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O Terreiro Contemporâneo de Abô

Foto: Guto Muniz
Foto: Guto Muniz

Abô é um espetáculo de dança contemporânea do Grupo Grial, que lança um olhar sobre o universo das mitologias que habitam a herança da cultura africana no Brasil. O grupo realiza duas apresentações no Sesc Campinas, dias 11 e 12/7, e no Sesc Santos, dias 13 e 14/7.

Na religião afro-brasileira, Abô é o nome que se dá ao banho de ervas, que purifica o corpo e repele todos os maus espíritos. Para o Grupo Grial, Abô é o banho de africanidade, tão necessário à construção de uma escritura em dança, pesquisada há 20 anos.

Com concepção e coreografia de Maria Paula Costa Rêgo, Abô é uma janela aberta para a percepção poética da mitologia dos orixás. O espetáculo não trata de uma história específica, mas da força, do mistério e beleza destes mitos, que se fazem presentes como elementos artísticos. A montagem não leva à cena rituais religiosos, e sim um olhar sobre estas expressões, a partir de um conceito e uma estética particulares da dança contemporânea.

 

 

4 perguntas para Maria Paula Costa Rêgo

Como se deu o contato com Ariano Suassuna, para a criação do Grupo Grial?

Nós já nos conhecíamos há muitos anos. Quando eu era jovem, e frequentava a família, Ariano me colocou como estagiária no Balé Popular do Recife, grupo que ele criou também para pesquisar uma dança com cerne nas tradições, na década de 70 quando então era Secretário de Cultura pelo Governo Arraes. Nesta Companhia eu dancei durante 7 anos.
De lá fui estudar dança na França, onde fiquei 11 anos. Quando Ariano me propôs criar um grupo de pesquisa também com cerne nas tradições, mas desta vez com uma estética contemporânea, eu nem pestanejei! Já havia acabado meus estudos de dança na França e sentia que queria retornar à terrinha. E assim nasceu o Grupo Grial de Dança, em 1997.

A cultura popular nordestina é o grande tema de pesquisa e criação do Grial. Pensando na trajetória do Grupo, que lugar o espetáculo Abô ocupa?

Na verdade, o Grupo Grial se interessa não somente pela cultura nordestina, mas a cultura popular brasileira em geral. Inicialmente eu ainda acho que a cultura dos povos que fazem parte do tronco inicial da nossa formação brasileira, sempre foram esquecidas. Então, nós nos debruçamos na cultura advinda dos povos indígenas e africanos com maior relevância, mas as tradições dos povos brancos que aqui chegaram inicialmente, no caso os portugueses, nunca são esquecidas... Tudo é tão misturado na cultura popular!
Desde 1997 que eu tinha como matriz as brincadeiras populares, por conterem resquícios culturais dos povos que constituíram a cultura brasileira. Com o avanço e mergulho cada vez mais profundo do Grupo Grial, é que percebi que o mergulho deveria ser feito ainda mais embaixo... E em 2013, eu senti a necessidade de adentrar nas tribos indígenas e nos terreiros de religião africana por considerar hoje, que estas são as verdadeiras matrizes (mas jamais tirando a riqueza das brincadeiras populares). Nossos 17 anos de pesquisa nestes terreiros de tradição, já demonstraram que o mergulho deve ser ainda mais profundo, então aí estamos nós, em nova jornada de escuta e encantamento!

 

“Ser contemporâneo é falar sobre tudo de maneira atual, autônoma e criativa.
Nada tem haver com os temas...”

 

Poderia comentar um pouco sobre o processo de criação desse espetáculo?

Primeiro veio a necessidade de mergulhar nos universos de terreiros de candomblé e umbanda. Adentramos para conhecer, os mitos e seus ritos, as danças, os mistérios, e todo um mundo de muita potência. Potência também das pessoas que os regem e os frequentam. A necessidade de conhecer de perto e desmitificar conceitos equivocados. Enfim, eu tinha a certeza de que deveríamos nos deixar “impregnar” por toda a beleza que exala deste universo. Os bailarinos da primeira versão eram iniciados no Candomblé, o que proporcionou discussões mais profundas.
Depois desta vivência, que acabou se tornando por tempo indeterminado, entramos no estúdio para que nossos movimentos criassem uma caligrafia corporal com a carga visual e emocional “experienciadas” por nós, e que fosse perceptível em cena, isto é, no nosso terreiro contemporâneo.    

A dança é um elemento de forte presença na ritualística dos orixás. Como essa ancestralidade dialoga com a linguagem da dança contemporânea em Abô?

Contemporaneidade não elimina ancestralidade. Através do universo das tradições, não apenas da dança, mas do universo da brincadeira em geral, acredito ter um certo acesso ao jeito de ser do povo brasileiro. O que pretendemos então, no trabalho do Grupo Grial, é não perder o vínculo com nossos elementos, nossa história, nossa “essência”, nossa cara, e sobretudo com nossa própria imagem refletida no espelho dos tempos atuais. Para mim, ser contemporâneo é falar sobre tudo de maneira atual, autônoma e criativa. Nada tem haver com os temas...