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Invasão verde-amarela
IMMACULADA LOPEZ
(matéria publicada na edição nº 319 de "Problemas Brasileiros", de janeiro/fevereiro de 1997)
Iniciada como um fenômeno digno de nota apenas em 1985, a emigração brasileira para o Japão mostra números espantosos. Em 1995, estavam registrados no Ministério da Justiça japonês 176.440 brasileiros, que fizeram do Japão o terceiro país mais procurado pelos nossos emigrantes. De acordo com o primeiro Censo dos Brasileiros no Exterior, divulgado pelo Itamaraty em meados do ano passado, há mais brasileiros apenas nos EUA (610 mil) e no Paraguai (325 mil).
Do outro lado, outra terceira posição: no Japão, a colônia brasileira só é menor que a chinesa e a coreana.
Mas não é apenas a quantidade de pessoas que chama a atenção. A geógrafa Rosa Ester Rossini, da Universidade de São Paulo, destaca duas outras características dessa colônia: a velocidade de seu crescimento e a homogeneidade de sua composição. "Ela é formada essencialmente por descendentes de japoneses", diz. Identificados pela palavra japonesa dekassegui, esses emigrantes são acolhidos legalmente e, muitas vezes, trazidos pelas mãos das próprias empresas japonesas, ou seja, com garantia de emprego.
Perfil
Uma colônia formada dessa maneira gera uma movimentação econômica que não pode ser desprezada. Geralmente, cada um desses trabalhadores ganha de US$ 1,5 mil a US$ 3,5 mil por mês, e destina pelo menos US$ 1 mil para o Brasil. Fazendo as contas, chegam mensalmente ao país US$ 200 milhões. O restante é gasto no Japão ou acumulado na poupança, que geralmente faz parte da bagagem de volta.
O Banco do Brasil, cuja agência em Tóquio é uma das mais procuradas pelos brasileiros, realizou em 94 uma pesquisa para descobrir o que seus correntistas planejavam fazer com a quantia acumulada. Abrir empresa própria foi a resposta mais freqüente (33,73%). Em seguida, a intenção mais manifestada foi a de comprar imóveis (32,27%). E, em terceiro lugar, custear despesas escolares (16,09%). Detalhe: esses sonhos seriam realizados no Brasil.
Caminhão da alegria
Apesar de preocupados com o pé-de-meia, os dekasseguis reservam uma parte de seu dinheiro para sentir-se um pouco mais perto do Brasil.
"A cada semana, um caminhão percorre todo o Japão, carregado de revistas, roupas, jornais e comida brasileira", descreve Nelson Toyomura, do jornal "Tudo Bem", "como aqueles caixeiros-viajantes de antigamente." Ele não esconde o entusiasmo ao falar desses supermercados ambulantes que matam as saudades dos brasileiros que trabalham pelo interior do Japão. Os que moram nos grandes centros urbanos já contam com outras opções. Não faltam restaurantes, videolocadoras, lojas de roupa, supermercados, além das discotecas – todos com produtos brasileiros. Em Oizumi, província de Gunma, por exemplo, até existe o "Brasil Town", uma avenida com quase 40 lojas ao gosto verde-amarelo. A maior parte desse comércio é iniciativa dos brasileiros que, unidos a sócios locais, decidem investir seu dinheiro no próprio Japão.
O jornal "Tudo Bem", onde trabalha Toyomura, é outro sinal dos promissores negócios. Existente há quatro anos, é escrito em português por duas equipes: uma no Brasil e outra no Japão. Semanalmente, são mais de 45 mil exemplares impressos. E há ainda outros três jornais em português: o "Internacional Press", a "Folha Mundial" e o "Nova Visão".
Folheando o "Tudo Bem", fica evidente a variedade do rico mercado composto pelos imigrantes brasileiros. Do lado de lá, não faltam anúncios de lojas de CDs com especialidades brasileiras, açougues, churrascarias, além de disk-food, que oferecem de feijoada a brigadeiro. Do lado de cá, governos estaduais (como o de Tocantins), empreiteiras imobiliárias e empresas de leasing tentam atrair os leitores prestes a retornar ao Brasil.
Triplo K
Mas a volta não é fácil. "No Japão o brasileiro aceita o ‘triplo K’: kiken, kitsui e ktanai" (adjetivos para o tipo de trabalho que encontra: ‘arriscado’, ‘puxado’ e ‘sujo’). Mas voltando ninguém quer ser peão", comenta Toyomura. Pertencente à classe média, o emigrante geralmente interrompe os estudos por vários anos ou, se formado, não adquire nenhuma experiência na sua área. Portanto, ao voltar não consegue encontrar vez no mercado e ser bem remunerado. Por isso mesmo, montar um negócio próprio surge como desejo geral. Mas essa opção também não tem sido nada tranqüila.
