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O gás da Bolívia
JORGE LEÃO TEIXEIRA
As obras do gasoduto Bolívia–Brasil (Gasbol) marcham aceleradamente, e o empreendimento, com extensão de 3,15 mil quilômetros – 560 quilômetros em território boliviano e 2,59 mil quilômetros em solo brasileiro –, apresenta atualmente um percentual de realização física que se aproxima de 50%.
O gasoduto ligará Río Grande, na Bolívia, a Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, passando por Puerto Suárez, na fronteira entre os dois países, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
O traçado foi determinado a partir de estudos técnicos, econômicos e ambientais, para garantir segurança operacional e a preservação da natureza. O investimento total será de aproximadamente US$ 2 bilhões, prevendo-se a geração de cerca de 25 mil empregos diretos e indiretos. Recursos e financiamentos foram obtidos do Bird, BID, CAF (Corporação Andina de Fomentos), BNDES, BEI (Banco Europeu de Investimentos) e Eximbank.
Um dos 42 projetos do programa Brasil em Ação, o Gasbol tem sua origem nos estudos para revisão da matriz energética brasileira realizados em 1990, os quais destacaram a importância do aumento do uso de gás natural no país, combustível mais limpo, de queima uniforme, capaz de reduzir o impacto ambiental e proporcionar ganho de produtividade e maior competitividade à indústria. Pelos estudos foi identificada a possibilidade de crescimento da participação do gás natural no consumo de energia primária de 2% para 12%, meta fixada para o ano 2010.
Uma avaliação da demanda de gás natural das regiões sul, sudeste e centro-oeste mostrou também a necessidade de complementar o suprimento doméstico com gás natural importado. Analisando as alternativas, a Petrobras optou pelo gás natural da Bolívia, o qual oferecia as melhores condições para viabilizar a importação. Em fevereiro de 1993 foi assinado o contrato entre a Petrobras e a YPFB (Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos), com prazo de 20 anos, que prevê o fornecimento inicial de 8 milhões de metros cúbicos por dia, volume que deverá ser dobrado a partir do oitavo ano.
Os primeiros contratos para as obras foram assinados em 25 de julho de 1997, nas cidades de Puerto Quijano, na Bolívia, e Corumbá, no Brasil, pelos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Gonzalo Sánchez de Lozada.
O gasoduto irá se integrar à infra-estrutura existente nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, já atendidos pelo sistema de gás natural proveniente das bacias de Campos e do Paraná.
Perfil do empreendimento
A estrutura societária do Gasbol compreende duas companhias transportadoras: a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia–Brasil (TBG) e a Gas Transboliviano (GTB), com participações acionárias diferentes. No global, a Petrofertil detém 42%, a BTB (British Gas, El Paso e BHP) 24%, a Transredes (Enron, Shell e Fundos de Pensão Bolivianos) 20%, a Enron 7% e a Shell 7%.
A construção é integralmente administrada pela Petrobras. Para transportar o gás desde sua origem até os pontos de entrega às companhias estaduais de distribuição foram previstas, inicialmente, cinco estações de compressão, em Yacuses (Bolívia), Campo Grande, Penápolis, Araucária e Biguaçu (Brasil). O contrato para as três primeiras foi assinado com o consórcio Skec (Coréia do Sul), Marubeni (Japão) e Cemsa (Brasil). As outras duas estão em fase de contratação. O total das estações de compressão é de 16 unidades, sendo quatro na Bolívia (Izozog, Chiquitos, Roboré e Yacuses) e 12 no Brasil (Albuquerque, Guaicurus, Anastácio, Campo Grande, Mimoso, Rio Verde, Mirandópolis, Penápolis, Ibitinga, São Carlos, Araucária e Biguaçu).
Para medir o gás fornecido, serão instaladas duas estações em território boliviano (Río Grande e Mutún). Serão também instaladas 30 estações de redução de pressão e medição de gás – city gates – ao longo dos estados de Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A operação do gasoduto ficará centralizada em dois núcleos de controle, que funcionarão em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, e no Rio de Janeiro, a partir dos quais todo o sistema será operado e monitorado através de comunicação via satélite.
Para as obras em território boliviano foi assinado contrato entre a Petrobras e o Consórcio Brown & Root-Murphy / Consórcio Petroleiro Boliviano (CPB). As obras em território brasileiro foram divididas em trechos, contratadas com diversas empresas ou consórcios.
A empresa italiana Nuovo Pignone fornecerá as válvulas para o sistema de supervisão e controle, e as travessias especiais de rios – as principais são nos rios Paraguai (1,85 mil metros), Paraná (1,14 mil metros), Tietê (1,3 mil metros) e Itajaí-Açu (360 metros) – terão a assistência técnica do Consórcio Conduto / Preussag (Brasil). O Consórcio Conmar (Brasil/Japão) fornecerá os tubos usados no Brasil e na Bolívia, cabendo à Sacor (Brasil) o fornecimento do material para proteção catódica, além das juntas de isolamento elétrico. A Taylor Forge (EUA) é a responsável pelos scrapers no Brasil e na Bolívia, e os contratos de fornecimento para os city gates ficam divididos, no trecho brasileiro, entre o Consórcio Gascat / Nuovo Pignone (Brasil/Itália) e a Piero Fiorentini (Itália).
