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Em cursos ou em salões espalhados pela cidade, paulistanos dão um baile no estresse e mostram como podem se tornar animados pés-de-valsa
 


”Mostrem-me como dança um povo e eu lhes direi se sua civilização está doente ou se tem boa saúde.” Assim dizia o filósofo chinês Confúcio no século 6 antes de Cristo. Se o mestre estiver certo, o Brasil, embora lute diariamente contra uma infinidade de problemas, tem disposição para resolver todos eles. Nosso país apresenta, em cada canto, em cada região, uma diversidade de manifestações culturais, especialmente no campo da música e da dança. Aqui se samba, dança-se o maracatu, o baião, o forró – e até o balé clássico. Aqui tem dança contemporânea, dança de salão, e o brasileiro faz bonito, sim, na gafieira, no bolero e no tango dos nossos vizinhos argentinos. “A dança é uma das manifestações artísticas mais antigas da humanidade”, escreve a historiadora e antropóloga Jussara Vieira Gomes no artigo Um Pouco sobre a História da Dança de Salão no Brasil, postado no site Dance a Dois (www.danceadois.com.br). “Teve origem nos gestos e movimentos naturais do corpo humano para expressar emoções e sentimentos, a partir da necessidade de comunicação entre os homens.”

A assistente para a área de dança da Gerência de Ação Cultural (Geac) do Sesc, Simone Avancini, complementa dizendo que, no decorrer da história, foi possível verificar que essa manifestação original assumiu diversas facetas. “Você tem as danças ritualísticas, tem a dança cênica – criada por Luís XVI [rei da França de 1774 a 1791], que é a origem do balé e que partiu de uma dança de corte –, e aí você chega às várias vertentes, até a dança do entretenimento.”

Como parte dessa última corrente mencionada por Simone está a chamada dança de salão, que Jussara Vieira Gomes informa já ter sido conhecida como dança social, por ser praticada por casais em festas “pelo menos desde os séculos 15 e 16”, segundo escreve em seu texto. No Brasil, de acordo com a especialista, os casais já rodopiam no salão desde a chegada dos colonizadores portugueses, ainda no século 16. “E, mais tarde, com os imigrantes de outros países da Europa que para cá vieram”, explica. “Num país como o Brasil, com tão fortes e diferentes influências culturais, não tardaram a se mesclar contribuições dos povos indígenas e africanos, num processo de inovação e modificação de algumas das danças europeias importadas, assim como de surgimento de novas danças, bem brasileiras.”

Mente sã em corpo são

No universo dos cursos e aulas de dança, a dança de salão é uma das mais procuradas. Nas unidades do Sesc São Paulo, por exemplo (veja boxe Corpo em movimento), o “dois para lá, dois para cá” tem atraído um grande número de interessados. “Por conta do aumento da consciência das pessoas sobre a dança enquanto atividade que proporciona bem-estar, a procura tem crescido”, diz Regiane Cristina Galante, assistente da Gerência de Desenvolvimento Físico Esportivo (GDFE) do Sesc.

A grande boa notícia é que dançar – e aí se incluem os mais diversos estilos –, além de prazeroso, faz bem tanto para o corpo quanto para a mente. A professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), também bacharel em dança e doutora em estudos teatrais e coreográficos pela Universidade de Paris, Márcia Strazzacappa explica que os benefícios começam, como se poderia imaginar, no corpo. “Tem um aspecto físico que é o do movimento”, diz. “Articulação, respiração, enfim, quanto mais movimento a gente faz, melhor, ainda mais sabendo que à medida que a idade vai passando a nossa tendência é ficar mais sedentário. Mover-se é muito bom. É para isso que os músculos e as articulações vieram ao mundo.”

Os benefícios não param por aí. Para a dançarina, professora de educação física e presidente da Confederação de Dança Esportiva (CBDande) Carla Salvagni, o ganho que mais salta aos olhos quando a dança começa a fazer parte do dia-a-dia de um indivíduo está no campo do comportamento. “Por exemplo: para uma pessoa tímida, a atividade física fará bem a sua saúde, sem dúvida, mas o maior benefício – e que se vê em poucas semanas, a diferença é nítida – é que o indivíduo passa a se relacionar com mais pessoas, se coloca melhor em conversas, ‘abre’ a postura e começa a se valorizar mais”, afirma Carla. “Já um outro aluno, extremamente prepotente, será obrigado a ‘dividir’, caso contrário não conseguirá dançar, pois a dança de salão acontece assim, os dois parceiros devem ‘jogar no mesmo time’.” E essas são evidências apenas comportamentais, fáceis de observar. Márcia Strazzacappa complementa dizendo que, a partir do momento em que uma pessoa passa a lidar com sua “memória corporal” por meio da dança, começa a trabalhar também os seus limites, buscando superá-los. “Estou conseguindo pôr para fora coisas que eu sinto, estou conseguindo me expressar com o corpo”, analisa a especialista, lembrando também que a dança pode aparecer como elemento de união entre indivíduos. “Ela também proporciona esse aspecto da sociabilização, da descontração, da recreação”, explica Márcia.

