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Panorama do Cinema Argentino

Cena do filme Elefante Branco, de Pablo Trapero. Foto: Divulgação.
Cena do filme Elefante Branco, de Pablo Trapero. Foto: Divulgação.

Durante o mês de julho/2015, a programação de cinema no Sesc Campinas traz uma programação dedicada ao cinema argentino, com a exibição de 9 títulos e um curso de história do cinema argentino, que propõe um percurso pelos momentos mais importantes do cinema produzido no país.

Conversamos com Vanderlei Henrique Mastropaulo, pesquisador de cinema latino-americano e responsável por ministrar o curso:

Eonline: Fale um pouco sobre seu envolvimento com o cinema argentino. O que te atrai na cinematografia ou na forma como os argentinos contam histórias, usando o cinema como suporte?
Vanderlei Henrique Mastropaulo: Meu interesse por cinema vem desde a infância. Em um dado momento, no final da adolescência, comecei a ver filmes do mundo todo e a acompanhar a programação regular das salas e festivais ou mostras específicas. Um dia, fiquei curioso quando vi que estava em cartaz um filme chamado O filho da noiva. Eu tinha uns 25 anos na época, e me dei conta de que nunca tinha visto um filme argentino. O mais próximo disso havia sido a co-produção Tango, do diretor espanhol Carlos Saura. Vi O filho da noiva e fiquei surpreso com a leveza na condução da narrativa e a qualidade das atuações. Comecei então a ver todos os filmes argentinos que entravam em cartaz: O pântano, Nove rainhas, Do outro lado da lei, Kamchatka, A menina santa e vários outros. A enorme diversidade de propostas estéticas e temáticas foi o que mais me chamou a atenção. Em festivais e mostras, passei a priorizar filmes argentinos e latino-americanos, pois era raro que eles entrassem em cartaz, mesmo com a oferta de uma cidade como São Paulo. Em 2006, tomei a decisão de fazer mestrado estudando cinema (algo pouco comum para alguém graduado em Geografia) e optei pelo cinema argentino. Foi quando fiz minhas primeiras leituras sobre o assunto (livros de Octavio Getino, Fernando Birri, César Maranghello, Paulo Antonio Paranaguá). Em 2007 fiz uma rápida viagem para Buenos Aires na qual pude comprar livros fundamentais e DVDs de filmes que nunca chegariam aqui. De lá para cá, não parei de estudar o assunto. Pesquiso cinema de vários países, mas me especializei em cinema da América Latina.

Eonline: Qual será o conteúdo abordado durante o curso?
Vanderlei Henrique Mastropaulo: O curso promove, em quatro encontros, um percurso cronológico pelos momentos mais importantes do cinema argentino. No primeiro dia (4/7/2015 às 14h), serão discutidos o momento de adaptação ao cinema sonoro, a inauguração e a ascensão do sistema de estúdios. No segundo dia (11/7 às 14h), veremos a modernização de linguagem e o início do cinema independente na década de 1950, que resultarão no chamado Nuevo Cine Argentino, que muitos historiadores relembram como La generación de los 60. No terceiro encontro (18/7 às 14h), entramos em um período de grande instabilidade política, durante as décadas de 1960 e 1970. O cinema é testemunha da repressão política e da censura. Cineastas e atores são forçados ao exílio por conta da perseguição que se torna insuportável entre 1976 e 1983, período da última ditadura civil-militar. Neste encontro (25/7 às 14h), veremos ainda o cinema de época de redemocratização do país. No último dia, os temas são a crise financeira da década de 1990 (os anos Menem) e o caráter plural, multifacetado do cinema argentino contemporâneo.

A seguir, Mastropaulo comenta os títulos que serão exibidos durante o Panorama do Cinema Argentino:

Las acacias (Las acacias)
Dia 7 de julho, terça às 19h30
Las acacias é um filme singelo, discreto, das pequenas histórias cotidianas. Sua força reside neste relato gentil que o roteirista e diretor Pablo Giorgelli cria para seus personagens. É um “road movie” e, como tal, permite que o percurso da viagem seja um processo de redescoberta para estes personagens. Vale lembrar que o filme chamou atenção mundial ao ganhar a Caméra d’Or, no Festival de Cannes, em 2011. O prêmio é concedido para longas-metragens de estreantes.

