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O direito à cidade como direito humano
As múltiplas abordagens que a relação entre espaço e cultura possibilita, sobretudo as dimensões simbólicas e econômicas encontradas no ambiente urbano, foram os temas abordados no Encontro Internacional Espaços Culturais Urbanos, realizado dias 22 e 23 de setembro, no Sesc Bom Retiro.
Não escolhida por acaso, a unidade ainda jovem – inaugurada em 2011, está inserida em um ambiente urbano conflituoso, de dura realidade social, mas que não pode ser resumida a essa característica. Quase que na mesma rua do Sesc está a chamada “cracolândia” e basta uma caminhada de alguns minutos pelo Bom Retiro, Campos Elíseos e região da Luz para se deparar com um grande número de espaços culturais pelo seu entorno.
“Um equipamento por si só não traz requalificação de uma área degradada, nem sustenta sozinho um processo mais amplo de transformação urbana. É preciso unir forças na gestão compartilhada dos espaços de interesse público”, destacou o diretor regional do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda, na abertura do evento.
É nesse sentido da integração, colaboração e compartilhamento de ideias, saberes e experiências que diversos temas relacionados aos desafios da gestão cultural em espaços públicos foram debatidos em sete mesas com profissionais e pesquisadores e representantes de instituições culturais e gestores da cultura do Brasil, de países latino-americanos e europeus.
Arquitetura, identidade, memória, planejamento, territorialidade, relações público-privadas e sustentabilidade foram algumas questões abordadas. Temas fundamentais para ter um panorama de ações culturais que se articulam em demandas sociais de diversas realidades e as relações entre espaço e cultura e as possibilidades sobre a paisagem urbana.
Exemplos como a organização coletiva do projeto Arquitetura Expandida, de Bogotá, que trata a cultura como principal dispositivo de ordenamento territorial. A exclusão criada pela alta renda imobiliária – e o lúdico e festivo de ações culturais em ações de resistência a isso como o movimento Ocupe Estelita, no Recife. Além do impacto da criação de novos espaços por conta de grandes eventos, como o projeto Barra Olímpica, que pretende criar um novo bairro na região da Barra da Tijuca, no RJ, por conta dos Jogos Olímpicos de 2016.
A valorização do local, do regional, para entender a complexidade do espaço de cada realidade. A importância do surgimento de uma cidade criativa com características locais, a especificidade urbana de países subdesenvolvidos (em desenvolvimento, emergentes, seja lá qual for o termo correto), e a análise de seus problemas com um olhar interno, já tão discutido por Milton Santos sobre a urbanização desigual desses locais. Destaque com marca texto fluorescente para esse tema, bastante citado durante os dois dias do Encontro.
Até que ponto é eficaz pensar em uma cidade sustentável e criativa com base em modelos de fora do país, com realidades distintas às vividas em solo brasileiro? A cidade é para quem? Os donos dela são os que detêm o capital? É preciso pensar desenvolvimento urbano para além do desenvolvimento econômico, caminhando junto ao desenvolvimento humano e social e a utilização de ações e espaços culturais como eixo desse desenvolvimento.
Ficam essas questões com o destaque para um dos projetos apresentados no Encontro, o Imargem, lá do extremo da Zona Sul da cidade de São Paulo. Distante geograficamente da região central do Bom Retiro, mas que mostra a importância da intervenção urbana por meio de ações culturais e toca em um ponto comum a qualquer região: a convivência.
Daniela Gonçalves é jornalista e especialista em gestão de projetos culturais. Pesquisadora de manifestações culturais pernambucanas, trabalha atualmente no projeto Fábricas de Cultura, espaços culturais na periferia da cidade de São Paulo.