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À margem do rio: arte, família e migração

 Foto: Ramila Souza
Foto: Ramila Souza

Por todo território nacional, o crescimento desenfreado das cidades e a falta de planejamento urbano acarretaram uma infinidade de problemas sociais e ambientais, como a formação de bairros em lugares impróprios, principalmente às margens de rios. Exemplo disso é a cidade de São Paulo que, com mais de 12 milhões de habitantes distribuídos em aproximadamente 1,5 milhão km², sofre com constantes deslizamentos em encostas de rios, soterramentos e alagamentos, que paralisam o trânsito nas ruas da maior cidade do país.

Em grande parte, as enchentes que acontecem em São Paulo se devem ao fato de que os rios - principalmente na área central da cidade - foram “tamponados”, ou seja, canalizados e depois enterrados. Com esse processo, o curso dos rios foi retificado e as águas que antes chegavam até eles lentamente, através de galerias pluviais, tiveram seu escoamento acelerado; esse excesso de água retorna para as cidades de acordo com a incidência das chuvas.

Com a urbanização das cidades, os rios foram canalizados de acordo com seu tamanho e a infraestrutura dos bairros que havia em seu entorno. O geógrafo e educador Luiz de Campos Júnior aponta os problemas na canalização dos rios paulistanos: “A água que sai das casas vai para os rios, responsáveis por drenar toda a água da cidade. À medida que os tampamos, essa mesma água retorna para nós”, explica. Luiz é criador do projeto Rios e Ruas, uma iniciativa que multiplica o conhecimento sobre as principais bacias hidrográficas de São Paulo e promove a exploração das áreas intensamente urbanizadas, redescobrindo a natureza de rios soterrados.

 

Jardim Romano

Às margens do rio Tietê nasceu o Jardim Romano, bairro localizado na zona leste de São Paulo que sofreu com enchentes constantes por cerca de uma década. Assim como na maioria das periferias, a comunidade local foi formada por migrantes vindos do Nordeste em busca de melhores oportunidades de trabalho, acesso à educação de qualidade e à cultura.

“Esse é o lugar mais nordestino que eu conheço de São Paulo, eu encontro gente da mesma cidade do meu pai, e que conhece meu tio”, explica a moradora, Ana Carolina Marinho, sobre alguns dos motivos pelos quais ela e seus vizinhos não se mudam do local. Ana é atriz e participa do coletivo Estopô Balaio, um grupo de teatro que desenvolve, desde 2010, um processo artístico baseado no cotidiano dos habitantes do bairro, dando voz à população. “Quando o nordestino tem alguma coisa presa na garganta e que precisa dizer para o mundo, dá o Estopô Balaio! (expressão nordestina) Fala, coloca para fora”, explica João Júnior, diretor e fundador do coletivo, sobre o nome do grupo.

 

Confira entrevista com João Júnior para a eOnline

 

Após uma forte chuva que alagou o Jardim Romano por três meses, João fez uma imersão na vida dos moradores, que em cena reconstroem suas próprias histórias de superação, diante dos alagamentos presentes em seu cotidiano. 

Para o professor Luiz, os casos de inundações do Jardim Romano serão resolvidos somente se encarados como um problema de ordem social. “Lá é um lugar de leito maior de rio, onde foram construídas avenidas e casas. Quando a chuva cair, o rio vai continuar a dar vazão às águas da mesma forma, vai manter seu curso”, afirma.

Atualmente, o coletivo Estopô Balaio ensaia no bairro do Brás, na SP Escola de Teatro, espaço onde realiza uma residência artística. Contudo, sua sede, no Jardim Romano, continua a oferecer uma programação com oficinas, shows, apresentações de teatro e saraus. Segundo João, não há um critério definido para a escolha dos artistas, mas sim para relações de afeto e convívio. “As pessoas vão chegando perto e sendo afetadas pelas atividades do coletivo. Isso se transforma em parcerias artísticas ou em amizades”, comenta.

 

“Como disputar territórios simbólicos e imagéticos dentro da cidade?
Essa é uma pergunta que nos move.” 

 

A rotina dos moradores do Jardim Romano, em meio a alagamentos, enchentes e perdas, deu origem ao documentário Estopô Balaio, dirigido por Cristiano Burlan. Após conhecer o trabalho do coletivo, o diretor passou a visitar o bairro, sempre com uma câmera e com a vontade de fazer um filme. “Nesse trabalho, eu parti do público e do geral para chegar ao privado. As águas inundaram as ruas e as casas dos moradores, que foram obrigados a reinventar suas vidas, a criar perspectivas de sobrevivência e de re-existência. A arte se aliou a esse processo”.

O longa-metragem inédito participou do Festival Latino Americano de Cinema de São Paulo, no Memorial da América Latina (2016); do Festival Filmar, na Suíça (2016); do Festival de Cinema de Brasília (2016) e circulou nos cinemas nacionais, sendo também exibida no Sesc Itaquera. Agora, chega ao Sesc Belenzinho para única sessão.