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Vijay Iyer: refletindo musicalmente sobre o mundo
Por Carlos Calado*
Os paulistanos que tiveram a oportunidade de ouvir pela primeira vez o quarteto de Vijay Iyer, dez anos atrás, no extinto festival Bridgestone Music, dificilmente se esqueceram do impacto causado por aquela música tão inventiva e original. Se, na década passada, esse pianista e compositor norte-americano de ascendência indiana era ainda apontado como uma promissora revelação na cena jazzística, agora ele retorna consagrado para suas apresentações no Sesc Jazz.
Entre muitas vitórias em enquetes das principais publicações especializadas e prêmios já conquistados por Iyer, os críticos da influente revista “Down Beat” lhe concederam uma inédita “quíntupla coroa” (jazzista do ano, pianista do ano, disco do ano, grupo do ano e compositor emergente), em 2012. Seu álbum mais recente, o elogiado “Far from Over” (ECM, 2017), chegou até a figurar na lista de melhores discos do ano da revista “Rolling Stone”, voltada para o rock e a música pop.
Ao apresentar seu sexteto à plateia da comedoria do Sesc Pompeia, no sábado (1°/9), Iyer comentou que já toca com essa formação há seis anos. Entre seus parceiros atuais está o contrabaixista Stephan Crump (o único que o acompanhou ao Brasil, em 2008), cuja enérgica e contagiante condução rítmica funciona como uma mola propulsora para os improvisos do grupo. O grupo inclui ainda o trompete e o flugelhorn eletrificado de Graham Haynes (filho do grande baterista Roy Haynes), o sax tenor de Mark Shim, o sax alto de Steve Lehman e a bateria de Jeremy Dutton.
Basta ouvir alguns minutos de música para se perceber o porquê de Iyer ter escolhido esses instrumentistas como parceiros. Criativos nas improvisações, assim como primorosos em termos técnicos, os cinco contribuem ativamente para que as composições do pianista possam crescer, ganhar mais intensidade e texturas sonoras. Como outros grandes compositores que já contaram com grupos estáveis, Iyer sabe que suas partituras podem alçar voos mais altos, se conceder liberdade para que os parceiros expressem suas personalidades musicais.
Ao introduzir sua bela balada “For Amiri Baraka” (dedicada ao poeta e ativista negro, inicialmente conhecido como LeRoi Jones), Iyer homenageou também Randy Weston, um dos músicos de jazz que o influenciaram. Morto horas antes, aos 92 anos, esse grande pianista e compositor chegou a se apresentar naquele mesmo palco do Sesc Pompeia, em 2014. O duplo tributo musical de Iyer a esses artistas que o inspiraram incluiu também sua emotiva composição “Segment for Sentiment”.
Quem já conhece “Far from Over”, álbum que serviu de base para o repertório desse show, logo notou que as composições gravadas ganharam novas cores e mais intensidade sonora, no palco. Como na funkeada “Nope”, composição em que Iyer troca o piano acústico pelo elétrico, com destaque especial para a bateria de Dutton. Em “Down to the Wire”, o sexteto chegou ao clímax da noite. Num crescendo, o dramático tema apresentado pelo pianista abriu espaço para catárticos improvisos do trompetista e dos saxofonistas, que pareciam gritar, clamar, protestar com seus instrumentos.
Vale lembrar que a obra musical de Iyer é engajada socialmente. Assim como a influência do jazz de vanguarda de Andrew Hill, Muhal Richard Abrams e Cecil Taylor convive em sua música com outras fontes, como o bebop de Thelonious Monk e Bud Powell, a música indiana ou o minimalismo, fenômenos atuais, como a discriminação racial ou a desigualdade social, também já inspiraram algumas de suas composições. Iyer acredita que sua música deve refletir sobre a época em que vivemos, sem ser panfletária.
“Voltem amanhã. O show vai ser diferente”, convidou o pianista, com um sorriso de quem sente que fez bem o seu trabalho, depois que os aplausos eufóricos da plateia o obrigaram a voltar ao palco, com seus parceiros, para um bis. Se os ingressos do último show de Vijay Iyer no Sesc Jazz já não estivessem esgotados, alguns desses fãs certamente voltariam.
*Carlos Calado é jornalista, editor e crítico musical. Escreve desde 2009 o blog Música de Alma Negra.