Filha distante (Días de pesca)
Dia 8 de julho, quarta às 19h30
O diretor Carlos Sorín se tornou conhecido no Brasil com Histórias mínimas, O cachorro e A janela. Seu último filme, Filha distante, tem bastante relação com Las acacias, pois o protagonista também empreende uma viagem muito longa a fim de recomeçar a vida. Após abandonar o vício em álcool, Marco quer se reaproximar da filha. É mais um filme em que as atuações comedidas (mas soberbas) encantam pela sinceridade.

Um time show de bola (Metegol)
Dia 12 de julho, domingo às 11h30
A animação sempre contou com uma produção bastante significativa na Argentina, não só no cinema, mas também na televisão. Juan José Campanella foi muito feliz ao realizar Um time show de bola, fazendo jus à forte produção de animação do país e também por trazer mais uma vez para as telas o eterno tema do futebol, de enorme importância para os argentinos e, claro, para os latino-americanos.

O médico alemão (Wakolda)
Dia 14 de julho, terça às 19h30
Lucía Puenzo é, sem dúvida, uma das grandes referências do cinema argentino contemporâneo, consagrada por seus filmes anteriores (XXY e O menino peixe) e pelo seu trabalho como roteirista. O médico alemão tem como tema principal a presença de nazistas que fugiram da Alemanha e buscaram refúgio na Argentina, onde encontraram uma enorme rede de simpatia e acobertamento. Mais do que o horror promovido pelos nazistas, o que está em questão é a colaboração que eles encontram na América Latina. É um filme sombrio, mas necessário, justamente pelo incômodo causado por esse fantasma que sempre volta à tona.

Elefante branco (Elefante blanco)
Dia 15 de julho, quarta às 19h30
Pablo Trapero se destaca com o chamado Nuevo Cine Argentino, nome um tanto controverso dado à nova geração de cineastas que inicia carreira no final dos anos 1990 (Lucrecia Martel, Adrián Caetano, Daniel Burman). O cinema de Trapero é bastante direto ao abordar de forma crua temas como a violência, a exclusão social e a corrupção, presentes em Do outro lado da lei, Leonera e Abutres, por exemplo. Em Elefante branco ele alcança um de seus melhores resultados, em que acompanhamos o difícil trabalho de dois padres e uma assistente social, no bairro periférico de Villa Virgen. É uma triste realidade de inúmeras regiões da América Latina.

O crítico (El crítico)
Dia 21 de julho, terça às 19h30
O crítico é uma ótima sátira ao universo da cinefilia. O tema é, portanto, o amor ao cinema e a metalinguagem é flagrante. O filme ficou pouco tempo em cartaz e merece mais visibilidade. Qualquer cinéfilo vai se identificar em maior ou menor grau com as manias e preconceitos do ranzinza crítico Téllez (em grande interpretação de Rafael Spregelburd). O crítico recebeu o prêmio de Melhor Filme Latino, pelo júri da crítica no Festival de Gramado de 2014.

O homem ao lado (El hombre de al lado)
Dia 22 de julho, quarta às 19h30
Comédia de humor negro bastante pronunciado na relação de dois vizinhos que se obrigam a uma desconfortável convivência, em que reinam o desacordo e falta de diálogo, situação tão típica dos tempos atuais. O homem ao lado permite uma reflexão sobre a que ponto chegou o nosso isolamento social, a falta de interação e de entendimento do outro. E os dois personagens principais, em suas posições irredutíveis, deixam isso muito claro.

Iluminados pelo fogo (Iluminados por el fuego)
Dia 28 de julho, terça às 19h30
A Guerra das Malvinas ainda é um assunto não resolvido pela sociedade argentina, mesmo passados mais de trinta anos de seu fim. O conflito já foi representado em diversos filmes, mas que não chegaram aqui. Baseado nas memórias de um ex-combatente, Iluminados pelo fogo foi um sucesso de público na Argentina, mas não chegou a ser exibido nas salas de cinema do Brasil. Por esta razão (e por ser um ótimo filme), ele foi selecionado para esta mostra.

Infância clandestina (Infancia clandestina)
Dia 29 de julho, quarta às 19h30
Outro assunto que permanece pendente na Argentina (e em toda a América Latina) é a brutal repressão dos governos civis-militares. A quantidade de filmes sobre o tema é tão grande (assim como foi a repressão da última ditadura, entre 1976 e 1983), que motivou a elaboração de um site que cataloga toda esta produção (http://www.memoriaabierta.org.ar/ladictaduraenelcine/). Infância clandestina é um dos títulos mais recentes sobre o tema, baseado nas memórias do diretor Benjamin Ávila (filho de militantes desaparecidos durante a ditadura), e mantém viva a necessidade de discutir o passado recente do país.