Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Literatura
Prosa literária

Encontros entre escritores e leitores reúnem grandes platéias em celebrações nas quais a literatura e a criação artística são os principais personagens

 

– Alô, eu gostaria de falar com a dona Odete Leão.
– É ela...
– Dona Odete, aqui é da Revista E, gostaríamos de fazer uma entrevista com a senhora sobre esses encontros literários do Sesc, parece que a senhora é freqüentadora assídua. Pode ser agora?
– Ah... agora não dá, eu fui dormir às três da manhã lendo um livro do Fernando Bonassi, que vai estar no Sesc Carmo, tenho um monte de coisas para fazer e ainda vou ver o Carlos Heitor Cony lá no Sesc Pinheiros. Mas amanhã a gente conversa, com prazer.


Uma pessoa muito ocupada e com paixão pela literatura. São essas as duas características que saltam à percepção mesmo em dois minutinhos de conversa com dona Odete, que, como a reprodução acima já adiantou, é freqüentadora de carteirinha dos encontros com escritores que o Sesc promove. Eles ocorrem na unidade Carmo, com o nome de Horizontes Literários; na de Santos, o projeto é chamado de Terceiras Terças; e, na de Catanduva, denominado Encontro Marcado com o Fazer Literário. Vale incluir nessa lista o esporádico, porém não menos importante, Pessoas de Estilo, do Sesc Pinheiros, que já levou nomes como Ferreira Gullar e Carlos Heitor Cony (o entrevistado nesta edição da Revista E).
Com crescente aceitação por parte do público, essas iniciativas realizaram um sonho antigo de ambas as partes – quem escreve e quem lê –, que é saber o que acontece nos pontos opostos de uma relação mediada pelo livro. “Eu me encontro com leitores desde 1976, ainda em plena ditadura. Quem arranjava era um grupo do Rio de Janeiro”, conta Ignácio de Loyola Brandão, autor que já participou do Horizontes Literários, do Sesc Carmo, e abriu a série do Sesc Catanduva. “Naquela época tudo era proibido, não se podia fazer nada, muito menos se manifestar. Porém esse grupo carioca organizou uma série de noites no Teatro Casa Grande. E nessas noites se discutia a situação nacional do País, da censura etc. Falávamos de teatro, cinema, televisão, artes plásticas e literatura. Eu trabalhava, mas preferia faltar para participar desses eventos.” Hoje, já felizmente longe desse tom furtivo das reuniões em tempos de censura, o escritor ainda preserva o hábito. Segundo ele, ocasião para saber, de fato, qual o impacto de seus registros. “Às vezes eu escrevo uma frase e acho o máximo. Só que o leitor, em vez dessa, acha uma outra melhor. E é impressionante porque é uma coisa misteriosa, você não sabe o que vai bater nele. Não adianta querer escrever para um determinado tipo de leitor, na verdade. Meu livro O Beijo Não Vem da Boca, por exemplo, pega muita gente que entrou em crise. Já A Veia Bailarina interessa mais àquelas pessoas que chegaram a um momento perto da morte.” Brandão conta que, muitas vezes, as pessoas vão até ele com frases suas anotadas ou grifadas no próprio livro. “Eu pergunto por que determinada frase, e elas me respondem que aquelas palavras disseram algo para elas. Mas nunca conseguem me explicar o real motivo. Prefiro que o mistério permaneça.”
Diferentemente do que acontece com músicos e atores, que pela própria natureza do trabalho têm chance de estar freqüentemente em contato com o público, os escritores sempre ficaram sujeitos a certa solidão. Criativa, dizem uns. Necessária e inevitável em muitos momentos. Mas incômoda e até mesmo restritiva noutros. “Hoje em dia existem mecanismos para medir o perfil do leitor de jornais e revistas, de ouvintes de rádio e espectadores de televisão, mas não se dispõe de nada semelhante no mercado de livros”, observa Fernando Morais, convidado do Terceiras Terças no mês passado. “Ou seja, esta (reunião com o público) acaba sendo a única forma de um autor saber quem é o seu leitor.” José Roberto Torero, mediador dos encontros do Sesc Santos, tem a mesma opinião. “Só assim consigo entender realmente como as pessoas leram o livro, e aí consigo entender o que fiz”. Ele complementa: “Acho sempre divertido e instrutivo”.