Até maio do ano passado, nos trechos boliviano e norte brasileiro do gasoduto já haviam sido abertos 760 quilômetros da faixa de domínio, enfileirados 500 quilômetros de tubos ao longo daquela faixa, soldados 475 quilômetros de tubos nas plantas de soldagem, abaixados 120 quilômetros de coluna e recompostos 90 quilômetros de faixa. Também já tinham sido fabricados 1,9 mil quilômetros de tubos para os trechos boliviano e norte brasileiro do gasoduto, dos quais 1,7 mil entregues nas áreas de armazenamento, em Puerto Quijano (Bolívia) e Paulínia (SP). (A fabricação dos tubos para o trecho sul do gasoduto está em andamento.) Na obra serão utilizadas 540 mil toneladas de tubos de aço, fornecidos pelo Consórcio Confab / Marubeni.
A Petrobras está certa de que as indústrias dos setores de cerâmica, vidros, têxtil, siderúrgica, alimentos e fertilização serão beneficiadas pela oferta de gás natural para fornos e caldeiras, que reduz os custos operacionais 12% em relação ao óleo combustível, garantindo maior vida útil aos equipamentos e menores gastos com manutenção. Além disso, o gás natural tem mercado para utilização residencial, transporte e geração de energia elétrica, bem como reflexos positivos no mercado paralelo de tubulações, queimadores, válvulas de controle e sistema de queima em geral. Tudo isso, registre-se, com menor agressão ao meio ambiente.
Percurso via satélite
O projeto do Gasbol envolveu desde o início uma série de cuidados para preservação da natureza, obedecendo às orientações do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), já que o gasoduto passa por áreas protegidas.
Imagens de satélite permitiram a escolha do melhor percurso, e não faltaram audiências públicas que buscaram minimizar o impacto do projeto em regiões que são um patrimônio ecológico do país, como o Pantanal Mato-Grossense, a Mata Atlântica e a região do Parque Nacional de Aparados da Serra, no sul. No Pantanal o traçado deverá acompanhar a rodovia BR 262, com a preocupação de evitar interferência em áreas preservadas, povoadas de importantes espécies de fauna e flora, assim como nas áreas destinadas à pastagem.
Para garantir a segurança, todos os tubos são soldados e a tubulação vem sendo enterrada na profundidade mínima de 1,20 metro nas áreas de agricultura mecanizada. Nas travessias de rios, os tubos são enterrados a 1,50 metro do ponto mais baixo do leito das águas. Já no cruzamento de rodovias e ferrovias o gasoduto passa dentro de tubos de maior diâmetro, para que o tráfego não seja interrompido durante a construção.
A preocupação com o meio ambiente e as populações que vivem nas proximidades do gasoduto continuará mesmo após a conclusão da obra, quando serão promovidos programas para replantio da vegetação retirada, junto com um permanente acompanhamento das condições de segurança e contatos com as comunidades que vivem ao longo de seu percurso.
A questão ambiental também transcende a preocupação com a montagem e construção, já que o gás natural em sua queima não gera resíduos e não é tóxico, dispersando-se facilmente na atmosfera por ser mais leve que o ar. Isso torna sua utilização mais segura e o converte num combustível ecológico, capaz de substituir o óleo combustível, o diesel e a lenha.
O aumento na oferta de gás natural nos estados por onde o gasoduto passará também estimulará a criação de indústrias e usinas termelétricas. E o que é mais importante: sua utilização como substituto do carvão vegetal concorrerá para a preservação das florestas naturais.
O Gasbol e as comunidades
Uma série de ações inéditas no Brasil estão em curso com a finalidade de promover uma política de aproximação com as comunidades brasileiras localizadas nas imediações dos 2,59 mil quilômetros do empreendimento, numa região onde vivem cerca de 8 milhões de pessoas.
Algumas cidades de Mato Grosso do Sul já foram visitadas mais de dez vezes pelos técnicos da coordenação do projeto, ao mesmo tempo que programas de rádio foram produzidos para sanar dúvidas da população sobre a obra, informando também a comunidade sobre os benefícios que o gasoduto futuramente poderá trazer para o desenvolvimento local. Fóruns, seminários e debates complementam os programas de rádio nas várias cidades por onde passa o gasoduto. Providências estão sendo tomadas para melhorar o relacionamento com as comunidades e suas lideranças.
Um importante convênio foi assinado com a Agência de Desenvolvimento Tietê-Paraná (ADTP), estabelecendo estratégias para definir o tipo de indústria que cada região deve absorver.
O aspecto mais inédito da aproximação com as comunidades foi a decisão tomada pela Petrobras de beneficiar 22 aldeias indígenas, embora o Gasbol não interfira diretamente com o habitat dos índios em seu percurso. Localizadas nos estados de Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e São Paulo, as aldeias beneficiadas somam uma população de 18,5 mil habitantes. As 18 aldeias de Mato Grosso do Sul receberão benefícios no valor de R$ 900 mil; a de Icatu ficará com R$ 80 mil, e as de Santa Catarina com R$ 120 mil. Os guaranis em Santa Catarina terão, provavelmente, as primeiras terras a serem regularizadas pela Funai, com o apoio do Gasbol, no litoral daquele estado.
Em Mato Grosso do Sul as lideranças das 18 aldeias optaram pela construção, ampliação e reforma de escolas e de postos de saúde, sistema de abastecimento de água (poços artesianos, bombas e caixas de água), cursos técnicos, sementes, ônibus escolar e construção de sanitários.
E as três aldeias mais próximas às obras do Gasbol receberão dotação maior, pois sofreram forte influência da urbanização das cidades vizinhas. Nas margens do rio Miranda, a aldeia Lalima será contemplada com uma câmara frigorífica com capacidade para armazenar 20 toneladas de pescado, o que lhe dará maior fonte de renda.
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