de 700 presas. "Fui condenada a seis anos, mas já estou aqui há quase três", conta Aparecida. "A maioria de nós, se tivesse um advogado, já teria ido embora", afirma Sandra. Há apenas um advogado da Funap (Fundação Professor Doutor Manoel Pedro Pimentel) em cada Cadeião, somente para presas condenadas. As que aguardam julgamento contam com uma defesa técnica ao longo do processo, mas não recebem visita de advogados.
Heide Cerneka, da Pastoral Carcerária, visita o Cadeião há quatro anos. "Tento localizar os processos e fazer contato com as famílias", diz. As presas sempre acorrem às grades. "Como elas não têm nada para fazer, acabam ficando mais agitadas e frustradas", explica. Vânia confirma: "A gente precisa trabalhar, para ajudar a família, para se sentir alguém". Segundo pesquisa realizada em 1996 pelo Coletivo de Feministas Lésbicas (CFL) na Penitenciária Feminina do Tatuapé, na capital paulista, a chefia de família antes da prisão era assumida por 43% das mulheres. Outra pesquisa no mesmo presídio, do Instituto Grupo Cidadania, mostrou que 78% das detentas viviam com até quatro salários mínimos. Nos relatos das presas, a "necessidade" aparece como forte causa de delitos mais leves, como o roubo e o furto.
A questão saúde
No Cadeião, a principal preocupação das mulheres é com a saúde. "Aqui há muitas meninas com Aids, com tuberculose, e fica todo mundo misturado. Elas vão para o hospital, mas nem sempre, às vezes ficam jogadas no pátio", conta Vânia. As presas dizem que os remédios são insuficientes, que tratamentos mais prolongados são raros e que há muita demora no atendimento. Segundo funcionários e voluntários que trabalham no Cadeião 4, a falta de escolta e de viaturas para levar as detentas ao hospital pode provocar atrasos. Há, no entanto, consultas regulares para cerca de 15 mulheres, entre tuberculosas e portadoras do HIV.
No Cadeião 1, há um médico uma vez por semana. No 4, o atendimento é feito pela médica Nadir Oyakawa, da Pastoral Carcerária da Paróquia Nossa Senhora de Fátima de Vila Leopoldina, que iniciou um programa de detecção do câncer de mama e de útero, com apoio do Hospital Pérola Byington. Os exames de papanicolaou de cerca de 650 presas acusaram DSTs e lesões pré-cancerosas do colo uterino, que já começaram a ser tratadas no próprio Cadeião. "Mas os aparelhos de que dispomos são insuficientes e, principalmente, precisamos de mais gente", diz a médica.
Grávida de oito meses, Luciana espera conseguir transferência para um dos berçários da Penitenciária Feminina da Capital (PFC) ou para o que existe na do Butantã, para poder amamentar o filho. O período de amamentação, geralmente de seis meses, é garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Lei de Execução Penal. Segundo a administração do Cadeião 4, quase todas as presas que têm filhos conseguem ir para um berçário. Mas, em muitos locais, a mulher volta para a prisão após o parto, e o filho é encaminhado à família ou, na falta dela, a alguma instituição. Isso, se conseguir ter o filho: "Uma vez, às 4 e meia da manhã, as detentas começaram a bater panelas nos portões, porque uma mulher estava parindo. Ela foi socorrida só às 8 horas, e quando chegou ao hospital o nenê estava morto", lembra Cláudia, que esteve presa num distrito policial.
"Com certeza há mais mulheres tendo filhos do que as que conseguimos atender nos berçários", afirma Maria da Penha Risola, diretora da PFC. A maioria das mulheres que estão nos berçários vem dos distritos ou da cadeia pública, onde engravidar sempre foi bem mais fácil. A visita íntima sempre acaba acontecendo "de um jeito ou de outro", como relatam as detentas – sem, portanto, qualquer tipo de prevenção.
A falta de material de higiene piora as condições já precárias de saúde. No Cadeião faltam sabonete, papel higiênico e absorventes íntimos – em alguns estabelecimentos, entidades de defesa de direitos humanos referem o uso de miolo de pão no lugar de absorventes. Há também reclamações devido à sujeira da água e à presença de ratos. Nas celas para sete, dormem mais de dez mulheres, em beliches de cimento, sem colchão. O "jumbo" (objetos, alimentos e vestimentas trazidos pela família) pode ajudar a remediar a situação. "Mas a maioria não recebe visita", diz Vânia. A família mora longe ou não tem condições de ir até lá, ou então abandonou-as. A solidariedade entre as presas é freqüente, mas há também abusos de poder, segundo contam profissionais que com elas convivem.
