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"Ô Sorte!"
Pode-se dizer que Wilson das Neves nasceu no meio do batuque, na Zona Norte do Rio, em 1936. Como ele mesmo lembra, "era uma família de festeiros, de gente que gostava de choro, de pagode, de roda de partido alto, de modo que nasci ouvindo música, e desde cedo tive certeza que não seria outra coisa a não ser músico e baterista".
Ele estava estava com 21 anos quando começou a ter contato com nomes que fariam história na MPB. Aos poucos se destacou em shows e gravações, até virar o baterista favorito de importantes nomes da música como Chico Buarque, Elis Regina, Wilson Simonal e outros que o consideravam um mestre do ritmo.
Em 2014, o músico completa 60 anos de profissão e a comemoração será nas unidades do Sesc durante o mês de fevereiro.
No Sesc Osasco, dia 15, no Programa "O Samba Pede Passagem", uma série de espetáculos mensais, com grandes sambistas, em shows conduzidos e apresentados pelo radialista Moisés da Rocha, titular do homônimo programa da rádio USP FM e uma das figuras mais conhecidas do circuito do samba em São Paulo. O projeto quer ser uma oportunidade de animação musical, educação cultural e de resgate histórico. O show de Wilson das Neves terá abertura da cantora Bernadete e grupo Água de Benzê.
Dia 17, no Sesc Consolação, Wilson se apresenta no projeto "Instrumental Sesc Brasil" e nos dias 18 e 19 segue para o Sesc Santo André e depois Sesc Sorocaba no projeto "Circuito Sesc de Música", ação em rede que visa difundir trabalhos de relevância artística, e fomentar a produção cultural.
Em conversa com a EOnline, ele fala sobre suas paixões: o samba e a bateria, os novos músicos, o bordão "Ô Sorte" que frequentemente usa, entre outras coisas. Leia a seguir os principais trechos da conversa feita por telefone.
EOnline: Como foi para você, então com 21 anos, estar entre aqueles importantes nomes da MPB? E como isso o transformou pessoalmente e profissionalmente?
Wilson das Neves: Trabalhar com todos esses músicos só me deu bagagem para continuar trabalhando, e acreditando no meu trabalho. Eu sou mais um que faz, ou que procura fazer, o melhor de mim: tocar meu instrumento, fazer minhas músicas, nada de extraordinário. Na verdade, eu não planejo nada. Pra mim as coisas acontecem e eu agradeço a Deus por tudo isso. É Ele que reserva pra gente essas coisas, eu não vejo nada de mais. Eu vejo um caminho. Sou apenas um operário da música brasileira.
EOnline: Em que momento suas duas paixões, a bateria e o samba, se cruzaram em sua carreira?
W. N.: Elas vieram juntas. O instrumento já vinha com as melodias, as coisas que eu ouvia quando menino. O samba é nossa cara, nossa língua, nossa imagem, tudo no Brasil é samba, mas cada um toca o seu samba, pois o samba é um ritmo tão fantástico que cada um pode fazer de seu jeito. Samba é improvisação, é coração, estado de espírito.
Tudo que ouvi e vivi foi forjando minha identidade de músico, compositor, cantor e agora ator também. Participei de um seriado recente e dois filmes " Noel o poeta da vida" e "Filhos do Carnaval".
EOnline: "Uma coisa que não faço muito é inventar. A minha música não tem pirotecnia, não tem foguete". Diante desta citação feita em entrevista ao jornal Folha de SP, como seu trabalho se mantém tão atual até hoje sem muitas invenções?
W. N.: Sigo a minha linha com aquilo que aprendi. Acompanhei tanta gente boa, toquei com os melhores músicos brasileiros e ainda espero tocar com os que estão vindo, visto que temos ótimos músicos. Isto que ensina a gente. É uma troca. Músico não precisa falar. É tocar né? E a gente tocando, conversa um com o outro. Sigo tocando o que sempre toquei e sei.
EOnline: Como veio a decisão de se lançar cantor aos 60 anos no álbum "O Som Sagrado de Wilson das Neves"?
W. N.: Não foi nenhuma iniciativa minha. Eu fui convidado para gravar um disco instrumental, mas música instrumental não faz a cabeça do brasileiro. A coisa aqui é mais cantada e dançada. Quando mostrei, o produto, que era o Esdras Pereira, disse - não, é você que vai cantar, e foi assim, eu não me lancei, eles é que me lançaram.
EOnline: Considerado referência para muitos artistas da nova geração, como Emicida, B Negão e outros, fale um pouco sobre como você enxerga este cenário atual.
W. N.: Eu mais uma vez vou agradecer a Deus, porque é aquele negócio... É a juventude carregando minhas filhas, as minhas baterias são carregadas pela juventude. Se eu tô despertando alguma coisa no jovem, é sinal de que ainda sou jovem. Tem muito músico bom.
EOnline: O nome do seu último álbum faz referência a expressão "ô Sorte" que você constantemente usa quando quer agradecer algo. Como surgiu este bordão?
W. N.: Esse bordão na verdade surgiu com Roberto Ribeiro, grande cantor, e grande imperiano como eu, que também sou imperiano. Ele não sabia que eu era. Ele cantava no Império e ia nos coros de carnaval, então quando me viu no Império tocando tamborim, ele falou: " Você também é imperiano?" e eu disse: "por muitos anos", foi então que ele disse: "ô Sorte!". Dali em diante, todas as vezes que eu encontrava com ele, dizia: " ô Sorte". Infelizmente ele morreu, e agora eu falo sozinho.
EOnline: Nestes 60 anos de carreira e 77 anos de vida, ao que mais você é grato e lança o bordão "Ô Sorte"?
O que mudou no decorrer destes anos?
W. N.: Nestes anos todos de carreira e idade sou grato e lanço o bordão ao reconhecimento das pessoas pelo meu trabalho, isso pra mim é gratificante. Não é sucesso, não é nada. O decorrer dos anos não mudou nada, na verdade sou a mesma pessoa, fazendo as mesmas coisas de quando eu comecei, lógico que agora com uma bagagem maior e melhor, porque o tempo ensina a gente. As coisas mudam, mas a gente não muda não, a gente é aquilo e aquilo mesmo. Meu trabalho é um trabalho simples e sigo fazendo do meu jeito.O importante não é a gente, e sim o que a gente faz. O importante não é a pessoa, e sim o que ela faz, se ela não fizer nada
ela vem, passa e não deixa nada.
EOnline: Fale um pouco sobre essa comemoração dos 60 anos de carreira nas unidades do Sesc.
W. N.: (Após uma larga e amistosa risada) Só tenho uma coisa a dizer: "Ô Sorte"!