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FOOD discute a relação do homem com a comida
Numa sala branca, um toldo rebaixado define as dimensões do piso, onde várias dúzias de ovos estão espalhadas pelo chão. No centro, pedestal traz um prato com um ovo galado (fecundado) aberto. A instalação Entrevidas da artista ítalo-brasileira Anna Maria Maiolino foi realizada pela primeira vez em 1981, e agora, remontada, integra a exposição FOOD – Reflexões sobre a Mãe Terra, Agricultura e Nutrição, de 20 de fevereiro a 4 de maio, no Sesc Pinheiros.
Mais que um alimento, a imagem concebida por Maiolino fala da vida. Idealizada logo após a abertura democrática no Brasil, Entrevidas concetrava na figura do ovo a percepção de resistência. “A vida, quando se dá a chance, continua”, diz a artista. “Era assim que nós, artistas, nos sentíamos naquela época da redemocratização, ainda que não soubéssemos ao certo como o novo governo (Figueiredo, 1979-1985) se comportaria”.
Na obra, o ovo é, portanto, um elemento ancestral, que simboliza alimento e também o “pisar em ovos” do futuro incerto. Múltiplas leituras como esta do alimento e sua função-relação-conexão com a sociedade permeia toda a exposição FOOD. Com concepção e curadoria de Adelina von Fürstenberg, diretora da Art for The World (organização não governamental associada ao Departamento de Informação Pública das Nações Unidas), a mostra reúne no Sesc Pinheiros instalações, pinturas, esculturas, fotografias e vídeos de 16 artistas contemporâneos de todo o mundo que versam sobre a preservação da natureza e discutem questões relacionadas direta ou indiretamente ao alimento.
“Nossa relação naturalmente acolhedora com a comida é muito mais complexa e significante que uma mera conexão com o ato lúdico de cozinhar”, explica a curadora suíça (de origem armênia). “Quando comecei a conceber o projeto que resultaria na FOOD, pensei no alimento dentro de uma problemática maior e mais contemporânea. Quis relacioná-lo à saúde, porque hoje nos alimentamos muito mal – a junk food, de um lado, e as epidemias da fome, de outro, estão aí para comprovar isto – e relacioná-lo ainda a questões de comportamento, industrialização e natureza: não podemos ignorar que o modelo de produção agrícola vigente exaure terras mundo afora”.
Assim, no decorrer do espaço expositivo, além de Maiolino e dos brasileiros Lenora de Barros, Ernesto Neto e Eduardo Srur, investigações diversas sobre o alimento também são propostas pelas obras de Marina Abramovic (Sérvia), Stefano Boccalini (Itália), Mircea Cantor (Romênia/ França), Ymane Fakhir (Marrocos/França), Martand Khosla e Raghubir Singh (Índia), Miralda (Espanha), Angelo Plessas (Grécia), Pipilotti Rist (Suíça), Shimabuku (Japão), Barthélémy Toguo (Camarões/França) e Nari Ward (EUA).
“Artistas como estes funcionam como ‘professores’ – não no sentido tradicional, mas naquele de quem provoca uma discussão e nos inspira a aprofundá-la”, diz Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo. “A proposta da FOOD está profundamente ligada ao Sesc, instituição comprometida com a questão alimentar e, mais que isso, com a educação alimentar, na medida em que propõe uma ação que visa não apenas a entrega e a distribuição de alimentos, mas refletir e discutir sobre elas”. [Saiba mais sobre o programa Mesa Brasil]
Multifacetada, FOOD se readapta a cada local em que se estabelece. A exposição chega ao país em sua segunda edição: a primeira aconteceu em Genebra (2012-2013), na Suíça, e, após esta montagem no Brasil, seguirá para Marselha, na França, onde ocupará o Museu de Civilizações Europeias e Mediterrâneas (MuCEM) entre outubro de 2014 e fevereiro 2015.