"Cada uma faz sua ‘correria’ para conseguir o que precisa. Eu me viro, lavo a roupa de uma ou outra menina, faço faxina", conta Sara, que diz ter-se criado na Febem. Como ela, muitas detentas são egressas da instituição, segundo o CFL. "A última vez que vi minha mãe eu tinha seis anos", conta. Outras mulheres preferem não receber visita, principalmente de filhos. Dizem que ficam muito tristes depois. "E, para a criança, marca muito ver a mãe assim, atrás das grades", explica Isabel. "Mas os amigos abandonam mesmo, é horrível. Eu tinha muitos lá fora. Será que me esqueceram? Nem uma carta!", diz, com revolta. Muitas mulheres do Cadeião tomam calmantes. A tensão entre elas e com funcionários é mais um complicador. "Há brigas. Quem tem celular ou droga tem mais poder", explica Heide Cerneka.
Remição pelo trabalho
Nas penitenciárias, as condições físicas geralmente são melhores. Na PFC, atualmente com 480 presas, cada cela abriga duas mulheres e conta com um banheiro. A do Tatuapé tem hoje 450, em celas para cinco ou seis mulheres. Há trabalho para a grande maioria, em empresas de prendedores de roupa, confecção de vestuário, artigos para festas ou materiais hospitalares, instaladas no interior dos presídios. As detentas ganham por produção e, na penitenciária do Tatuapé e na PFC, costumam tirar ao menos um salário mínimo por mês. "O dia passa mais rápido. Eu, com mais de seis anos na mesma firma, já tenho pelo menos dois de remição", diz Rita. Na PFC, além disso, há cursos de informática e de massoterapia.
A assistência jurídica, embora melhor do que em cadeias e distritos, ainda causa insatisfação. Na penitenciária do Tatuapé e na PFC, há dois advogados da Funap. O mesmo acontece com o atendimento à saúde. "Temos dois médicos diariamente, mas ainda é pouco. Num presídio há mais somatizações, as mulheres adoecem mais. Mesmo assim, ainda é melhor que o SUS (Sistema Único de Saúde) lá fora", afirma Maria da Penha, diretora da PFC. Segundo a Coordenadoria de Saúde da SAP, o Centro de Atendimento à Saúde da Mulher no Sistema Penitenciário, inaugurado em outubro de 1999, está iniciando suas atividades e será o órgão responsável pela assistência às mulheres presas, inclusive aquelas que se encontram nas delegacias.
Os presídios têm ainda psicólogas e assistentes sociais, "mas o atendimento mais individualizado não é possível", diz Márcia Setúbal, diretora da penitenciária do Tatuapé. Especialistas afirmam que a condição de presidiária implica uma perda de autonomia e de individualidade. "As roupas, por exemplo, sempre iguais, reforçam essa massificação", opina Carla Pinhassi Santos, psicóloga do Colibri (Coletivo para a Liberdade e Inserção Social), que realiza oficinas de saúde mental na PFC. "Elas têm dificuldade em falar sem se sentir avaliadas. Muitas vezes, isso está associado a um discurso religioso punitivo." Para Márcia, ainda há poucos profissionais especializados em presídios femininos. "A maioria que está aqui trabalhava antes com detentos", afirma. Do mesmo modo, instalações que levem em conta as especificidades da mulher presa ainda são pouco presentes. "Aqui, por exemplo, não há condições de ter um berçário", diz ela. A Penitenciária Feminina do Tatuapé funciona hoje numa antiga unidade da Febem.
Homossexualismo e prevenção
A visita íntima, antes proibida em presídios do estado de São Paulo, já começou a vigorar na instituição do Tatuapé e na Penitenciária Feminina do Tremembé, para presas que comprovaram vínculo estável com um parceiro por mais de seis meses. O risco de gravidez e de transmissão de DSTs é a principal explicação para a demora na implantação. As visitas não ocorrem nas celas, como acontece nos presídios masculinos. "Optamos por quartos separados, com privacidade", explica Élcio Sequeira, diretor do Departamento de Reabilitação Penitenciária, da SAP. A visita íntima, segundo ele, é entendida por muitas das mulheres num sentido mais amplo. "Elas querem uma oportunidade de conversar a sós com o parceiro, com maior intimidade."
"A capacitação de funcionários e a educação das detentas são mais do que essenciais", ressalta Alessandra Teixeira, advogada e integrante do Colibri. A diretora da penitenciária do Tatuapé conta que as presas manifestaram fortemente que não querem ter filhos e pediram a camisinha, que está sendo fornecida pelo Ministério da Saúde. "Mesmo assim, a Aids me preocupa", afirma. O relatório da pesquisa do CFL alerta para a maior vulnerabilidade das mulheres, devido à "ausência de poder de decisão e negociação para práticas mais seguras de sexo". De acordo com a pesquisa, apenas 14% das detentas relataram o uso de camisinha, enquanto 31% dizem nunca tê-la usado.