Pés-de-valsa

É isso que testemunham algumas pessoas que procuraram incluir a dança – no caso a dança de salão – no seu cotidiano. O administrador de condomínios Carlos Alberto Badan, de 50 anos, confessa que antes de frequentar as aulas no Sesc Pinheiros, em 2007, era tímido e não tinha a “cara de pau” de tirar alguma mulher para dançar em uma festa. “Agora perdi a vergonha e a timidez”, diz. Carlos lembra-se da primeira vez em que ele e os colegas “foram a campo”, como ele diz, colocar em prática, num baile, o que tinham aprendido em sala. “No início, ficamos [ele e os outros alunos] na nossa rodinha”, diz. “Depois tomamos coragem e começamos a chamar outras pessoas para a pista.” Entre os benefícios que a dança trouxe para Carlos, ele lista a desinibição, segurança e, claro, a tão sonhada “cara de pau”.

Desinibida, dona Yolanda Fermino, de 74 anos, sempre foi. “Sou atleta [nadadora] e entrei também na informática”, relata para em seguida afirmar ter “mil e uma atividades”. No entanto, uma coisa a enfermeira aposentada nunca teve oportunidade de fazer: dançar. “Eu nunca tinha ido a um baile, eu fiquei velha sem ter ido a um baile”, confessa. Ela explica que sempre foi muito ocupada, com dois empregos para sustentar, sozinha, os três filhos. Com isso não sobrava muito tempo para o lazer. “Além disso, no meu tempo ir a baile era coisa de menina perdida.” Mas agora a visão de dona Yolanda mudou. “Hoje em dia eu vejo que não há maldade nenhuma, as pessoas vão lá [no curso de dança no Sesc Santo André] para brincar, para se distrair, para refrescar a cabeça e aquecer os pés”, afirma. “Às vezes acontece de arrumar namorado, né? Não é o meu caso.” Animada e festeira, a aluna mais agitada da turma se desdobra em elogios às aulas que faz. “Eu acho que a dança me realiza, ela completa a gente como relacionamento, eu sou bem idosa, sou a avó da turma, eles me chamam de ‘vozinha’. Eles me prestigiam bastante, eu amo a dança.”

Rita Fernandes Lima, de 43 anos, assistente administrativa, também frequentou as aulas do Sesc Pinheiros há dois anos. “Ninguém sabe, mas todo mundo gosta de dança”, diz. “Eu sempre fui tímida para dançar, até arriscava uns passinhos de forró ou samba, mas era aquele ‘vai para lá e vem para cá’ somente.” No curso, Rita teve a oportunidade de aprimorar os passos dos ritmos que já sabia e ainda aprender novos. “Merengue, mambo, salsa eram coisas que eu sempre via e nunca imaginava que podia dançar”, diz, lembrando do tempo em que “não era fácil para fazer amizades” e “se soltar”. Hoje, a Rita que dança quer mais é conhecer gente. “Nossa turma sai junta até hoje, vamos a festas, comemoramos aniversários”, diz. “Dançar faz bem para a saúde, a gente se desestressa, se diverte, se mexe, é ótimo.” 


Corpo em movimento
A diversidade de propostas marca a ação das unidades do sesc na área da dança


São muitas as escolhas que uma pessoa pode fazer para tomar contato com a dança nas unidades do Sesc. Na programação, ela aparece como espetáculo, como cursos, como oficinas, workshops, ou seja, há atividades para todos os públicos. Desde quem quer aprender mais sobre dança contemporânea até quem quer redescobrir sua corporiedade e sensibilidade. “O objetivo do Sesc é você ter acesso aos mais diversos estilos e linguagens”, esclarece a assistente para a área de dança da Gerência de Ação Cultural (Geac) do Sesc Simone Avancini.

“Normalmente, nas unidades, a dança – e, quando a gente diz dança, está falando de uma infinidade de técnicas (dança de salão, dança contemporânea, enfim, vários estilos) e práticas (cursos, aulas abertas e vivências) – é proposta como forma de diversificar as atividades oferecidas aos seus frequentadores”, completa Regiane Cristina Galante, assistente da Gerência de Desenvolvimento Físico Esportivo (GDFE) do Sesc.