Receitas e impressões

Instrutivo, aliás, é um adjetivo que caracteriza os eventos também para a platéia. Como podem comprovar o sucesso que vêm atingindo e o interesse crescente dos presentes. Levando em conta essa trajetória, é possível finalmente concluir que a máxima pessimista “brasileiro não gosta de ler” está deixando de ser uma verdade incontestável. “Brasileiro gosta de ler, basta que o livro chegue a ele”, afirma Affonso Romano de Sant’Anna, escritor que também já participou de encontros no Sesc. “Ocorre que, infelizmente, isso ainda não foi viabilizado. Mas aonde o livro chegou o leitor apareceu.” A escritora Adriana Falcão, de quem a Revista E publicou ficção inédita em março passado, concorda e se diz surpresa até hoje por ver que há tanta gente que ela não conhece e que sabe que a autora existe. “Você olha uma senhora na primeira fila, um rapaz lá atrás, e daqui a pouco eles começam a falar das suas experiências de vida, dos livros que leram. Não acho que o brasileiro não gosta de ler. Acho que ele, em geral, não tem acesso a uma quantidade suficiente de livros, que lhe permita definir se gosta de ler ou não. Mas, claro, descobrir gente que gosta de mim é uma delícia.”
Os leitores também acham. Dona Sumiko Sakamoto Alves, freqüentadora do Sesc Carmo, garante que “faz tudo” para não perder os bate-papos. “Eu sempre gostei muito de ler e sempre freqüentei assiduamente a biblioteca do Sesc Carmo.” Sumiko aproveita as ocasiões para decifrar um pouco a personalidade de quem escreve as obras que tanto aprecia e guarda na memória momentos como os que vivenciou quando conheceu Lygia Fagundes Telles e Ignácio de Loyola Brandão. “A gente pensa que o escritor é alguém inatingível, mas é sempre bom conhecer a pessoa que existe por trás dessas figuras.” O músico Jorge de Freitas Vaz, ou Black Jorge, como gosta de ser chamado, é outra figurinha carimbada nos encontros. Como músico e compositor, gosta de ampliar os horizontes tendo contato com autores. “O Sesc já trouxe muitos escritores bons, mas com o que eu mais me envolvi foi o Fausto Wolf. Ele falou da experiência dele no jornal O Pasquim e teve com o público um bate-papo muito aberto. Os autores são pessoas muito legais de conhecer.”
Mas e a dona Odete, figura simpática que não pôde conversar com a reportagem porque estava de saída para ver o Cony no Sesc Pinheiros? “Gostei do encontro, mas achei o Cony um tanto pessimista”, comenta. “Sabe que ele terminou a fala dizendo que ‘a condição humana é dura de lascar’?” No entanto, a advogada aposentada de 67 anos não se deixa impressionar tão facilmente. Freqüentadora de encontros literários que ocorrem por toda a cidade, além dos realizados pelo Sesc São Paulo, dona Odete tem experiência, inclusive como autora, e já tem uma lista de escritores preferidos. “O Fernando Bonassi é ótimo, adorei o livro dele de crônicas (100 Coisas, Editora Angra, 2000). Gosto muito também do Antônio Torres. Quando ele esteve no Sesc, falou sobre a experiência de mudar da Bahia para São Paulo e o quanto a cidade o estressava. Lembro-me dele ter mencionado que tomava muito chá de laranja para se acalmar e enfrentar a metrópole. Peguei a mania dele, quando estou nervosa sempre preparo um para mim.”

A visão do autor - Alguns dos maiores escritores nacionais e estrangeiros já passaram pelas unidades do Sesc São Paulo.
A seguir, excertos do que falaram algumas dessas personalidades que tanto marcaram o público

“Procuro sempre a alegria e, por isso, sou muito sensível ao ritmo e à força do brasileiro. Dá para sentir esse ritmo já na forma como se pronuncia o português no Brasil. Vocês abrem as palavras enquanto nós fechamos. Lá em Portugal se diz que os brasileiros falam português com açúcar.”
A escritora portuguesa Inês Pedrosa, em edição especial do Horizontes Literários,
do Sesc Carmo, que no mês de outubro de 2003 fez parte da Mostra Sesc de Artes – Latinidades.

“Para mim, é muito importante observar. Tudo. Eu estou andando na rua e as coisas estão acontecendo em volta. Para mim, inspiração é observação.”
Ignácio de Loyola Brandão, que já participou do projeto Horizontes Literários, no Sesc Carmo, em maio de 2002, e abriu o Encontro Marcado com o Fazer Literário, do Sesc Catanduva, em 2000.

“Em primeiro lugar, eu gostaria de dizer que é muito legal que nessa noite chuvosa, em vez das pessoas estarem em casa vendo a novela das oito, elas estejam aqui para falar de livro. Isso faz a gente ficar animado com o destino e o futuro do Brasil.”
Fernando Morais, na edição de abril deste ano do Terceiras Terças, organizado pelo Sesc Santos.