Oficinas de prevenção às DSTs/Aids são oferecidas hoje às mulheres que chegam à PFC, dentro do projeto "Prevenção: da Inclusão à Liberdade", realizado pelo Colibri em parceria com o Ministério da Saúde. "Elas trazem dúvidas e muitas falam que não usam preservativo", conta a psicóloga Carla Pinhassi. O projeto atende a cerca de 25 mulheres por mês e tem duração de um ano, até julho. "Nós damos ênfase à prevenção no relacionamento entre mulheres, que é a realidade do presídio feminino", explica. O homossexualismo é uma opção freqüente: 18% das presas dizem que, se pudessem escolher, se relacionariam apenas com mulheres, e outros 18% com ambos os sexos, segundo a pesquisa do CFL. A contaminação pelo HIV em relações homossexuais femininas, mesmo consideradas de baixo risco, deve ser levada em conta, alerta o estudo.
As detentas indagam se não haverá também visita íntima para lésbicas. "Vamos abrir para elas também, gradualmente", diz Élcio Sequeira, da SAP. Muitas mulheres já eram homossexuais antes de entrar na prisão. Outras tornam-se lá dentro. "Nem sempre isso acontece porque não havia visita íntima. Muitas dizem que sempre gostaram, mas eram casadas, e lá dentro assumiram", conta Carla Pinhassi. "Há brigas e, por vezes, uma delas assume um papel bastante machista." Entre as presas, a aceitação do homossexualismo é significativa. Muitas lésbicas dizem, inclusive, que sentem menos discriminação do que do lado de fora. Apesar disso, contam que há repressão e que tudo ocorre "escondido". A diretora da PFC explica: "Ainda há preconceito. Somos cobradas por aquelas que se incomodam no dia de visita, quando os filhos estão lá. A população é muito heterogênea, e temos de lidar com isso".
Gravidez e filhos
Luciana espera um filho. Marina não tem notícias dos seus há tempo. Estão em casa de amigos ou parentes. Os de Aparecida encontram-se num abrigo, em outro estado. Daniela teve o seu no presídio e ainda sofre com a separação. Os filhos são fonte de intenso afeto e preocupação. A grande maioria é mãe: 74%, de acordo com pesquisa do CFL. Dessas, 87% tiveram filhos antes dos 21 anos. Em apenas 7% dos casos os filhos ficam com os parceiros. Mesmo entre as casadas, o número é baixo: 14%. Na maioria das vezes (51%), é a mãe delas quem assume a guarda.
Para as mulheres que não têm com quem deixar os filhos, os casais provisórios são uma alternativa. "Hoje temos três crianças com casais provisórios da Igreja Batista, mas há dificuldade de encontrar mais casais dispostos", relata Maria da Penha. Na maioria dos casos, entretanto, eles vão para instituições. As presas têm muito medo de perder a guarda dos filhos, que podem então ir para a adoção. "Mas, se a mãe mostra interesse no filho e escreve para a assistente social da instituição, isso não ocorre", afirma a diretora da PFC.
Ficar com os filhos a seu lado é o desejo de muitas detentas. "A separação é uma das coisas mais difíceis que acontece aqui", diz Ana, que interpretou uma presidiária que não tem com quem deixar o filho, no espetáculo A Despedida, encenado por mulheres da PFC no Memorial da América Latina no final do ano passado. O objetivo da peça foi buscar alternativas para o maior convívio entre mães presas e seus filhos e fez parte do projeto "Direitos Humanos em Cena", promovido pela Funap, Centro do Teatro do Oprimido e People’s Palace Projects em 37 penitenciárias do estado de São Paulo, que debateu diversos temas.
Uma das propostas discutidas durante a apresentação foi a criação de uma creche para filhos de detentas. Especialistas ressaltam, no entanto, que o ambiente prisional pode ser negativo para a criança. Alguns sugerem uma creche fora do presídio. Em seu estudo sobre filhos de mulheres presas, a psicóloga social Cláudia Stella apresenta soluções existentes em outros países, como uma creche, mantida com ajuda de uma entidade civil, onde a criança fique durante um período do dia, ou a permissão para que a mãe saia mais para visitar os filhos. Isso ocorre no Brasil somente para as que estão em regime semi-aberto, e não para a maioria das mulheres, detidas por tráfico de drogas. A prisão num estabelecimento próximo de onde mora a família e a possibilidade de usar o telefone, hoje existente na Penitenciária Feminina do Butantã, são duas fortes reivindicações das presas para aumentar o contato com os filhos.
