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Sorria, você está sendo monitorado
Crescimento da violência estimula produção de dispositivos de vigilância eletrônica
LILIANA LAVORATTI
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O aviso para que as pessoas sorriam nos elevadores e lojas, enquanto seus movimentos são registrados por câmeras, de tão frequente, já não causa grandes constrangimentos. Da mesma forma, os brasileiros dos grandes centros urbanos já estão familiarizados com alarmes, circuitos fechados de TV, cercas elétricas, portões automáticos e outras engenhocas utilizadas no monitoramento de locais e no controle de acessos. Essa proliferação de mecanismos de vigilância, cada vez mais inovadores e incorporados ao cotidiano, demonstra como a necessidade quase obsessiva de proteção contra a violência vem impulsionando um promissor segmento econômico no Brasil: o da segurança eletrônica.
Depois de vários anos crescendo à taxa média anual de 13%, o desempenho do setor tem tudo para ser ainda maior – na casa de 20%, de acordo com a expectativa da indústria eletroeletrônica. Essa expansão, quatro vezes acima da esperada para o conjunto da economia, será sustentada em parte pela retomada de projetos represados em 2009 em decorrência da crise financeira mundial. Ao lado da escalada da violência, outro vetor desse movimento é a preparação da infraestrutura do país para sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Megaeventos como esses demandam serviços de segurança eletrônica em larga escala e com elevado nível de complexidade.
Somente para uma fatia desse mercado – a de equipamentos – a previsão é de que o volume de negócios ultrapasse US$ 500 milhões em menos de três anos, segundo a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), que congrega fabricantes nacionais e estrangeiros. Toda a cadeia – revendedores, instaladores, monitoradores, integradores, distribuidores e fabricantes – movimentou US$ 1,4 bilhão em 2008, de acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança (Abese).
No total, já são 10 mil empresas de segurança eletrônica operando no mercado doméstico, o que representa 113 mil empregos diretos e mais de 1,3 milhão indiretos. Essa força de trabalho tem potencial de forte crescimento. No Brasil, cerca de 500 mil imóveis são monitorados por sistemas eletrônicos de alarme, o que equivale a apenas 8,3% dos 6 milhões com possibilidade de aderir a esses serviços.
Outro dado que revela a atual pujança da indústria de segurança é a existência de 1,3 milhão de câmeras no país. Em 2000, eram apenas 150 mil, ou seja, em dez anos o crescimento foi de mais de 750%. A maior parte, quase 80%, está em São Paulo, onde quase todos os cidadãos são monitorados pelo menos uma vez por dia. A Abese estima que atualmente sejam instaladas, a cada ano, 140 mil novas câmeras, numa média de 11,6 mil ao mês.
Após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, o governo americano passou a estimular a comunidade internacional a adotar medidas para prevenir ocorrências dessa natureza. Em 2002, a Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês), órgão vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU), aprovou o Código Internacional para a Segurança dos Navios e das Instalações Portuárias. No Brasil, a adaptação a esse instrumento ainda está em curso.
A expectativa é que as receitas das empresas sejam impulsionadas pela Copa do Mundo de Futebol de 2014 e pelas Olimpíadas em 2016, consideradas oportunidades únicas de investimentos e lucros. “A palavra de ordem atual é crescimento. Nos próximos anos, continuaremos investindo em novos produtos, principalmente serviços agregados e customizados”, afirma Cesar Almeida, diretor da área de monitoramento da Siemens, multinacional que há oito anos detém cerca de 20% do mercado residencial e empresarial.
Além de sistemas de alarme, serão necessárias soluções de ampla escala, mais sofisticadas e integradas, capazes de gerenciar o fluxo de pessoas, materiais e informações, para cumprir as exigências da Federação Internacional de Futebol e do Comitê Olímpico Internacional, prevê Almeida. Ele compartilha da convicção de que aumentará muito a demanda por monitoramento de imagens, análise inteligente de vídeo, identificação e controle de acesso, rastreamento e aplicações de tecnologia da informação.