“Meu avô era um grande narrador. Quem viaja tem o que contar, sempre. Ele viajou muito, e não foi exatamente um turista, fez a aventura de uma vida. Deixou o Líbano no
começo do século 20 e foi morar no Acre. A viagem selou seu destino. Ele contava essas peripécias um pouco à maneira das Mil e Uma Noites.”
Milton Hatoum, ao falar sobre a fonte de inspiração de seu primeiro livro, Relato de um Certo Oriente, publicado em 1986, em encontro com o público no Horizontes Literários, do Sesc Carmo, em abril de 2003.

“Às vésperas de um aniversário de infância, meu pai me prometeu um presente. Disse que seria algo que eu estava esperando há muito tempo. E, de fato, eu queria ganhar uma bicicleta. Ele trouxe o presente. Não era uma bicicleta. Era uma máquina de escrever.”
Moacyr Scliar, ao contar como tudo começou em palestra que inaugurou o Horizontes Literários, do Sesc Carmo, em setembro de 2000. O autor também esteve no Sesc Catanduva, no primeiro semestre de 2001.

Cada qual à sua maneira - Com propostas diferenciadas, as iniciativas das unidades do Sesc apresentam a literatura pela voz de quem faz

Horizontes Literários – Realizado mensalmente pelo Sesc Carmo, o projeto tem o objetivo de aproximar o leitor do escritor e sua obra. “Acontece que escritores não são astros de MPB ou atores de novela e pouca gente conhece um escritor de perto”, lembra Lauro Freire, técnico da unidade. “O Horizontes Literários põe os dois cara a cara. E o escritor fala e conta por que virou escritor, por que escreve de tal e tal maneira.” Pelo projeto já passaram autores como Moacyr Scliar, Adélia Prado, Marina Colasanti, José Roberto Torero, Ruy Castro, Patricia Mello e Nelson Motta. Mas nomes ilustres também já puderam ser vistos entre o público, como na vez em que Lygia Fagundes Telles apareceu para assistir ao evento. O público é eclético: estudantes, profissionais liberais, gente jovem, mais velha, enfim, brasileiros que se interessam por literatura.
Terceiras Terças – O projeto mensal do Sesc Santos começou em maio de 2003. Antes dele, entre 2000 e 2001, a unidade já desenvolvia o Letra Viva, que tinha a mesma característica de levar autores para conversar com o público. “Daquele projeto participaram escritores como Carlos Heitor Cony, Arnaldo Antunes e Lygia Fagundes Telles, entre outros”, conta Francisco Leite, técnico da unidade. O Terceiras Terças tem como mediador e parceiro o escritor José Roberto Torero.
Encontro Marcado com o Fazer Literário – Realizando pelo Sesc Catanduva, em parceria com a prefeitura da cidade, o projeto estimula o hábito pela leitura e também pelo exercício da escrita, por meio de oficinas e do contato direto com o processo de criação artístico dos autores. A cada ano, gêneros diferentes são abordados. O conto, a poesia e a crônica foram discutidos em 2000, respectivamente apresentados em palestras com Ignácio de Loyola Brandão, Arnaldo Antunes e Lourenço Diaféria. No ano seguinte, foi a vez de Lygia Fagundes Telles encerrar o ciclo sobre romance e de Moacyr Scliar e Ziraldo falarem de literatura infanto-juvenil. “Em 2002, o projeto foi ampliado com a criação da atividade Entre Falas Literárias e a inserção de atividades que proporcionaram a interação da literatura com outras expressões artísticas”, esclarece Silvana Corrêa, técnica da unidade. Os autores convidados daquele ano foram Adélia Prado e Walcyr Carrasco. No ano passado, com mais uma mudança, o projeto tornou-se ainda mais abrangente. “Sentimos a necessidade de que as atividades do encontro estivessem integradas a outros programas da unidade, proporcionando ações intergeracionais”, informa Silvana. De cara nova, a programação destacou, em seu primeiro módulo, a produção literária da escritora e jornalista Marina Colasanti. No segundo, recebeu o escritor Luís Antonio Assis Brasil e o também roteirista e cineasta Fernando Bonassi.
Pessoas de Estilo – Realizado pelo Sesc Pinheiros a cada quinze dias, o projeto propõe uma análise da literatura brasileira, convidando autores para um bate-papo com o público sobre estilos e processos. Gêneros literários do pré e pós-modernismo, como poesia, crônica, romance e conto, fazem parte do programa. Em abril, Carlos Heitor Cony esteve presente discutindo a crônica, enquanto Marçal Aquino falou sobre contos. Já para o mês de maio, estão previstos Ignácio de Loyola Brandão, desvendando o romance; e Ruth Rocha, abordando sua especialidade, literatura infantil.
Novidades na programação de todos esses projetos podem ser conferidas, mês a mês, no Em Cartaz.