Segundo Cláudia, a detenta sofre por ferir o estereótipo de boa mãe. Mas essa é só mais uma penalização além das impostas por um sistema que não leva em conta as especificidades da mulher.
Aids em mulheres presas Um estudo de 1997 do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Aids da Universidade de São Paulo estimou que cerca de 20% da população carcerária do país está infectada pelo vírus HIV e aponta uma maior soropositividade entre as mulheres que entre os homens. Com exceção de pesquisas pontuais feitas em algumas penitenciárias, em sua maioria masculinas, a falta de dados mais amplos sobre o assunto é patente. "Os números geralmente só incluem as pessoas em que a doença já se manifestou e aquelas que quiseram fazer o teste", diz Alessandra Teixeira, advogada e integrante do Colibri. Nas penitenciárias, os testes de HIV geralmente são feitos quando a mulher chega à instituição. Depois, se ela solicitar ou se houver alguma suspeita. Para as detidas na polícia, apenas essa segunda alternativa existe. "Além disso, ninguém pode ser obrigado a se submeter ao exame. A incidência do HIV é certamente maior, portanto", afirma.
A Coordenadoria de Saúde da SAP afirma que as presas em estabelecimentos da Secretaria de Segurança Pública em fase avançada da Aids, com doenças oportunísticas, estão sendo transferidas para penitenciárias e internadas no Hospital Central, no Carandiru, onde há hoje cerca de dez mulheres. Outras cem detentas portadoras do vírus estão em tratamento: recebem a medicação e voltam para os estabelecimentos prisionais. "Mas essas mulheres precisam de acompanhamento médico. O tratamento não é fácil, elas podem não aderir ou perder a medicação numa blitz de apreensão a drogas. Além disso, as condições do cárcere, especialmente em cadeias e distritos, favorecem a contaminação por doenças", alerta Alessandra Teixeira.
Para evitar tal situação, as presas provisórias com Aids deveriam poder responder ao processo em liberdade, afirma a advogada. "Hoje, o atendimento e o acesso a remédios para a Aids na rua estão muito melhores", justifica. Para a maioria, detida por tráfico de drogas, porém, a liberdade provisória não é possível.
O indulto humanitário (perdão da pena) está previsto para o preso ou presa em estágios muito avançados da doença. "Hoje ele tem sido dado para quem vai morrer nos próximos dias. Só que é preciso viabilizar uma vida mais digna, não uma morte mais digna", explica a advogada. Maria Eli Colloca Bruno, coordenadora de saúde da SAP, afirma que a concessão do indulto pode ser arriscada: "Bem ou mal, essa mulher está sendo tratada no sistema. Muitas não teriam suporte da família ao sair. Na sociedade, ela concorre com todos os portadores do vírus".
Liberdade precária Para a ex-detenta, reconstruir a vida é uma dura tarefa. Maria da Penha Risola, diretora da PFC, ressalta a importância da progressão para o regime semi-aberto, como preparação para a volta à sociedade. "Não há acompanhamento quando ela sai", diz. Poucas empresas em que trabalharam voltam a empregá-las. "Ainda temos de convencer o empresariado a dar emprego ao detento, para depois conseguir uma continuidade. O problema é que não há respaldo social lá fora, nem uma política que sustente a reabilitação dentro do presídio."
Bruna, Denise e Raquel já estiveram presas. Hoje livres, falam da dificuldade para arrumar trabalho. "Já desisti de pedir alguns empregos por saber que eles olham os antecedentes. Agora consegui passar num concurso, mas o cargo é público e não posso exercer porque ainda estou em livramento condicional", conta Bruna. A falta de experiência recente na carteira de trabalho também já eliminou outras oportunidades.
Raquel teme a discriminação e esconde seu passado para a maioria das pessoas. Mudou de bairro e, depois de tentar várias vezes, desistiu do sonho de trabalhar num hospital. Esquecer os anos passados na prisão é difícil. Fora dos muros, elas se sentem mais à vontade para falar e contam episódios de castigo e desrespeito de funcionários.
Para Denise, que até hoje sofre com as conseqüências de um derrame cerebral que sofreu enquanto estava presa, a situação é ainda pior. "Estou assim porque não fui atendida rapidamente. Fiquei várias horas jogada na ala de saúde antes de ir para o hospital. Até hoje não recebi nenhuma indenização do Estado", conta.
"Não achei que fosse tão difícil. Você sai de lá e não é nada, só sabe dizer ‘sim, senhora; pois não, senhora’", afirma Bruna. "As pessoas dizem que ex-presidiário não se regenera. Em muitos casos, não é porque a pessoa não quer, é porque não consegue."