Essa é também a opinião do presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha de São Paulo, Weber Porto. Certas de que a segurança eletrônica é vital em grandes eventos, várias empresas alemãs já vislumbram chances de negócios no mercado brasileiro, estimuladas pela expertise acumulada na Copa de 2006. “Embora a problemática europeia seja diferente da brasileira – aqui não existe terrorismo –, estamos falando de dois eventos internacionais, e o Brasil não pode correr riscos”, enfatiza o dirigente. A entidade dará continuidade à agenda de missões empresariais iniciada há alguns meses para atrair interessados em se instalar em solo brasileiro.
A vigilância eletrônica, na verdade, é a grande aposta da Abinee neste ano, anuncia o diretor da área de segurança da entidade, Eduardo Vinocur. Há expectativa em todas as etapas da cadeia produtiva, embora no fornecimento de equipamentos ainda predominem os importadores, já que existem poucas indústrias nacionais. Em decorrência desse estágio inicial de desenvolvimento dos fabricantes locais, as normas dos produtos e sua utilização ainda estão sendo definidas, mas esse processo deve se acelerar de agora em diante.
Por enquanto, as fábricas se dedicam a produtos de tecnologia mais simples, como alarmes e cercas elétricas. Somente algumas empresas de Manaus produzem aparelhos mais sofisticados, como câmeras, equipamentos de controle de acesso ou gravadores de imagem. Essa realidade, no entanto, deve mudar em pouco tempo, com a implantação de alguns polos de tecnologia no estado de São Paulo (em Garça e São Carlos), na Zona Franca de Manaus, no interior de Minas Gerais e em Ilhéus, no litoral sul baiano.
Convergência com TI
Um sistema de segurança eficiente deve ajudar o cliente a gerenciar seu imóvel em diversos aspectos, proporcionando não apenas tranquilidade, mas controle completo e conforto, explica Almeida, da Siemens. Cada vez mais, a empresa concentra esforços em soluções que garantam automatização e gerenciamento remoto de imóveis ou empreendimentos. “Um alarme permitirá não só detectar intrusos, mas também controlar o ponto de funcionários, além de outras novidades que estão por vir”, acrescenta.
Com o aumento de arrastões em condomínios, os vigilantes, cercas, câmeras e alarmes isolados já não são suficientes. “Inovação tecnológica, inteligência aplicada à segurança e integração de processos são indispensáveis para coibir a ação de quadrilhas especializadas nesse tipo de crime”, diz Almeida. De olho nessa demanda, a Siemens desenhou uma solução que permite a integração virtual entre condôminos, guarita e central de monitoramento da empresa.
A recente convergência da segurança com a tecnologia da informação (TI) foi abraçada pela Canal D Tecnologia e Serviços, que passou de pequena prestadora de serviços de TI a empresa de porte médio. Essa mudança ocorreu depois que seus negócios incluíram o segmento de segurança eletrônica, hoje responsável por 70% do faturamento. Em parceria com a Alstom Brasil – pertencente ao grupo francês Alstom –, a Canal D está implantando o controle de acesso às salas de operação das linhas do metrô de São Paulo. Cerca de 50 estações passarão por modernização tecnológica, explica o diretor de negócios, Haroldo Monteiro.
O aperfeiçoamento da vigilância em shopping centers, em franca expansão e emblemático da gama de atividades relacionadas à segurança eletrônica, também contribuiu para engordar a carteira de clientes da Canal D. O mesmo ocorreu com o avanço da automação industrial, especialmente de cadeias produtivas mais complexas, como as da siderurgia e da petroquímica, com ambientes de risco elevado, onde a segurança eletrônica se encarrega de tarefas que não possam ser realizadas por pessoas. “Bons projetos de segurança industrial já começam a contribuir para a queda dos custos dos seguros”, afirma o diretor da empresa.
A exemplo do que ocorreu com a saúde e a educação, o vácuo deixado pelo poder público na área de segurança deu um empurrão na iniciativa privada, explica Paulo Roberto de Sá, diretor do Grupo GR, que também atua no setor. “Com o inchaço das grandes cidades e o avanço dos índices de violência, o mercado da segurança deixou de ser patrimonial para abarcar uma gama cada vez maior de atividades”, diz o executivo.
