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Um retrato das relações familiares em dois tempos: do clássico de 1953 de Yasujiro Ozu à versão atualizada em 2013 por Yoji Yamada

O casal Tomi e Shukishi na trama de Ozu, em 1953, e na versão atual por Yamada<br>Fotos: Divulgação
O casal Tomi e Shukishi na trama de Ozu, em 1953, e na versão atual por Yamada
Fotos: Divulgação

Dois cineastas japoneses estão em cartaz na tela do CineSesc a partir de 14 de fevereiro. As obras cinematográficas em questão discorrem sobre o mesmo tema - as relações familiares - mas estão em espaço-tempo diferentes. A primeira delas, Era uma Vez em Tóquio ou Viagem a Tóquio é uma obra emblemática de Yasujiro Ozu. A trama se passa no Japão dos anos 1950, com a ocidentalização cada vez maior do país, o rompimento com a tradição e a ressaca pós-Segunda Guerra Mudial. A segunda produção, Uma Família em Tóquio, de Yoji Yamada, traz no nome a referência clara a Ozu e atualiza a trama para 2013 com questões contemporâneas. Se a Segunda Guerra Mundial era pano de fundo para Ozu e seus personagens, Yamada relembra o tsunami que devastou o Japão em 2011. Para a nora que fica viúva precocemente, surge um filho caçula, retrato da geração Y. Antes de ver as obras na tela do CineSesc, é preciso entender a história dos dois cineastas, que falam com gestos contidos por meio de seus personagens.

Dois grandes nomes de seu tempo

Yasujiro Ozu nasceu em 1903, oito anos depois dos filmes que deram início à sétima arte. Aos 19 anos, Ozu se mudou para Tóquio e começou a trabalhar na Shochiku Film Company. Seu cinema foi representativo da sétima arte japonesa, mas Ozu teve pouco reconhecimento no Ocidente enquanto estava vivo. “E talvez nem seja questão de dizer reconhecimento, era desconhecimento mesmo. A Shochiku achava que seus filmes eram japoneses demais para serem compreendidos no Ocidente, então nem se dava ao trabalho de tentar exportá-los, legendá-los, enfim”, explica Gabriel Carneiro, jornalista e crítico de cinema que neste mês ministra o curso Yasujiro Ozu: Poeta do Cotidiano, no CineSesc.

“Donald Richie, pesquisador norte-americano que se dedicou a estudar o cinema japonês, foi um dos responsáveis por convencê-los que, sim, esses filmes poderiam obter sucesso por essas bandas. No Japão, ele sempre foi reconhecido como mestre. Seus filmes davam dinheiro e iam bem de crítica, tanto que ele tinha plena liberdade de fazer o que bem entendesse, do que jeito que entendesse”. Entre os 53 filmes assinados por Ozu, a temática dos ambientes familiares - mais especificamente da dissolução do núcleo familiar - sempre foi recorrente. “Ozu fazia basicamente gendai-geki, que eram dramas contemporâneos. Ele partia sempre de uma trinca do aspecto social da vida de uma pessoa - a casa/família, a escola e o trabalho. Os enfrentamentos dos personagens de Ozu são todos da ordem do banal, do cotidianesco, do ordinário. Seja conseguir trabalho, nos primeiros filmes, até passar por questões de casamento arranjado, morte de parentes e a consequente solidão vinda disso. Mas sempre com um olhar um tanto conformista, aceitando-se que tudo isso faz parte da vida”, explica Gabriel.

Era Uma Vez em Tóquio tem um pouco de tudo isso. Na última enquete da revista britânica Sight & Sound o longa figurou em terceiro lugar na lista dos melhores filmes de todos os tempos, complados das listas de 850 críticos de 73 países. Ficou atrás, apenas, de Um Corpo que Cai (1958) e Cidadão Kane (1941). Quando finalmente o cinema de Ozu foi descoberto pelo Ocidente, conquistou admiradores como Jean-Luc Godard e Win Wenders, que presta uma homenagem falando de Ozu - e para Ozu - dizendo que o diretor ‘elevou o filme, a arte do século 20, à sua forma mais bonita’. Neste vídeo, o alemão também ressalta que ‘a linguagem cinematográfica de Ozu é a mais universal que ele conhece’.

Yoji Yamada nasceu em 1931 e, assim como Ozu, trabalhou para os estúdios Shochiku depois de terminar a faculdade em Tóquio. Ele escreveu seu primeiro roteiro em 1958 e assinou seu primeiro filme como diretor em 1961. De lá para cá - pois a carreira continua em plena atividade, aos 83 anos - já somam 80 produções na filmografia. O cineasta produziu algumas comédias e dramas sobre o universo familiar, mas é especialmente conhecido pela saga É Triste Ser Homem (Tora-san), mais longeva do cinema, composta por 48 filmes, dos quais ele dirigiu a grande maioria. Yamada tem muitos prêmios no currículo e é respeitado pela crítica no Japão e ao redor do mundo. Por que, então, focar em uma releitura do clássico de Ozu?

Gabriel Carneiro dá algumas pistas. A primeira delas é que Yamada foi assistente de Ozu em Era uma Vez em Tóquio, um filme que “trabalha com temas universais - a dissolução da família, a velhice, a morte de parentes, o conflito de gerações -, com um olhar muito sóbrio e muito humano, um melodrama sem fazer muito uso das convenções do gênero”. Mas há o toque particular da experiência de Yamada para transformar Uma Família em Tóquio em um filme com vida própria. O crítico de cinema Luiz Carlos Merten, do jornal O Estado de S. Paulo, considera que “tudo parecido, e ao mesmo tempo diferente. Não é só a cor nem a paisagem. A Tóquio de hoje mudou muito em relação aos anos 1950. A diferença maior é de tom. Na sua economia, Ozu foi ficando cada vez mais contemplativo e estilizado. Yamada é mais dinâmico, e não só na abordagem social. Seu filme tem um charme obsoleto - algumas coisas são propositalmente ‘datadas’ para homenagear Ozu. É um belíssimo filme, tão grande quanto o de Ozu. Dois artistas, duas épocas, duas concepções”.

Agora resta a você, leitora e leitor, conhecer as duas produções cinematográficas que refletem duas histórias familiares - e um único drama universal.