A unidade do Sesc Santo André oferece aulas abertas e cursos de dança durante todo o ano dentro do Programa de Dança. “Temos dois segmentos de cursos”, explica Carla Romano, ?técnica da unidade. Na linha do que é chamado de danças diversas, são apresentadas manifestações de diferentes países, como dança árabe, cigana, indiana, danças circulares sagradas, flamenco, brasileiras etc. A programação de dança de salão da unidade  baseia-se nas danças sociais de casais como, por exemplo, o forró, o samba de gafieira, o samba rock, o tango, a salsa e o bolero. “Neste contexto destacamos como benefícios físicos o desenvolvimento e aprimoramento das dimensões espacial e temporal, a coordenação motora, o ritmo e a agilidade”, afirma a programadora, complementado que a dança pode ser entendida como uma possibilidade de descoberta das potencialidades humanas e suas inter-relações.

Nesse aspecto, a ação do Sesc na área da dança também visa desenvolver a sensibilidade e a capacidade de comunicação por meio do corpo, momento no qual mesmo um curso de dança de salão pode se aproximar do conceito original dessa manifestação artística: a expressão do indivíduo. “Normalmente, o público que procura as atividades ligadas à dança nas unidades é formado de pessoas que têm pouco contato com as técnicas”, revela Simone Avancini. “Mas são pessoas que gostam de dançar de uma forma ou de outra. Então são primeiros contatos. Pode ser, por exemplo, que uma pessoa foi despertada para a dança porque fez uma aula aberta que ela gostou e decidiu procurar o curso. É dessa forma que a gente estimula o contato das pessoas.”

O Sesc Pinheiros atualmente não inclui cursos de dança de salão em sua programação, mas oferece constantemente aulas abertas aos finais de semana com grandes nomes do cenário profissional. “A gente acaba inserindo na programação vários tipos de dança”, informa a técnica da unidade Cristine Christofoli.

“Já tivemos dança indiana, flamenco, enfim, inúmeras oficinas de dança. Por exemplo, em abril, tivemos um espetáculo de dança com a Mimulus Cia. de Dança [que cria espetáculos a partir de elementos da dança de salão], aí a gente procura voltar a programação de aulas abertas para a dança. Ou seja, há o espetáculo, mas depois um bailarino da companhia dá uma aula aberta para todos os interessados.”

Outra vertente bastante trabalhada nas unidades do Sesc é a da chamada dança cênica, com espetáculos profissionais que sempre primam por apresentar o que de mais novo e instigante tem se produzido na área. “Hoje, a maioria dos espetáculos que podem ser vistos no Sesc está ligada à produção contemporânea. E a dança contemporânea tem várias frentes, porque é possível utilizar as mais diversas técnicas, desde o balé até a dança moderna, e reconstruir isso dentro de cada pesquisa”, declara Simone Avancini, da Geac. A programação de dança das unidades revela um verdadeiro panorama da dança contemporânea não só de São Paulo, mas de todo o Brasil e, às vezes, também de fora. “O Sesc trabalha com esse leque, com vertentes que tenham tanto obras ligadas ao popular quanto obras ligadas ao contemporâneo, às novas tendências, novas pesquisas. Esse leque é muito aberto porque trabalhamos com a diversidade.”






 

Quem dança os males espanta

Alguns dos ritmos que fazem a cabeça – ou melhor, o corpo todo – dos amantes do movimento


Tango
 
De coreografia complexa, exige grande habilidade dos bailarinos. Originou-se na região do Rio da Prata, na cidade de Buenos Aires, na Argentina, e em Montevidéu, no Uruguai.

Samba de gafieira
 
A gafieira costumava ser o nome dos locais onde se dançava a dois durante as décadas de 1940 e 1950. O mais conhecido desses locais, a Estudantina, fica no Rio de Janeiro e funciona até hoje.

Dança flamenca
 
Fortemente influenciada pela cultura cigana, o flamenco é associado principalmente à região da Andaluzia, na Espanha, e tornou-se um dos ícones da cultura espanhola.
 

Dança do ventre
 
Ancestral, o estilo nasceu com movimentos diferentes do que se vê hoje. Há registros de que essa dança tenha passagem pelo antigo Egito, Índia, antiga Pérsia e Grécia, sendo praticada em rituais religiosos e como “exercício” para preparar as mulheres para o parto.

Bolero
 
Mistura raízes espanholas com influências locais dos vários países hispano-americanos aonde chegou. Surgiu no Caribe, mas sofreu modificações, especialmente na temática – sempre tórridas histórias de amor – e no ritmo, tornando-se mais lento.

Sapateado
 
Irlandês de origem, o estilo consiste em fazer ruídos sincopados com os pés. A modalidade tornou-se mundialmente famosa com os musicais norte-americanos. Nos Estados Unidos, o sapateado sofreu influência dos escravos e dos colonizadores ingleses.