Prevenir ou remediar
A avidez da população e das empresas por soluções capazes de devolver a sensação de proteção amplia as facetas dessa realidade bem diversificada. De acordo com Almeida, da Siemens, as tecnologias empregadas no Brasil são tão modernas quanto as de outros países, como os Estados Unidos. A diferença, entretanto, está no comportamento das pessoas e na difusão da cultura preventiva. “Ainda é preciso posicionar a segurança eletrônica como algo necessário para mitigar riscos e não para remediar consequências”, afirma o executivo. A Siemens foi a primeira empresa a estabelecer o conceito de central redundante – capaz de monitorar instalações mesmo na ausência de energia elétrica na central principal.
Ao mesmo tempo em que uma parcela de clientes prefere projetos personalizados, há empresas e condomínios residenciais que não relutam em usar “quebra-galhos” – aparelhos adquiridos sem garantia de origem e operados por uma mão de obra sem qualificação ou treinamento para lidar com a parafernália tecnológica.
“Ainda carecemos de maior profissionalização. Não adianta criar sistemas de primeira linha se não houver atualizações e investimentos em recursos humanos”, afirma Sá, do GR. “Infelizmente, ainda existe um mercado bem selvagem na Santa Ifigênia”, comenta, referindo-se à rua localizada no centro da capital paulista, paraíso de venda de eletrônicos, muitas vezes à margem do comércio legal.
É isso o que leva Almeida, da Siemens, a defender a criação, em futuro próximo, de uma legislação para o setor. “Um dos principais problemas é a clandestinidade. Hoje temos mais de 3 mil empresas de monitoramento em todo o país, o que torna o mercado altamente fragmentado. É fundamental estabelecer regulamentações e padrões de qualidade que não deixem brechas para empresas despreparadas.”
Preocupada com a questão, a Abese apresentou ao Congresso Nacional, por intermédio do atual presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), então deputado federal, o projeto de lei 1.759/2007, que regulamenta o funcionamento das empresas de sistemas eletrônicos de segurança, submetendo-as à autorização e fiscalização do Ministério da Justiça ou das secretarias estaduais de Segurança Pública. O projeto já foi aprovado pela Câmara e segue agora para o Senado.
O eixo da proposta reflete o estágio desse mercado: conceitua as empresas de segurança eletrônica, de modo a distingui-las das prestadoras de serviços de vigilância – destinadas à guarda de estabelecimentos financeiros, ao transporte de valores e cargas e à segurança pessoal. O texto estabelece ainda que sócios e empregados dessas empresas não poderão ter antecedentes criminais e cria duas fases para obtenção do alvará de funcionamento, para atestar a capacidade operacional e qualificação do corpo funcional.
Na opinião do tenente-brigadeiro da reserva José Carlos Pereira, ex-presidente e ex-diretor de operações da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), que tem no currículo mais de 20 anos de experiência na área de inteligência militar, a lei em tramitação deixa de fora um aspecto relevante: a conexão entre o lado privado – consumidores e fornecedores desses serviços – e o aparato público de segurança. “Não adianta a polícia colocar uma câmera a cada 50 metros na Avenida Paulista, se as imagens captadas não puderem ser usadas instantaneamente para evitar assaltos ou outros crimes. Esse tipo de material não deve ser visto isoladamente, mas como parte de um complexo de trabalho de inteligência e proteção”, argumenta Pereira. Forças policiais e militares, bem como os demais recursos de defesa civil (bombeiros, serviços de monitoramento de ambientes), deveriam estar em constante contato com a segurança privada.
Sem essa sinergia, os equipamentos continuarão subutilizados, analisa o militar da reserva. Por exemplo: um edifício com câmeras por todos os lados é monitorado por um porteiro que, em uma situação de emergência, se limitará a telefonar para o síndico, que por sua vez também não dispõe de meios para agir. “O máximo que acontecerá é essas pessoas ligarem para o 190 da polícia, que fará dezenas de perguntas. Enquanto isso, o edifício inteiro será dominado. Por isso, a integração é vital para que a segurança tenha efeito prático”, completa.
O diretor da Abinee vê a questão de maneira um pouco diferente. Na opinião de Vinocur, a ausência do Estado em áreas essenciais força as empresas a ser mais profissionais, e a mão de obra tende a evoluir para acompanhar a convergência da tecnologia da informação com a segurança. Ele reconhece, no entanto, que, embora cursos de graduação e pós-graduação em gestão de riscos ganhem espaço, com grades curriculares cada vez mais abrangentes para contemplar o leque de temas envolvidos, há muito que fazer na formação de recursos humanos para o segmento.