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E-aí, blz? :)

Luís Cláudio Tocchio

Em qualquer berçário do mundo há um padrão natural de comportamento humano facilmente identificável: os petizes são colocados em um mesmo espaço físico e não é preciso que se faça qualquer esforço de sociabilização. Rapidamente eles estão brincando juntos. Talvez nem estejam brincando, podem se estranhar, se estapear, disputar os mesmos brinquedos, mas sempre e inequivocamente juntos.
É iminente e natural da nossa espécie. Está em nossa origem antropológica. Em nossa fase Cromagnon já buscávamos conforto e bem-estar em grupos de humanóides. Nas festas, reunimos nossos amigos e parentes.
Em A árvore do conhecimento, Humberto Maturana discorre sobre o desenvolvimento da linguagem e a maneira como este recurso só despertou a partir do desejo gregário da espécie humana, ao afirmar que “as mudanças nos primeiros hominídeos, que tornaram possível o aparecimento da linguagem, tem a ver com a sua história de animais sociais, de relações interpessoais afetivas e estreitas” e reforça este conceito mais adiante: “Podemos imaginar estes primeiros hominídeos como seres que viviam em pequenos grupos ou famílias extensas”.
Podemos citar mais centenas de referências de cunho analítico, mas está claro que estamos unidos em sociedade não por uma necessidade qualquer, mas por um desejo nato e irracional de vivermos em comunidade desde o alvorecer da espécie.
Então, chegaram os ventos da mudança. Sempre disfarçados de progresso, os novos ares trouxeram, inicialmente, o temor do distanciamento e, aos poucos, a comprovação de nosso intrínseco desejo de união: o telégrafo aproximou continentes e agilizou o tráfego de informações. Antes dele, os fenícios, os ciganos e os bardos peregrinavam ou singravam oceanos levando especiarias, cultura e mensagens de nossos pares distantes.
“Meu Deus, isto fala!”, exclamou Dom Pedro II na Filadélfia, ao escutar um interlocutor no invento de Graham Bell.
Já Hayes Rutherford, presidente americano na mesma época, mais interessado no contato direto com aqueles que o cercavam, proferiu: “Um invento maravilhoso, mas quem pretende usar isto?”
Indiferente às opiniões do presidente, o telefone permaneceu e assumiu seu papel social, colocando-nos em contato com aqueles próximos de nosso coração e longe de nosso alcance.
Cabos e relês agindo como veículos de nossos sentimentos mais fraternos.
Dei aula de introdução à informática durante alguns anos e costumava brincar, dizendo que o computador trouxe soluções para problemas que você nunca teve. É um exagero, naturalmente, mas o fato é que, com a constante inovação dos recursos tecnológicos, temos agora um novo meio para nossa comunicação. Um novo e-meio. Desde seus primórdios, a internet era usada para que cientistas e militares pudessem trocar informações entre si. À medida que a paranóia da Guerra Fria se foi e a tecnologia miniaturizou-se, a computação encontrou novos mercados e a cada dia novos usos apareceram. Os Jetsons chegaram às nossas casas em forma de realidade. Hoje, por meio dos computadores e da rede mundial, conversamos em tempo real com nossos conhecidos e, freqüentemente, com um número cada vez maior de desconhecidos cujas faces estão ocultas pelo anonimato dos bits. Encontramos pessoas com interesses afins, clicando nos temas de nossos anseios, filtrando os novos amigos virtuais por áreas de interesse, criando e-grupos e comunidades virtuais. Manuel Castells já aprofundava o estudo em A Sociedade em Rede, ao afirmar que “ainda não se conhece o grau de sociabilidade existente em tais redes eletrônicas, nem quais são os efeitos culturais dessa nova forma de sociabilidade”. Mas a sociedade digital chegou e não vai parar.
As comunidades virtuais mostram que, mais uma vez, o instinto gregário da humanidade se apropria de quaisquer ferramentas para tornar nossos laços ainda mais estreitos. Enquanto escrevo, jovens trocam torpedos e intimidades por meio de seus celulares e, assim como a terceira idade, encontram novas amizades nos chats, nos e-grupos, e somam seus saberes alimentando fóruns online sobre os assuntos mais diversos, em animada e efervescente profusão.
Pierre Lévy corrobora a humanização das novas mídias, no epílogo de O Que É Virtual?, ao considerar: “... a virtualização é freqüentemente vivida como inumana e desumanizante... Devemos então tentar acompanhar e dar sentido à virtualização, inventando ao mesmo tempo uma nova arte da hospitalidade”.
Em Matrix, Morpheus apresentava a esterilidade do planeta a Neo, dizendo: “Bem-vindo ao deserto do real”. Longe desta fatalidade fictícia, os novos tempos se apresentam com satisfação quase humana: “Bem-vindos ao alvoroço do digital!”

Luís Cláudio Tocchio, o “Kao”, é bacharel em artes cênicas e técnico do Sesc São Paulo