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Não há vagas
OSWALDO RIBAS
Afinal, o que está dando errado? É o modelo econômico adotado pelo Brasil que não consegue gerar empregos suficientes para manter sua população ocupada, ou é a legislação trabalhista, considerada arcaica, que ao proteger os direitos do trabalhador acaba armando uma armadilha de despesas para os empresários e, conseqüentemente, torna inviável a criação e manutenção de empregos?
Economistas, técnicos do governo, consultores, empresários e sindicalistas convergem num ponto: ambas as hipóteses, agravadas pela globalização da economia e pelo chamado desemprego estrutural – aquele provocado pelas inovações tecnológicas que trocam o homem pela máquina –, têm contribuído para armar esse complô contra a mão-de-obra brasileira, hoje vivendo a tragédia da crônica falta de vagas no mercado de trabalho, o maior pesadelo deste fim de século. Nunca em nenhuma das muitas crises econômicas vividas pelo país nos últimos tempos, as empresas demitiram tanto, o governo teve tanta dificuldade em adotar medidas de emergência para conter a onda de desocupação e a sociedade se viu tão impotente diante da desagregação gerada pela escassez de trabalho.
Desorientada e desassistida pelos órgãos oficiais, a massa de desempregados engorda as estatísticas da exclusão social e da informalidade, enquanto a violência assume proporções assustadoras nas grandes cidades brasileiras. Perplexa, a população participa do perturbador drama de crianças e adolescentes que, privados de futuro, põem em prática a opção da distribuição da renda na ponta do revólver. A crise social vira caso de polícia e, no meio do tiroteio, a classe média brasileira tenta entender o que está acontecendo.
"A sociedade brasileira está doente e um dos maiores sintomas dessa doença é o fato de ela não conseguir empregar adequadamente a maioria dos seus cidadãos", sintetizou José Pastore, especialista em Relações do Trabalho, da Universidade de São Paulo (USP). Em recente trabalho publicado, o professor, no entanto, acha que a doença da sociedade brasileira tem cura e os remédios passam por uma grande reforma educacional, para tornar a mão-de-obra nacional empregável, ou seja, apta a conviver com as novas tecnologias que estão alterando profundamente as relações de trabalho, e por uma modernização da legislação trabalhista.
Recessão
Problemas conjunturais recentes, no entanto, tornaram ainda mais complexa e dramática a situação do desemprego no Brasil. Pego na contramão de uma formidável crise financeira internacional, que ameaçou e ainda ameaça a estabilidade da moeda, um dos pilares do Plano Real, o governo jogou mais uma pá de cal sobre o mercado de trabalho. Ao aplicar novo choque nas taxas de juros, instrumento eficaz para salvaguardar as reservas internacionais e estancar a evasão de divisas, o aperto monetário acabou arrasando com o poder de compra do mercado interno. Muitas empresas quebraram ou foram forçadas a empreender amplos programas de reestruturação e cortes de custos, e o país foi reconduzido à recessão. O desemprego dobrou, saltou para quase 9% da população economicamente ativa, segundo dados do próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – tido como conservador em sua metodologia para caracterizar o trabalhador desocupado.
Sob o peso dessa taxa de desemprego incontrolável – já é a maior em 14 anos –, junto com previsões de retração do Produto Interno Bruto em 1% em 1999, o governo correu atrás de medidas compensatórias, como a extensão do seguro-desemprego para os trabalhadores sem ocupação por mais de um ano, suspensão temporária do trabalho para evitar a demissão sumária e possibilidade de estudantes de nível médio serem contratados pelas empresas, mas com menor remuneração.
Paralelamente, também sob a justificativa de manter as vagas, as empresas sugerem, diariamente, medidas consideradas escandalosas pelos sindicalistas. Entre elas, recentemente, a Volkswagen propôs o corte do pagamento do 13o salário, do abono de férias e da participação nos resultados da empresa em troca de garantia de emprego. Todas essas medidas, que significam a anulação de conquistas dos trabalhadores obtidas em décadas de negociações, foram repudiadas pelas lideranças sindicais e setores parlamentares, mas são consideradas "realistas" pelas federações patronais. "Os trabalhadores estão com medo de perder o emprego, e empresas como a Volks estão se aproveitando da situação para ganhar vantagens", disse Gilberto Giba Pereira, sindicalista e assessor da Executiva Nacional da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT). A guinada do movimento sindical, que da bandeira das greves migrou para plataformas de defesa do emprego, é um sintoma das mudanças que já estão acontecendo e um sinal do que está por vir.