"Ele chega desconfiado, com US$ 45 mil a US$ 60 mil nas mãos e uma ansiedade acelerada", descreve Ivan Evangelista Júnior, gerente regional do Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) em Marília, no interior paulista. Na região, existem pelo menos oito cidades com forte presença de famílias japonesas. Evangelista conta que, a partir de 94, começaram a perceber esse novo público procurando o balcão de informações.
"A pessoa tem o capital, mas desconhece o mercado, principalmente porque ficou muito tempo longe. Assim mesmo, tem muita pressa em começar um negócio." O desconhecimento e a precipitação têm feito muitos projetos naufragar. E, freqüentemente, a solução tem sido a volta ao Japão. Segundo Evangelista, 60% a 65% dos que chegam à região acabam partindo novamente.
Atento a essa situação, o Sebrae local passou a dar um atendimento especial ao grupo, tentando conquistar sua confiança e informá-lo do cenário nacional. Ao mesmo tempo, está fazendo contínuas pesquisas com as prefeituras locais para descobrir que tipos de serviço estão faltando nas cidades.
"Investimentos bem canalizados podem ter um grande impacto local", avalia Evangelista. Ele cita o exemplo da cidade de Bastos, que teve um expressivo aquecimento no seu pacato comércio.
Planos para a volta
Entretanto, para que essa experiência se multiplique, a postura das autoridades e dos próprios imigrantes ainda parece ter muito o que mudar.
"Raramente a pessoa planeja sua volta ao Brasil. Ela teria que começar a se preocupar ainda no Japão", opina Evangelista. Tendo isso em vista, o Sebrae Nacional criou, em 94, seu primeiro balcão internacional: uma unidade de atendimento na agência do Banco do Brasil em Tóquio. Em média, são cem consultas por mês, principalmente sobre novas oportunidades de negócios. Além do aspecto do trabalho, a volta ao Brasil traz muitos outros inconvenientes. Um dos mais importantes diz respeito à educação das crianças que passaram períodos importantes de sua vida escolar no Japão. "Os pais pensam em retornar, mas como seu filho vai começar a primeira série com oito, nove, dez anos?", pergunta o educador Carlos Shynoda, referindo-se às crianças que chegam pequenas ou nascem lá e logo se integram à escola japonesa, sem ao menos ser alfabetizadas em português.
Rejeição
Segundo Shynoda, como a prioridade dos pais é o trabalho, eles geralmente não têm tempo para ensinar o português a seus filhos. Na verdade, raramente se preocupam com isso. A própria criança começa a rejeitar a língua. E, na hora de voltar, já no Brasil, não encontram nenhum apoio especial.
Para ajudar a resolver esse problema, o educador lançou, em conjunto com a Pueri Domus Escolas Associadas, o "Mutirão da educação – Preparando o caminho de volta". São vendidos aos pais kits educacionais (da alfabetização à quarta série), padronizados conforme o sistema brasileiro. De acordo com nossa lei, a escola brasileira pode avaliar o conhecimento da criança que completou as primeiras séries no exterior e decidir em que série vai estudar. "A maioria dos pais desconhecem esse fato, e ficam desnorteados ao voltar."
Em paralelo, outra iniciativa está se concretizando. Desde 95, os jovens brasileiros podem fazer supletivo de primeiro e segundo graus a distância, com valor oficial. Coordenado por Shynoda, o projeto, do qual já participam 270 alunos, resultou de um convênio entre a Universidade Bandeirante de São Paulo e o Centro de Ensino Tecnológico de Brasília.
Para Shynoda, seu maior significado é dar perspectiva aos jovens brasileiros que moram no Japão. Os que chegam ao país com 10 a 12 anos apresentam grande dificuldade de integração na escola japonesa. Os que vão com 14 a 16 anos, depois de um ano ou dois, já começam a trabalhar e nem se matriculam nas escolas. "Eles não recebem nem a educação brasileira nem a japonesa", adverte. E os que não trabalham acabam facilmente se envolvendo com a delinqüência juvenil. "Não há motivação nem perspectiva." Daí a importância do projeto. "Ter uma sala de aula brasileira no Japão é muito bom."
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