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Dança de boteco
por Cristina Riscalla Madi
Dança de Salão, danças étnicas, gafieira, balada, danças circulares, danças folclóricas, dança em cadeira de rodas, samba, samba-rock, forró universitário, dança contemporânea, tango, hip hop, funk. O cardápio é vasto e as opções são escolhidas conforme o gosto e a motivação do “freguês”!
Num bar na Vila Madalena, uma vez por semana um compositor ou intérprete brasileiro é homenageado; naquela noite era a saudosa Clara Nunes. No espaço mais do que apertado, uma centena de pessoas se espremia para dançar e beber. O som era ótimo e a empolgação ajudava o grupo a ganhar mais intensidade. A maioria dançava. Dançavam sozinhos, alguns casais mostravam porque estavam ali, exibindo o resultado das aulas de dança de salão – sempre dá pra notar -, ou só para estar juntinho mesmo. E, eventualmente um rapaz tirava uma moça para dançar (clássico, até hoje). Num determinado momento, uma das minhas amigas dançava sozinha, e muito bem, quando um rapaz a abordou para dançar. Ele não tinha a mínima noção de ritmo, e nem era um Apolo, o que certamente faria a minha amiga esquecer essa “bobagem” de precisar ter ritmo para dançar. Ela ficou “tentando” dançar com ele, num suplício visível para quem a conhecia. De um lado, alguém que, por alguma razão, tinha um histórico ligado ao movimento do corpo com a música e do outro, alguém que passou longe desta questão. Mas, nem por isso deixava de tentar ou exibia algum desconforto.
Inevitável não pensar em aulas abertas, workshops, cursos e atividades relacionadas a prática da dança oferecidas pelas escolas, pelos clubes, pelas próprias danceterias antes da “balada”, pelo Sesc, centros culturais e por aí vai. O que as pessoas buscam nessas atividades? O que elas esperam? Pouco sabemos sobre a verdadeira motivação, mas entendemos que cada participante pode entrar em contato com o seu próprio movimento, seu ritmo, e aí sim, olhar o outro e interagir, tendo como intermediação uma coisa chamada “dança”, que fala, expressa e diz, sem usar palavras.
Observamos também uma distância entre a dança que se vê e a dança que se faz. Como incentivadores culturais, neste ponto a atenção se volta para o eterno caminho da formação de platéia. Quando a platéia estará formada? Quando poderemos nos dar por satisfeitos e simplesmente saber que as pessoas buscarão assistir a um bom espetáculo de dança contemporânea? Boas perguntas. Vejo em muitos dos espetáculos uma grande investigação no palco, uma profundidade nas questões filosóficas levantadas como motivadoras da montagem, boas pesquisas de movimento e cuidado com a produção. Enfim, acabou-se o amadorismo. Mas, vejo também um grande distanciamento entre o palco e o público, como se este não precisasse estar lá. A sensação é a de que no palco acontece algo muito importante e divertido e a platéia apenas assiste, sem fazer parte ou usufruir daquele momento.
Mas, não deixo o pessimismo me pegar. É bom ver como a dança aparece das maneiras mais espontâneas e divertidas. Como as danças populares ganham força de tempos em tempos, como os jovens absorvem e misturam estilos e ritmos, como casais mais maduros se reencontram com as aulas de dança de salão, como ainda trazemos as danças para as celebrações – as debutantes insistem em dançar a valsa. Só consigo pensar que dançar é prazeroso por possibilitar uma expressão mais livre, de fazer circular a energia do corpo e de trazer a possibilidade do prazer. Prazer do próprio corpo em movimento, de ampliar a respiração, de brincar com o gesto, com desenhos no ar, gerar pensamentos mais positivos e de interagir com o outro simplesmente pela alegria de estar, de se permitir.
Com este pensamento volto a minha amiga e seu parceiro e penso que ela estava mesmo gostando de dançar com o rapaz e o suplício talvez fosse meu, que, sentada e observando, não conseguia encaixar o ritmo do casal com o da música. Também tenho essa mesma sensação nos espetáculos. Talvez a questão a ser colocada pra mim agora seja a de observar menos e dançar mais. O cardápio é variado e as opções são as mais diversas possíveis. Basta escolher o boteco e ir.