Sesc SP

Matérias do mês

Postado em

Um pequeno conto fantástico sobre uns amigos que queriam passar mais tempos juntos

Cláudio Tolcachir, é fundador e diretor do Timbr4, grupo argentino de teatro<br>Foto: Divulgação
Cláudio Tolcachir, é fundador e diretor do Timbr4, grupo argentino de teatro
Foto: Divulgação

Cláudio Tolcachir, como ele mesmo prefere se apresentar, é alguém do teatro. “Para além do papel, uma pessoa que vive no teatro”. E nesse caso, literalmente. O diretor e um dos fundadores do Timbre4, grupo de teatro de Buenos Aires (Argentina), morava numa antiga fábrica que se transformou na sede do grupo.

Em fevereiro, o Timbre4 ocupa o Sesc Belenzinho com quatro espetáculos e uma oficina. Leia mais.

A EOnline conversou com Cláudio para conhecer um pouco sobre o processo e o funcionamento do grupo formado faz 15 anos, como é a gestão do espaço, a criação dos espetáculos e o que podemos esperar durante a Ocupação Mirada (de 6 a 16 de fevereiro). A seguir, você pode conferir os principais trechos da entrevista, feita por e-mail e com tradução livre.

EOnline: O Timbre4 surgiu como "um lugar de trabalho"... Como dizem seus fundadores, “é uma casa. E a casa é uma escola. E a escola é um teatro...”.
Cláudio Tolcachir: É quase literal. Eu morava em uma antiga fábrica de calçados e ali começamos a nos reunir para ensaiar, treinar e ensinar. Como era nosso espaço, decidimos abrir ali mesmo uma pequena sala de teatro.  Ao mesmo tempo, as aulas foram enchendo de alunos e os espetáculos de espectadores e esta casa/teatro começou a expandir.

Foi uma tarefa difícil, mas muito divertida, instalar a ideia de que ali havia um teatro. Mas com o tempo funcionou e cresceu, inclusive idilicamente. Com mais aulas e salas de teatro. Um pequeno conto fantástico sobre uns amigos que queriam passar mais tempos juntos.

EOnline: Segundo o site do grupo, em 2001, o grupo sentiu que precisava ter um espaço próprio, para poder levar a cabo experimentações, exposições etc. e o construiu de acordo com suas necessidades. Você poderia contar um pouco sobre o que são essas experimentações e sobre como a arquitetura do espaço foi pensada/desenhada nesse sentido? Pensando nisso, como é a relação entre o texto, sua estrutura, suas linhas de ação, o corpo, as emoções e o raciocínio do ator? Como se "constrói" um ator, no sentido da "enorme diferença entre atuar e agir, entre estar e mostrar. Represenatr um pensamento ou uma emoção ou ou chegar num verdadeiro proceso de pensamento que produza uma emoção genuína, nascida no aquí e agora, que nos propõe a cena” (texto traduzido libremente do site do grupo).
C.T.: Gosto de pensar o teatro como uma ciência, uma vez que nos permite experimentar. E estas experiências geram novas inquietudes e perguntas. Nossa primeira necessidade era fazer, enfrentarmo-nos com a realidade de gerar ação. Então, com cada proposta nova surgiam novas inquietudes: com o espaço buscando a relação mais adequada entre espectadores e atores, modificando a sala para criar novos espaços e com cada espetáculo tentando gerar mais verdade e acuidade para a performance.

O trabalho sobre o pensamento, a comunicação, a escuta. Os corpos no espaço. A intensidade. Isso é a matéria que se está sempre investigando, redescobrindo. Suponho que se trata de uma matéria infinita. Nem sempre esta busca é linear, muda a cada projeto. Se há algo que me motiva sempre é buscar o essencial, descartar o adorno e a autoafirmação de um estilo. Buscar a desnudez, neste caso, como marca registrada.

EOnline: As pessoas envolvidas com as peças também tomam parte na administração do espaço? Ou contrataram alguém pra fazê-lo? Se sim, como essa pessoa está envolvida com o grupo, uma vez que a construção do espaço parece ser fruto de um movimento gestado no íntimo da companhia e de suas necessidades. Caso não, como eles dividem tarefas e trabalhos que não tem a ver com o cotidiano da montagem da peça?
C.T.: Cada espetáculo é uma cooperativa em que todos cobram o mesmo e dividem as tarefas e a responsabilidade. O teatro e a escola formam outra cooperativa com aqueles que se interessaram e envolveram na construção e administração do espaço. É fundamental nestes empreendimentos a clareza cristalina dos pactos que se criam. O respeito por quem divide os espaços e a capacidade de compreender e aceitar as diferenças. Trabalhamos juntos faz 15 anos e estes meninos foram crescendo e mudando. O trabalho sempre nos uniu. E nos organizou. Muito além de nossos estados pessoais.

Um grupo de pertencimento pode ser muito nutritivo e reparador, mas nunca deve ser uma prisão que nos obriga a conviver. É uma tarefa diária descobrir como é este processo.

EOnline: Em 2014, vocês completam 15 anos. O que isso quer dizer? O que marca/marcou esses anos?
C.T.: Até agora foi um sonho maravilhoso: poder estar juntos, desenvolver nossa vocação, viver de nosso trabalho, viajar, compartilhar as experiências que vivemos com o público e os festivais. Felizmente, segue resultando um belo plano compartilhar o tempo entre nós. Ficamos muito felizes. Encontrar-nos é uma excitação muito particular.
Aprender a crescer junto, somando a muitíssimas pessoas que partilham este projeto e o consideram seu. Creio que esta capacidade de nos reinventar toda vez foi nosso maior tesouro.

EOnline: Como a trajetória do Timbre4 está relacionada ou não com a do teatro na Argentina, ou em Buenos Aires?
C.T.: Antes de tudo, o Timbre4 é herdeiro de diversos grupos que criaram o teatro independente na Argentina. Grupos que introduziram Beckett (dramaturgo e escritor irlandês) ou Brecht (dramaturgo,poeta e encenador alemão). Portanto, grupos que resistiram às ditaduras. Formamo-nos nestes espaços e então construímos o nosso. E, como nós, muitos grupos encontraram na criação de grupo e de espaços uma maneira de resistir a tantas crises e desolação.

Sentimo-nos parte de um movimento que nos orgulha e com o qual estamos conectados. Por admiração ou por carinho. Ver todos crescerem é um grande sonho.

EOnline: Em fevereiro, vocês apresentarão quatro espetáculos no Sesc Belenzinho. Existe alguma linha condutora entre eles? Como se relacionam ou não?
C.T.: Os espetáculos, seguramente, se relacionam no estilo, em certas obsessões ou nas limitações da autoria dos quatro. Têm em comum que são histórias relacionais. Pessoas que tentam e se chocam com a realidade de diferentes maneiras. São obras sobre gente comum com enormes dificuldades de levar adiante o mais simples da vida. São histórias patéticas que transitam a dor e o humor em diferentes medidas. E certamente têm em comum um tipo de atores, os quais adoro por sua entrega e pela vida de que são capazes no palco.

EOnline: Como foi participar do Festival Mirada em 2010?
C.T.: Para nós foi um luxo. Algo muito desejado e buscado. Nos sentimos muito próximos humanamente, como cidades. E nos deu muita alegria sentir que nos entendíamos perfeitamente. Tive a sorte ainda de poder participar também como ator.

EOnline: E do FIT, em 2013, com Emília?
C.T.: Foi nossa primeira viajem com “Emília”. Todos os nervos e a ilusão de fazê-la fora de casa. Por sorte, até agora, temos a sensação de termos nos encontrado e sentido muito próximos do público.