Nesse clima de ebulição sindical, o governo decidiu empenhar-se em suavizar as dificuldades nas relações entre capital e trabalho, propondo cortar os custos das contribuições sociais das empresas para, assim, reduzir as despesas da contratação e da dispensa da mão-de-obra formal, tidas como asfixiantes pelos empresários. No que os técnicos do governo chamam de flexibilização da legislação trabalhista, o Congresso tem agora em mãos um projeto para reformar o conjunto de leis que regulamentam o trabalho brasileiro, herança ainda da era getulista, dos anos 40, quando o país recém-iniciava seu processo de industrialização.
Num processo gradual, que começou com a desindexação dos reajustes salariais, o governo já conseguiu aprovar a introdução do regime de trabalho parcial, do banco de horas (mecanismo para as empresas redistribuírem a carga horária dos trabalhadores de acordo com suas próprias necessidades de produção, sem precisar pagar horas extras) e a mediação trabalhista, que transfere para técnicos da iniciativa privada prerrogativas do governo como a conclusão de processos negociais entre trabalhadores e empresários. Estimativas mais otimistas são de que o governo conseguirá propiciar aos empresários uma economia de 18,5% nos custos de contratação e dispensa de mão-de-obra. Iniciativas como a substituição da multa pela advertência, quando fiscais do trabalho encontrarem irregularidades trabalhistas consideradas leves nas empresas, são outro indicador dessa tendência do governo.
Operação desmonte
O ministro do Trabalho, Edward Amadeo, defensor da reforma trabalhista, propôs, recentemente, medidas ainda mais radicais, como a extinção da unicidade sindical, ou seja, maior liberdade para a formação de sindicatos, que poderiam ser criados até empresa por empresa, e fim do imposto sindical obrigatório. "É uma maneira de acabarmos com os sindicatos de gaveta, que não exercem nenhuma função social, e dar lugar a uma verdadeira representação dos trabalhadores", justificou o ministro. "Trata-se de uma operação desmonte da organização da classe operária", retrucou Giba Pereira, da CGT, numa posição que encontra apoio em todas as demais grandes centrais sindicais do país. Os sindicatos também se opõem à suspensão temporária do contrato de trabalho (destinada a evitar as demissões sumárias). Todos, no entanto, concordam com a inclusão da cláusula de garantia do emprego nas negociações coletivas.
"Na minha opinião, essa reforma trabalhista é um verdadeiro tiro no pé", declarou Antonio Prado, coordenador de Produção Técnica do Dieese, economista e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC). E acrescentou: "Ao eliminar encargos sociais para as empresas, as políticas sociais ficam seriamente ameaçadas: limita-se o alcance das linhas de financiamento de longo prazo oficiais em áreas habitacionais, de saneamento básico, sustentadas pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) ou Fundo de Assistência ao Trabalhador (FAT), e ficam reduzidas as chances de a mão-de-obra brasileira se reciclar". Prado lembrou que a grande maioria dos cursos profissionais, de formação e reciclagem da mão-de-obra, são financiados diretamente pelos recursos arrecadados com os encargos sociais pagos pelas empresas. "Se eles são eliminados, as empresas têm um ganho no curto prazo, mas, à custa dessa capacidade do trabalhador de ampliar sua produtividade, em última instância, elas próprias se verão afetadas em seus projetos modernizantes."
Prado não considera o custo da mão-de-obra um entrave à competitividade do produto brasileiro no mercado global. "A mão-de-obra nacional, no sentido mais amplo, já é uma das mais baratas do mundo", afirmou. "O que torna o produto brasileiro menos competitivo é exatamente o trabalhador despreparado para lidar com as novas tecnologias que demandam uma educação adicional." Além disso, os especialistas citam o fato de a dificuldade brasileira de competir no mercado global estar menos ligada ao pagamento de férias e 13o e muito mais ao câmbio sobrevalorizado, à infra-estrutura saturada e à falta de estímulo oficial às atividades exportadoras.
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